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Sistema Tributário Regressivo e Desigualdade Social

Essa coluna tem a intenção de debater acerca de temas atuais de Direito Tributário, fugindo um pouco do “lugar comum” referente à análise dogmática, e buscando trazer discussões para reflexão sobre como este ramo do Direito pode [ou poderia] influenciar positivamente questões sociais, econômicas e políticas.

Para tanto, tentaremos sempre analisar os temas com um olhar dedicado à Justiça Fiscal, tão necessária hodiernamente.

Inauguramos esta coluna conversando um pouco sobre a diferenciação entre sistema tributário progressivo e regressivo; como podemos classificar o sistema tributário brasileiro; e, como a delimitação deste sistema influencia na desigualdade social.

De um modo bem didático e de simples compreensão, podemos afirmar que um sistema tributário progressivo é aquele onde quem tem um maior poder aquisitivo, contribui mais com o pagamento de tributos. Neste caso, quem se encontra nas faixas superiores da pirâmide social, tem sobre si uma incidência mais severa de tributação [é submetido ao pagamento de uma maior quantidade de tributos; ou paga tributos com uma alíquota maior].

Esse sistema seria o ideal a ser aplicado em todos os países, pois quanto maior a aplicação da progressividade na tributação, mais fácil se conseguiria minimizar a desigualdade social em um país, pois com uma tributação mais severa sobre os mais ricos, conseguir-se-ia realizar uma melhor distribuição de renda. Em termos práticos, quando se tributa mais severamente aqueles que compõem o 1% mais rico de um país, consegue-se aumentar a receita dos cofres públicos, e destinar tais valores para serviços públicos, como o sistema de saúde pública, que serão utilizados pelas pessoas que não conseguem contribuir de forma mais efetiva com o financiamento do Estado. Nisso consiste a distribuição de renda.

Ao lermos o § 1º, do art. 145 da Constituição Federal de 1988, prevendo o princípio da capacidade contributiva, podemos imaginar que encontramos no Brasil um sistema tributário progressivo. Mera ilusão.

O sistema tributário brasileiro é criticado por economistas mundialmente renomados, como Thomas Piketty, diante de suas distorções que o caracterizam como flagrantemente regressivo.

Um sistema tributário regressivo é aquele em que a carga tributária incide de forma mais pesada sobre as pessoas que tem pouca condição de contribuir com o Estado; enquanto se impõe uma carga tributária amena aos mais ricos. Em estudo realizado pela Receita Federal do Brasil, considerando dados emitidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) no ano de 2015, e ratificado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostra como o sistema tributário brasileiro é regressivo, de modo que os mais ricos pagam pouco tributo, enquanto os que compõe os setores medianos e baixos da pirâmide social sofrem uma alta tributação.

O fato determinante para essa distorção é a alta incidência de tributos sobre o consumo, os quais hoje representam quase 50% da carga tributária nacional, de modo que, quem ganha pouco e gasta praticamente todo seu salário com consumo de bens e serviços, sofre uma altíssima tributação. Aliado a estes dados, temos ainda uma alta tributação sobre o salário, onde encontramos uma progressividade incipiente nas alíquotas do imposto de renda pessoa física, com uma faixa de isenção ínfima.

Enquanto isso, encontramos uma taxa de tributação sobre lucros, ganhos e rendas de capital num percentual de 18% sobre toda a carga tributária do Brasil, o que significa que aquelas pessoas que têm um maior poder aquisitivo e podem investir em valores mobiliários (como os investimentos na bolsa de valores) e obtém ganho de capital decorrente de investimento em imóveis, por exemplo, estão sujeitas a uma tributação muito menor.

Essa distorção é ainda agravada pela isenção de tributação sobre lucros e dividendos, prevista no art. 10, da Lei nº 9.249/95, de modo que os maiores bancos do Brasil distribuíram dividendos no importe de R$ 18,2 bilhões entre janeiro e março de 2021 e não pagaram nada a título de imposto de renda; enquanto quem ganha por volta de R$ 5.000,00 de salário deve contribuir com uma alíquota de 27,5%.

O texto da reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional prevê a extinção da isenção contida na Lei nº 9.249/95, mas ainda é tímida na aplicação de uma tributação severa sobre ganhos de capital, hoje se discutindo a aplicação de uma alíquota de 15%, enquanto a maior alíquota do imposto de renda pessoa física chega a quase o dobro deste percentual.

Os dados apontados acima, decorrentes da análise de pesquisas realizadas por economistas e tributaristas já referendadas, nos leva a uma conclusão inafastável: o sistema de tributação brasileiro está em claro descompasso com o ideal de justiça fiscal e longe de se adequar ao princípio de capacidade contributiva, porquanto se mostra extremamente regressivo, incidindo de forma muito pesada sobre quem menos tem condições de contribuir com os cofres públicos. Deste modo, o Direito Tributário no Brasil está deixando de ser aproveitado como uma útil ferramenta para diminuir a desigualdade social, e está contribuindo para acentuar as distorções sociais e econômicas, diante de escolhas políticas pouco interessantes para a população.

Ousemos, pois, discordar das atuais bases do sistema tributário brasileiro, para ajudar nossos representantes políticos a pensar em modificações mais efetivas e condizentes com os princípios abstratamente insculpidos na Carta Maior do nosso país, a fim de que cheguemos a uma reforma tributária que preze mais pela justiça fiscal, e menos pela mera simplificação [que é necessário, mas não primordial].

 

REFERÊNCIAS

NABAIS, Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa. Coimbra Editora: Coimbra, 2003.

PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Trad.: Monica Baumgarten De Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca. Edição digital: 2014. Não paginado.

SANCHES, J. L. Saldanha. Justiça Fiscal. Lisboa: FFMS, 2010

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Larissa Pinheiro
Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professora na Faculdade do Sertão do Pajeú (AEDAI-FASP), lecionando as disciplinas de Direito Tributário e Direito Processual Civil. Participante do grupo de estudo Moinho Jurídico / UFPE. Membra da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogada no Escritório Larissa Pinheiro Advocacia, onde atua nas áreas de Tributação, Sucessão e Regularização Imobiliária.

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