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O Estatuto Sucessório da Família no Direito Atual e no Projeto do Código Civil Brasileiro

 

Por Torquato Castro*

 

1. Sr. Presidente, Srs. Juristas membros deste nosso Instituto, quero expressar à douta Comissão deste Simpósio o quanto me sinto honrado pelo convite que me traz agora a vossa presença, para dissertar sobre o Estatuto Sucessório da Família no Direito Brasileiro, e ainda prestar contas daquilo que o Projeto do Código Civil, de nº 634, de 1975, no seu Livro V, pretende fazer com a minha colaboração, em termos de organização dos direitos sucessórias da família, no Brasil.

Antes da abordagem direta desse tema, devo algumas explicações sumárias sobre os traços estruturais da sucessão, fixados já pelo direito em vigor no Brasil, desde os tempos coloniais, com as Ordenações Filipinas, recebidas de Portugal, e que o Código Civil em vigor encontrou vigentes e sabiamente soube manter.

O esboço do projeto, de minha autoria, procurou, também de sua parte ressalvá-las, para que, em questões de ordem técnica, não andássemos à cata de mudanças em pontos fundamentais que já se estratificaram como uma tradição nossa, que não merecerá ser destruída enquanto almejarmos para o incipiente direito brasileiro a condição de um direito que tem por si caráter próprio.

 

2. A parte que me ficou reservada, na elaboração do Projeto – O Direito das Sucessões – é marcada por uma estrutura que é, em toda parte, de ordem técnico-legal, e que o conduz a uma dinâmica fechada.

A sucessão causa mortis é, sob o aspecto científico, fenômeno de pura legitimação de sujeito de direito. O herdeiro nada mais é que o novo sujeito legitimado, que substitui aquele outro, cuja legitimação se extinguiu pela morte, nas situações jurídicas patrimoniais, ativas e passivas, que este último mantinha consigo.

E nós sabemos que o fenômeno da legitimação, mesmo não deixando acostar-se aos princípios do justo e do ético, é inteiramente entregue à construção normativa; e tão livre é a norma nessa força construtiva, que muitas vezes vai a ponto de destruir direito atual e adquirido, e sobre ele construir direito novo, dado a outro titular, como ocorre na legitimação do adquirente de boa fé do herdeiro aparente.

 

3. Historicamente é sabido que nós, brasileiros, recebemos do Direito Português colonial um sistema de saisine, na transmissão mortis causa, que era típico da lei visigótica, e pelo qual os herdeiros legítimos ou testamentários recebem o título legitimário sobre a herança exatamente no momento da morte da pessoa sucedida.

Este sistema de saisine fora explicitado desde o Alvará de 9 de novembro de 1754 e com o Assento de 16 de fevereiro de 1786. E era esse o direito que figurava antes do Código Civil. O velho Código Português, 1867, já nos encontrou no gozo pleno de nossa independência jurídico-política, e suas disposições não tiveram força de lei, para nós, nem tiveram força de deslocar, no Brasil a vigência do velho direito colonial.

O Código Civil Brasileiro em vigor abraçou o princípio da saisine visigótica, que tem entre nós prestígio consolidado por mais de duzentos anos de tradição.

O Projeto lhe seguiu o exemplo, adotando a saisine visigótica que é a mesma que, com variantes, preside o sistema sucessório na Alemanha, na França, e em muitos outros povos.

Não nos impressionaram o exemplo dos Códigos Italiano, o antigo e o novo; nem o do novo Código Português; nem as críticas de alguns juristas – sobretudo as de Barassi – contra a saisine visigótica. Ela comporta, na verdade, uma ficção. A lei italiana, como hoje a portuguesa, seguindo o princípio romano da aditio – pela qual só um ato inter vivos, a aceitação do herdeiro, pode operar a titularidade do herdeiro sobre a herança, ainda que o faça com força retroativa ao momento da morte – acaba por criar essa retroatividade ficta, sem que, na realidade, com essa ficção, consiga eliminar o inconveniente real da vacatio. Com o agravo de, por outro lado, desfigurar o título pelo qual se opera a sucessão mortis causa, o qual não é mais substancialmente preso à causa do fato morte, mas a um ato ulterior, inter vivos, de aquisição a aditio – o qual apenas terá no fato morte um pressuposto condicionante.

Em nosso direito, a aditio é ato que simplesmente confirma o título hereditário anterior, já definido ex lege desde o momento da morte (art. 1.851 do Projeto). E a recusa à herança não é um simples repúdio, mas uma verdadeira renúncia.

 

4. À parte essa diferença entre o direito brasileiro e o direito português, quanto à questão central da saisine hereditária, outros aspectos poderiam ser considerados sob o enfoque da comparação entre esses Direitos Positivos, no que tange ao problema sucessório, se isso não demandasse tempo acima dos limites da paciência deste excelente auditório, e não me levasse para fora do âmbito da tese que me foi sugerida, e que concerne ao Estatuto Sucessório da Família no Direito Brasileiro e no último Projeto de Código Civil.

 

5. Todos sabemos que no direito brasileiro a ordem de vocação hereditária por parentesco diversificava-se daquela consagrada no Código Civil português antes do advento em Portugal do Decreto-Lei nº 496/77 e que essa diversidade consistiu na ordem para a vocação do cônjuge supérstite. Este, segundo o disposto no art. 2.133 do Código Civil português, posicionava-se na quarta classe, depois da dos descendentes, da dos ascendentes, e da dos irmãos e seus descendentes.

Ao cônjuge sobrevivo nada era assegurado na sucessão do outro, enquanto concorriam descendentes e ascendentes. Quando, porém, a sucessão era deferida aos irmãos do morto, ou aos descendentes deles, o cônjuge fazia jus, como “legatário legítimo”, ao usufruto vitalício da herança.

O cônjuge sobrevivo somente era chamado a herdar plenamente do outro, na falta de parentes das três primeiras classes sucessíveis e, assim, com preferência sobre os demais colaterais.

Foi o velho Código Civil português de 1867 que, reagindo contra as Ordenações do Reino, e, assim, contra a Novela 118, de Justiniano, elevou o cônjuge sobrevivo, da quinta e última classe, depois dos colaterais, para a quarta classe. O cônjuge nessas Ordenações só tinha depois dele o fisco. O Código de 67 elevou-o à quarta ordem, logo abaixo dos irmãos e descendentes de irmãos do autor da herança.

A reforma portuguesa, havida em 1910, fez subir o cônjuge para a terceira classe, logo depois  da dos descendentes e da dos ascendentes. Em 1930, porém, nova reforma ocorreu, voltando o cônjuge àquela sua posição anterior de herdeiro classificado em quarto lugar, depois dos irmãos e descendentes de irmãos do cônjuge falecido. Em abrandamento ao princípio rigoroso da sucessão por cognação, a reforma de 1930 concedeu ao cônjuge sobrevivo o usufruto vitalício da herança, em concorrência com os herdeiros de terceira classe, isto é, com irmãos e descendentes de irmãos do cônjuge falecido.

O novo Código Civil português, na sua versão originária, manteve o cônjuge nessa mesma posição da reforma de 30 e com o mesmo abrandamento do usufruto vitalício da herança, assegurada ao cônjuge somente quando concorre com herdeiros da terceira classe.

Já o Código Civil Brasileiro concedeu ao cônjuge supérstite o terceiro lugar, na ordem de vocação dos herdeiros legítimos, vindo ele logo depois da classe dos descendentes e da dos ascendentes; antes, assim, de qualquer dos colaterais.

 

6. Isto, no entanto, foi feito no nosso Código Civil, à revelia do insigne autor do seu Projeto original, Clovis Bevilacqua, que porfiou pela inclusão do cônjuge sobrevivo em concorrência com herdeiros das duas primeiras classes, dos descendentes ou dos ascendentes.

Clovis antecipou-se, em seu Projeto, à vigência do modelo alemão em que o B. G. B. decidiu-se pela quebra radical do princípio da cognação, em favor de um agnado, o cônjuge sobrevivo, como partícipe da família. Com a morte de um dos cônjuges, a família frequentemente não desaparece, e terá de continuar, também como unidade econômica, com o outro cônjuge à sua frente. Dispersar os bens dessa família entre os parentes do morto, é, quase sempre, condenar esse grupo familiar à carência absoluta.

E dizia Clovis: “O cônjuge aquinhoado com a sua meação não irá concorrer com eles (os descendentes e ascendentes); mas se o regimen não for o da comunhão, se for outro, é indispensável que, atendendo-se à organização da família, aos sentimentos de afeição e a tudo que justifica a sucessão legítima, não se atire à miséria quem andou na abastança, não se disperse por mãos de estranhos riqueza que era, talvez do sobrevivo (In Trabalhos da Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre a elaboração do Código Civil Brasileiro, impressos por outros do Sr. Ministro do Interior, Dr. Sabino Barroso Junior – Ata da 42ª Reunião, em 27 de dezembro de 1901, Vol. VI, p. 292).

 

7. Na Europa, o direito sucessório viveu a experiência de um rígido princípio de cognação, em que a hierarquia dos sucessíveis se firmava à base de critérios, muitas vezes complexos, de estirpe ou de linhagens genealógicas.

A nós, brasileiros, desde a colônia, chegaram ainda os resquícios desse regime que, com o andar dos tempos, se demonstrou inteiramente alheio à nossa experiência de povo miscigenado.

Mas os próprios europeus se vêem hoje na contingência de abrir brechas em seus sistemas envelhecidos, diante dos novos fatos sociais que vinham aos poucos condicionando o grupo familiar, e que operaram nesse grupo uma transformação completa nos dias que correm.

A lei civil alemã já encabeçara uma modificação radical introduzindo, o § 1.931 do Código Civil, preceito pelo qual o cônjuge sobrevivo, que se coloca em terceiro lugar na ordem da sucessão hereditária – logo após os ascendentes – concorre, no entanto, com quota hereditária sua, em plena propriedade, com descendentes; ou com quota maior, também própria, quando vocados sejam herdeiros ascendentes.

A Itália, por sua vez, no Código de 1942, criou para o cônjuge sobrevivo uma espécie de legado obrigatório de usufruto sobre parte da herança. Essa idéia de usufruto, em lugar de quota hereditária em direito pleno – espécie de solução a meio termo – foi o que inspirou, no Brasil, a Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, que deu nova redação ao art. 1.611 do Código Civil, introduzindo nesse dispositivo um parágrafo – o § 1º – em que se institui  para o cônjuge sobrevivo, casado em regime que não seja o da comunhão universal, o direito ao usufruto da quarta parte da herança, se concorre com filhos do outro cônjuge, ou com filhos do casal; e a “metade, se não houver filhos, embora sobrevivam ascedentes do de cujus”.

Esse direito do cônjuge sobrevivo ao legado do usufruto, de princípio, usufruto vitalício, encontra-se, porém, subordinado a uma condição: a ele só terá direito o cônjuge sobrevivo “enquanto permanecer viúvo”.

Outro parágrafo, o 2º, foi introduzido ao mesmo dispositivo do art. 1.611, para conferir ao cônjuge meeiro o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

 

8. A idéia italiana do usufruto, instituída no Código de 1942, demonstra que ali o legislador permanece ainda profundamente comprometido com os velhos preconceitos da cognação. O legado do usufruto é necessariamente uma deixa provisória, como temporário é por natureza o direito de usufruto. Isso é indicativo de que, ainda, lá, o cônjuge é considerado um “arrivista” na família do outro cônjuge, fora da “linhagem” da família deste. O cônjuge sobrevivo, na verdade, recebe o legado a título de uma “ajuda econômica”, que tende a extinguir-se, passando, com sua morte, para o herdeiro real – este sim, situado na “linhagem”.

 

9. Relevo merece, neste ponto, o Código Soviético de 31 de outubro de 1922, em que a sucessão, no limite estrito em que é deferida, destina-se a garantir a permanência do grupo de pessoas, parentes ou não, que viviam na dependência econômica do falecido. Agnados ou cognados não são vistos como tais, mas como pessoas de um grupo social que merece proteção, enquanto deve permanecer no tempo. O que, paradoxalmente, nos faz lembrar o grupo visado pelo sistema do direito romano clássico, dos heredes sui.

 

10. O modelo italiano do usufruto é marcado por aquele original defeito, que já assinalamos, de não considerar o cônjuge como integrado no grupo familiar que constituiu com o outro cônjuge, e sim, um “arrivista” nesta família. Pior saiu a emenda brasileira que nesse modelo se inspirou.

Além de má, no conteúdo, ela não é boa, a nosso ver, na forma por que o exibe. Todos conhecemos as dificuldades com que se defrontam nossos juristas, juízes e tribunais, na aplicação do § 1º ao art. 1.611 do Código, dadas as omissões essenciais e a ligeireza de sua redação, no trato da questão do maior relevo.

Basta considerar a cláusula, legal mas perversa, que ali surge, como condição para a permanência do legado de usufruto em mãos do cônjuge sobrevivo: a condição de não contrair matrimônio…

 

11. Já não prevalecem hoje os preconceitos com que Andrade Figueira conseguiu destruir no nascedouro as idéias de Clovis, na discussão do seu Projeto; preconceitos que, estranhamente, não se dirigiram diretamente contra a admissibilidade de ser o cônjuge sucessor, mas, só e sobretudo, contra a possibilidade de vir a mulher a ser esta sucessora.

Hoje, muito mais que no começo deste século, quando se discutiu o Projeto de Clovis, sente-se que a admissão da tese deste Projeto se impõe, por uma questão elementar de justiça a ser feita ao cônjuge sobrevivo, dentro das características atuais da família brasileira.

Família em que, em vastíssima maioria, ambos os cônjuges trabalham, se empenham em atividades produtivas que aplicam na manutenção do grupo e não poupança das sobras, não é tolerável negar-se a qualquer deles o direito de receber em propriedade plena, por morte do outro, a sua parte no resultado econômico da sociedade que se desfaz.

Atualmente o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido jurisprudência pretoriana, Súmula 380, à concubina que coopera no trabalho ao lado de seu amásio, o direito de receber deste, ou de seu espólio, a quota de até a metade dos bens, como valor de sua participação na sociedade de fato, mantida com ele.

Negar-se uma quota ao cônjuge, pelo mesmo critério de participação no trabalho, pelo qual é tão quota reconhecida entre concubinos, parece-nos discriminação intolerável, praticada contra o legitimamente casado. É reconhecer que o cônjuge, por ser casado, não pode merecer aquilo que merece qualquer pessoa, inclusive a concubina: o direito de reaver da sociedade extinta quota que lhe compense a própria atividade produtiva, enquanto partícipe dela.

Legislar é atender ao quod plerumque fit. Não se deve elaborar o estatuto sucessório com a vista voltada só para os muito ricos, ou para os muito nobres nos faustos medievais da genealogia; pois a qualquer observador é dado perceber que ambas essas espécies de humanos, em número cada vez mais restrito, estão fadadas à extinção.

Hoje, desenrola-se para os casados, em sua grande generalidade, um drama bem diverso. A maioria dos grupos familiares brasileiros quando pretende adquirir casa própria se vale de créditos cujo nível é ditado, em banco estatal (BNH), em função da soma dos rendimentos ou salários de que dispõe cada um dos cônjuges (dito “salário familiar”).

Hoje, também, a partir da Lei do Divórcio, o regime de comunhão deixou de ser o padrão legal vigente na ausência do pacto antenupcial.

Quando a comunhão de bens, em que é ausente o problema sucessório, ocorre por força do regime matrimonial, o direito do cônjuge se ressalva, independentemente do estatuto sucessório.

O direito sucessório só é chamado a prover, quando o cônjuge falecido possui como seus, ou como particulares, bens de que se provê a família.

Aí então é preciso que interceda o estatuto sucessório, em garantia do outro cônjuge e da continuidade do grupo familiar.

 

12. Quis o destino que sobre mim recaísse o elevado múnus de elaborar o Projeto Original do Direito das Sucessões, o mesmo ofício que coube a Clovis – esse outro nordestino que, muito acima de mim, além de sábio, era um santo, no dizer de Gilberto Freire. Ainda moço eu o conheci pessoalmente e sabia, através das referências de meu pai, também professor da Faculdade de Direito do Recife, da pureza da alma desse grande cearense e do exemplo de desprendimento, que foi a sua vida pessoal.

O que fiz, foi reerguer-lhe a bandeira de luta, esmagada e vencida pelos preconceitos. Fi-lo, estimulado projeto anterior de Orlando Gomes referendado pelo grande Orozimbo Nonato e pelo eminente civilista pátrio que ora homenageamos, Prof. Caio Mário da Silva Pereira.

E, se aqui ou ali, cedi nessa luta – e sente pela simples comparação do esboço original com o Projeto de Lei nº 634/75 onde houve a quebra do princípio – isso eu o admiti por espírito natural de transação, que deve presidir aos julgamentos colegiados, e também com a intenção de salvar, no Projeto definitivo, o cerne da idéia, que ali realmente restou.

 

13. O Projeto do Código Civil, de nº 634, de 1975, em trânsito na Câmara dos Deputados, deu ao cônjuge sobrevivo a qualidade de herdeiro necessário do cônjuge falecido (art. 1.896), com direito pleno à metade dos bens da herança, constituindo a legítima (art. 1.897).

Quando, nesta qualidade de herdeiro necessário, concorre com outros dessa mesma categoria, isto é, com descendentes ou ascendentes, essas hipóteses se regulam do modo seguinte:

a) se com descendentes, caberá ao cônjuge um quinhão igual ao dos descendentes que sucederam por cabeça, não podendo porém, sua quota se inferior à quarta parte da herança, se concorre com filhos do casal (art. 1.879).

Se o cônjuge concorrer com descendentes do cônjuge falecido, dos quais não seja ele, cônjuge sobrevivo, também ascendente, o seu direito se converte em legado de usufruto sobre a quarta parte da herança; salvo se tais descendentes sejam filhos naturais do sucedido, hipótese em que concorre o cônjuge sobrevivo com a quota de uma terça parte da herança, por direito próprio e irrestrito.

b) se com ascendentes, se estes forem de 1º grau, o cônjuge sobrevivo fará jus a um terço da herança, ou a metade desta, se houver um só ascendente desse grau. Com ascendentes que não sejam do 1º grau, o cônjuge sobrevivo terá a quota da metade da herança (art. 1.888).

c) não havendo descendentes ou ascendentes, o cônjuge será o herdeiro necessário da metade da herança; ou de toda ela, não havendo testamento (art. 1889).

 

14. Aqui e ali, o Projeto nº 634, que é de 1975, já se vai ressentido, em suas disposições, com o advento de leis esparsas que lhe prejudicam o conteúdo. A nosso ver, uma delas é sem dúvida a alínea I ao art. 1880, que trata de modo diverso os filhos do cônjuge falecido havidos fora do casal, distinguindo entre filhos legítimos e ilegítimos, enquanto concorram com o cônjuge.

Mas, de outro lado, para sorte do Projeto, intercedeu em seu favor, nesse meio tempo a partir de sua apresentação em 1975, um fator que considero poderoso para o prestígio de sua tese central: o advento da reforça do Código Civil Português, com o Decreto-Lei Português 469, de 1977, que o fez aderir, em virada decisiva, ao sistema do estatuto sucessório alemão.

Desde então, a família portuguesa tem o cônjuge sobrevivo prestigiado, na sucessão de seu esposo, no concurso com descendentes e ascendentes, colocando-se, logo a seguir, na terceira classe dos chamados à herança legítima.

 

15. Em substância, tudo quanto o Projeto assenta, como estatuto sucessório da família brasileira, é a idéia essencial de que o cônjuge sobrevivo é de ser considerado como o partícipe central da família que instituiu com o falecido, e que é do interesse substancial desta mesma família, e não de qualquer outra, o de sobreviver através da sucessão, e de não ver, como bem o disse Clovis, dispersados os seus haveres, em benefício de outros, estranhos a ela.

Agraço, afinal, a atenção que me dispensou este seleto auditório.

 

Rio, 25 de setembro de 1983.

 

Notas:

*O Prof. Torquato da Silva Castro foi Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito do Recife e membro da “Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil”, responsável pelo Livro de Direito das Sucessões, então presidida por Miguel Reale.

Este texto foi gentilmente cedido para publicação no Juridicamente pelo Prof. Torquato Castro Jr., também Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito do Recife e filho do Prof. Torquato da Silva Castro, ao Professor Venceslau Tavares, colunista do portal (Rocinante – Direito Civil) e curador da Seção Jurisconsulto.

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