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O Rol taxativo da ANS, o custeio dos Planos de saúde e o tratamento das pessoas com autismo.

Já há algum tempo, os Transtornos Globais do Desenvolvimento vêm tomando conta dos noticiários e discussões jurídicas, dentre eles, com especial relevância, o transtorno do espectro autista – TEA, a partir do momento em que as pessoas passaram a utilizar as redes sociais e a internet como ferramenta para o compartilhamento de informações acerca desses temas.

 

“O transtorno global do desenvolvimento é caracterizado por um conjunto de condições que geram dificuldades de comunicação e de comportamento, prejudicando a interação dos pacientes com outras pessoas e o enfrentamento de situações cotidianas” (Fonte: www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias) e, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) engloba: Autismo infantil (F84.0); Autismo atípico (F84.1); Síndrome de Rett (F84.2); Outro transtorno desintegrativo da infância (F84.3); Transtorno com hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados (F84.4); Síndrome de Asperger (F84.5); Outros transtornos globais do desenvolvimento (F84.8) e Transtornos globais não especificados do desenvolvimento (F84.9).

 

Para o tratamento desses transtornos globais, os profissionais da área de saúde criaram: o método Applied Behavior Analysis (ABA), o Modelo Denver de Intervenção Precoce (DENVER ou ESDM), a Integração Sensorial, a Comunicação Alternativa e Suplementar ou Picture Exchange Communication System (PECS), dentre outros.

 

A partir daí, os pais de crianças com transtorno passaram a buscar esses tratamentos que, pela própria natureza dos serviços, muito específicos e elaborados, acabaram se mostrando altamente dispendiosos. A solução foi obter tal custeio por meio dos Planos de Saúde que, por não estarem preparados, técnica e financeiramente, para assumir essa responsabilidade, começaram a glosar os pedidos, visto não estarem inseridos no Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde – ANS, ou limitá-los, alegando falha na cobertura.

 

A questão acabou indo parar no Judiciário e chegou até o Superior Tribunal de Justiça – STJ (EREsp 1.886.929 e EREsp 1.889.704, DJe de 03/08/2022) que, visando assegurar a proteção dos consumidores, pais de crianças com transtorno, decidiu que o fatídico Rol da ANS era taxativo, de modo que somente os tratamentos ali previstos poderiam ser exigidos, sobretudo judicialmente, dos Planos de Saúde. Segundo o STJ, a ideia era evitar que novos procedimentos não listados no Rol, mas sugeridos pelos médicos, pudessem elevar os custos mensais dos planos de saúde, já que o Judiciário acabaria determinando o pagamento desses tratamentos, dado seu caráter mais relevante (proteção do direito à vida digna em detrimento da questão meramente patrimonial).

 

Não obstante, pouco mais de um mês antes da decisão do STJ, a própria ANS acabou por emitir a Resolução Normativa DC/ANS nº 539 de 23/06/2022, publicada no DOU de 24/06/2022, incluindo no citado Rol os tratamentos para transtornos globais citados anteriormente (Método ABA etc.).

 

Ocorre que o número de consultas e/ou sessões desses tratamentos inovadores continuam sendo limitados pelo Judiciário, em especial o Goiano, em respeito aos contratos firmados com os planos de saúde, de modo que, caso os pais da criança com transtorno queiram dar continuidade aos atendimentos, terão que arcar com metade (50%) dos custos, em regime de coparticipação.

 

Além disso, os pais das crianças com transtorno também seguem lutando pelo custeio, ainda que no regime de coparticipação, das sessões de musicoterapia, assistência terapêutica, hidroterapia, equoterapia (“deve ser desprovido o apelo, na parte em que pleiteia a expressa menção à sessão semanal de equoterapia, pois tal tratamento não pode ser imposto à apelada, eis que não obrigatório” – TJGO, AC 5286087-46.2016.8.09.0051, DJe 29/03/2022) e outros, cujos resultados expressivos vêm sendo comprovados a todo momento por aqueles que possuem condições financeiras de arcar com os gastos, de forma particular.

 

Talvez, num futuro próximo, mediante um entendimento razoável entre operadoras de plano de saúde e consumidores, se consiga chegar a um denominador comum, sobretudo financeiro, capaz de contemplar tudo o que o profissional de saúde indicar como tratamento aos pacientes com transtornos globais, na medida em que a vida digna deles não têm preço.

 

Dados do processo interpretado já formatados para citação:

 

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5439301-23.2017.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR JEOVA SARDINHA DE MORAES, 6ª Câmara Cível, julgado em 17/10/2022, DJe  de 17/10/2022).

 

Ementa do processo interpretado:

 

EMENTA: DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. 2º APELO INTEMPESTIVO. PLANO DE SAÚDE. CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (AUTISMO). DOENÇA ABRANGIDA PELA COBERTURA DO PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MULTIPROFISSIONAL COM PSICÓLOGO E FONOAUDIÓLOGO (ABA). SESSÕES ILIMITADAS. LIMITAÇÃO DA QUANTIDADE DAS SESSÕES SOMENTE NO PERÍODO ANTERIOR AO COMUNICADO Nº 84 DA ANS. CONSULTAS/SESSÕES EXCEDENTES. REGIME DE COPARTICIPAÇÃO. 1. O princípio da fungibilidade não autoriza que se supere a tempestividade com vistas a receber o recurso de apelação como recurso adesivo, mormente quando o recorrente não faz nenhuma menção ao artigo 997, §§ 1º e 2º, do CPC. 2º apelo intempestivo. 2. O rol de procedimentos, definido pela Agência Nacional de Saúde, tem natureza exemplificativa e abrange a cobertura mínima exigida para tratamento e acompanhamento de todas as doenças abarcadas pela classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde, da Organização Mundial de Saúde, nos termos do art. 10 da Lei 9.656/98. 2. A ANS editou a Resolução Normativa n. 469/2021, alterando a Resolução Normativa n. 465/2021, ocasião em que assentou que o beneficiário com autismo tem direito à cobertura integral e ilimitada de sessões de fonoaudiologia e psicologia/terapia ocupacional. Assim, a partir de então o beneficiário, portador do Transtorno do Espectro Autista, faz jus ao direito da totalidade do tratamento, sem a observância da limitação mínima estipulada ANS. 3. As consultas e/ou sessões que ultrapassarem as balizas de custeio mínimo obrigatório, anteriormente a publicação do Comunicado nº 84, da ANS, devem ser suportadas por ambas as partes, em regime de coparticipação. 4. Não se vislumbra o direito do autor ao custeio de musicoterapia e de auxiliar terapêutico, porquanto não possuem cobertura prevista no contrato em discussão, além de não figurarem expressamente listadas pela ANS, como sendo de cobertura obrigatória nos planos de saúde vigentes no país. 5. Não restando configurada a má-fé da operadora do plano de saúde, o beneficiário não faz jus à indenização por dano moral, eis que a negativa se deu por interpretação de cláusula contratual, que limita o atendimento com base nos regulamentos da agência reguladora. 1ª APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. 2ª APELAÇÃO CÍVEL NÃO CONHECIDA.

 

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Geraldo Fonseca Neto
Pós-graduação em Direito Penal pela UFG. Graduação em Direito pela PUC-GO. Advogado por 8 anos. Assessor de Desembargador no TJGO (10 anos na área cível e 3 na criminal). Professor universitário por 11 anos na área Penal e Processual Penal. Ainda se dedica ao Ensino Jurídico, auxiliando advogados em início de carreira e ministrando cursos sobre recursos cíveis.

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