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Os danos causados a sociedade em virtude da fraude no consumo de energia eletrica

A fraude no consumo de energia elétrica vem despertando na sociedade uma sensação de indignação coletiva, fundada na progressiva tomada de consciência dos profundos danos oriundos desse crime. Refletir sobre esse tema é sempre necessário, mas torna-se mais premente considerando a grave crise hídrica que começamos a enfrentar; a maior dos últimos 100 anos, afirmam os especialistas.  

Esse repúdio social é necessário porque precisamos acabar de uma vez por todas com a cultura da impunidade e os agudos problemas que traz à sociedade. O desvio, furto ou fraude, enfim, o consumo irregular da energia não afeta apenas o setor elétrico; atinge toda a sociedade, na medida em que acarreta inúmeros danos coletivos, a exemplo do desperdício de energia; expõe a risco de vida o agente manipulador da rede e as pessoas que estão próximas ao local da prática ilícita e essa conta do consumo não medido pela distribuidora ainda acarreta o aumento da tarifa regulada pela ANEEL. 

Infelizmente, é possível flagrar em todo o país essa prática perigosa. Com essa conduta, o manipulador clandestino visa confundir os funcionários das distribuidoras de energia elétrica, mascarando o real consumo de energia da sua unidade consumidora. O objetivo é se beneficiar com uma redução significativa na sua fatura de energia, ou seja, não pagar pelo seu real consumo. Existem centenas de maneiras de praticar essa fraude. São tantos modos de fraudar que até já conseguimos identificar no mercado eletrotraficantes, pessoas especializadas em realizar os chamados “gatos” ou “macacos”.

A irregularidade de consumo faz parte de um dos importantes temas ligados ao ramo do direito da energia. Trata-se de um assunto de responsabilidade coletiva, na medida em que devemos considerar que a energia está diretamente ligada a recursos naturais, o que evoca fundamentalmente uma preocupação com a sustentabilidade ambiental. 

Sob uma perspectiva descentralizada, através da geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica, o direito da energia preocupa-se com a tutela dos interesses dos partícipes desse ciclo produtivo/distributivo, sempre com vistas a fazer prevalecer o interesse coletivo, através da valorização de alguns fatores fundamentais, tais como, o princípio da segurança, da eficiência energética e do acesso universal à rede de distribuição de energia.

De maneira a garantir o equilíbrio do setor elétrico no controle desse tipo de prática irregular, a Agência Reguladora, ANEEL, através da Resolução 414/2010, estabelece as regras procedimentais que as distribuidoras de energia elétrica são obrigadas a seguir para detectar, autuar e cobrar o consumo desviado e, por conseguinte, não medido. Através do Art. 129 e ss, da Res. 414, a ANEEL estabelece todas as fases do procedimento administrativo de apuração da fraude, onde, através do franqueamento do contraditório e da ampla defesa ao consumidor, outorga às distribuidoras de energia o poder-dever de fiscalizar as unidades consumidoras irregulares. 

Seguindo esse fluxo regulatório, ao identificar indício de procedimento irregular, a distribuidora instaura o procedimento de apuração, o que é inaugurado através do Termo de Ocorrência de Inspeção – TOI, cujo processamento acontece com a participação do consumidor. Se o consumidor não concordar com o TOI, terá assegurado o contraditório, de modo que poderá em 30 dias contestar a ocorrência junto à distribuidora de energia elétrica.

Toda essa tramitação ocorre na esfera administrativa, entre consumidor e distribuidora. Na hipótese do Poder Judiciário ser acionado para solucionar eventual conflito, depreende-se dos Precedentes judiciais que o assunto foi uniformizado pela Primeira Seção do STJ, ao julgar o Tema 699 dos recursos repetitivos REsp 1.412.433. O Acórdão paradigma estabeleceu que, na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no medidor atribuída ao consumidor, desde que garantido o contraditório, é possível o corte administrativo pelo fornecedor de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor. 

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Luciana Browne
Doutoranda do Departamento de História do Direito da Universidade de Lisboa (ULisboa). Mestre em direito privado pela UFPE. Advogada. Sócia fundadora da Browne Advocacia.

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