Área jurídicaDireito EmpresarialEmpresa & Direito & NegóciosEmpresarial e Societário

Acordo de sócios no âmbito das Startups: (in)dispensável?

Atualmente, muito se fala sobre um novo modelo de negócios, inovador, capaz de quebrar padrões já definidos, normalmente associando tal novidade às “startups”. Mas, o que, de fato, seria esta nova figura? Seria um novo “tipo de empresa[1]”? E mais, seria viável (e necessário) o estabelecimento de “regras de convivência” entre os participantes de tal negócio mediante um acordo de sócios?

Partindo do primeiro questionamento, muito embora não se possa afirmar que existe um conceito estático e já definido para as startups, é possível distingui-las das demais empresas levando em consideração algumas características[2] que lhe são inerentes, independentemente do lugar em que estejam. São elas: (i) estar na etapa inicial de seu desenvolvimento; (ii) ter alguma inovação em um determinado produto ou serviço; (iii) operar inicialmente com uma rigidez orçamentária; (iv) possuir um MVP (Minimum Viable Product); (v) o produto ou serviço explorado poder ser largamente difundido em outros mercados; (vi) necessitar em uma etapa posterior de alguma forma de financiamento; e (vii) operar mediante o uso de tecnologia.

 

Em relação à primeira característica, não se pode confundir as startups com empresas e negócios que já se encontram em uma etapa de maturidade. São empreendimentos que estão no início de seu desenvolvimento. Na sequência, as startups devem estar associadas à ideia de quebra de padrão. Neste ponto, costuma-se utilizar o termo “disrupção[3]” para caracterizar as startups, que nada mais é do que a concepção de romper algum padrão de mercado já consolidado.

 

Em terceiro lugar, tendo em vista que estão em uma etapa inicial, operam com os custos bastante reduzidos (bootstrapping), de forma que não há muita organização interna quanto aos papeis que são desempenhados por cada um dos participantes. Ocorre o que se chama de proliferação dos “C-Levels”. Por isso, considerando a racionalidade na utilização dos recursos, os quais são, inicialmente, dos próprios fundadores, as startups demandam apenas o necessário para verificar se o produto ou serviço que se está criando e oferecendo ao mercado é realmente viável para a expansão dos negócios. É o que se denomina MVP.

 

Além disso, o produto ou serviço deve possibilitar o alcance a vários outros clientes sem que seja necessário grandes investimentos. Um restaurante, por exemplo, para abrir em outras localidades requer aportes de capital em grandes proporções, o que não ocorre, por exemplo, com uma plataforma digital, que pode impactar novos clientes sem nem mesmo abrir novas filiais.

 

A ideia de startup costuma também estar associada a algum tipo de financiamento de terceiros, seja via participação dos investidores diretamente na empresa (equity), seja via empréstimos usuais (debt). Em algum momento, após a sua etapa inicial de desenvolvimento, os fundadores provavelmente terão que recorrer a terceiros para conseguir expandir o negócio. Nesta etapa, é usual que as startups participem das chamadas “rodadas/séries de investimento” para receber os recursos de terceiros.

 

Outra característica se relaciona ao perfil tecnológico destas empresas. Não esqueçamos que as startups, tendo em vista possuírem um perfil inovador, tendem a operar mediante o uso massivo de tecnologia, a fim de permitir a maximização do alcance de seu produto ou serviço.

 

Por fim, mas não menos importante, a ideia nuclear de uma startup é estar inserida em um contexto de risco. Ou seja, deve ser um modelo de negócio que ainda não foi testado, não estando consolidado. A ideia de incerteza deve estar, necessariamente, presente.

 

A partir das principais características, pode-se entender as startups como sendo um estágio de uma empresa que, de alguma forma, traz uma ruptura em um mercado já consolidado, ou mesmo cria um novo mercado, a partir de uma necessidade nunca antes satisfeita – ou pouco satisfeita – por outro produto ou serviço. Aliás, certo é que, independentemente do viés que se escolha para se conceituar uma startup, a eleição do tipo societário para tornar possível a operação é indispensável.

 

No Brasil, dado o ambiente societário previsto no Código Civil e na Lei nº 6.404/76 (“LSA”), a escolha do tipo societário para a realidade das startups costuma ficar entre as sociedades limitadas e as sociedades anônimas. Neste ponto, a preferência por um tipo ou outro vai depender de dois fatores básicos, como bem destaca Layon Lopes da Silva[4], tais como: (i) quantidade de sócios que se espera naquele negócio; e (ii) tamanho da necessidade de captação de financiamento com terceiros.

 

De uma forma ou de outra, as startups precisarão se financiar por meio de capital de terceiros, como já dito acima. Apesar de ser possível obter estes recursos via debt, ou seja, quando o financiador se torna um mero credor da startup, grande parte dos investimentos feitos neste tipo de negócio ocorre mediante aquisição de participação societária (equity). Por isso, a estipulação de regras claras e bem definidas para regular a relação entre os fundadores e os sócios investidores é tarefa de grande importância, não só para a proteção dos interesses de todos os envolvidos, como também para assegurar a sobrevivência do próprio negócio.

 

Uma forma eficiente de se fazer isto é mediante a assinatura de um acordo de sócios. Este documento, previsto no art. 118 da LSA, nada mais é do que um contrato firmado entre os participantes de uma sociedade a fim de estabelecer regras sobre compra e venda de ações, exercício do direito de preferência, exercício do direito de voto e outras questões[5].

 

Muito embora esteja previsto na legislação das sociedades anônimas, é pacífico o entendimento de que os acordos de sócios também podem ser utilizados no âmbito das sociedades limitadas, desde que o contrato social preveja a regência supletiva pela LSA[6], como permite o art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil. Inclusive, na jurisprudência também se admite a validade do acordo de sócios firmado na sociedade limitada, como pode se verificar em precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[7].

 

Não se pode esquecer que os acordos de sócios, como qualquer negócio jurídico, devem atender os requisitos de validade e eficácia previstos em nosso Código Civil, quais sejam: ter agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida em lei, de acordo com o art. 104 do referido diploma legal[8].

 

Superada a questão acerca da possibilidade ou não de adoção de um acordo de sócios no âmbito das sociedades limitadas, sabe-se, portanto, que ele poderá ser utilizado para as startups, independentemente do tipo societário escolhido. A partir disso, analisar-se-á a necessidade de utilização deste instrumento, mediante o exame de cláusulas que podem ser previstas, bem como até que ponto elas podem ser úteis na prática em um contexto de uma startup.

 

Uma primeira regra que se pode estabelecer é relativa às restrições à transferência de quotas ou ações, a fim de impedir que terceiros ingressem na sociedade sem o consentimento da maioria ou da unanimidade dos sócios. Uma limitação deste tipo pode ter por objetivo a manutenção do affectio societatis entre os sócios. Ou seja, deseja-se manter uma coesão e a intenção de constituir sociedade entre os participantes, o que poderia ser prejudicado em caso de ingresso de um terceiro estranho à sociedade. Aliado a isto, pode-se instituir um direito de preferência na aquisição das quotas ou ações, assegurando-se aos sócios a possibilidade de adquiri-las nas mesmas condições ofertadas por um terceiro.

 

Neste mesmo sentido, a cláusula de tag along é uma importante ferramenta para conceder aos sócios o direito a uma saída conjunta. Em outras palavras, em uma situação na qual um dos sócios pretenda alienar a sua participação societária, os demais podem exigir que o sócio alienante inclua as demais quotas ou ações da sociedade na sua oferta de alienação a um terceiro. De outro lado, pode-se prever também a cláusula de drag along, a qual nada mais é do que uma obrigação de os sócios venderem as suas participações satisfeitas algumas condições. Com esta previsão, tenta-se impedir que determinados sócios “travem” a alienação das participações dos demais a terceiros interessados[9].

 

Outro ponto relevante a ser contemplado no acordo de sócios diz respeito à política de distribuição de dividendos e de reinvestimento na sociedade. Aqui, é preciso priorizar, ao mesmo tempo, a remuneração dos sócios da sociedade (sócios fundadores e sócios investidores), e a manutenção da saúde financeira da empresa, com o reinvestimento de parte do resultado, a fim de permitir a expansão e crescimento do negócio. No âmbito das startups, a previsão de uma cláusula como essa é extremamente necessária, tendo em vista que o sucesso na captação dos investimentos dependerá da análise do risco/retorno que os investidores farão antes de aportar o capital, e isto perpassa pela possibilidade de a empresa gerar e distribuir resultados.

 

Não se pode esquecer da cláusula antidiluição, imprescindível para os casos em que exista um sócio com capacidade financeira elevada em relação aos demais. Aqui, via de regra, busca-se proteger os sócios fundadores da startup, mediante o estabelecimento de uma fórmula de formação do preço de emissão de novas quota ou ações[10]. Esta cláusula também pode ser utilizada como medida protetiva para investidores que aportaram recursos no negócio nas rodadas iniciais de investimento, para que outros aportes não acabem prejudicando a participação, em termos percentuais, de quem acreditou mais cedo no negócio.

 

A previsão de regras para a apuração de haveres, visando à manutenção da liquidez da sociedade, também é imprescindível. Neste contexto, a empresa não pode sofrer com eventual exercício de direito de retirada – cujas regras também podem ser estabelecidas no acordo de sócios – por um sócio. É primordial que se busque a preservação da saúde financeira da sociedade, estabelecendo-se prazos mais alongados para o pagamento dos haveres, bem como fórmulas exatas de formação do preço das participações.

 

Percebe-se, portanto, a importância do acordo de sócios no âmbito de uma startup, principalmente para aquelas que receberão capital de terceiros mediante a concessão de participação societária, a fim de estabelecer regras rígidas para o tratamento de situações que podem gerar grandes prejuízos para os fundadores, para os investidores e para a própria sociedade. Seja qual for o tipo societário eleito, o estabelecimento das “regras do jogo” antes de iniciada a partida só tende a trazer benefícios e previsibilidade a todos os participantes, visando à longevidade do negócio.

 

Referências Bibliográficas:

  1. CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017;
  2. CARVALHOSA, Modesto. KUYVEN, Luis Fernando Martins. Sociedades anônimas. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016;
  3. COUTINHO, Sérgio Mendes Botrel. Fusões e aquisições. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016;
  4. FEIGELSON, Bruno. NYBO, Eric Fontenele. FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
  5. GONÇALVES NETO, Alfredo Assis. Direito de empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
  6. SILVA, Layon Lopes da. Governança Corporativa para startups. In: JÚDICE, Lucas Pimenta.; NYBO, Erik Fontenele (Orgs.). Direito das startups. São Paulo: Juruá, 2016.

 

Notas:

[1] O termo “empresa” é aqui empregado como sinônimo de “organização voltada para a exploração de atividade econômica”, e não como é normalmente utilizado pelo direito, segundo o qual empresa é a atividade exercida pelo empresário, que, por sua vez, é aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, como previsto pelo artigo 966 do Código Civil.

[2] Estes elementos são citados por Eric Nybo, o qual afirma que a conceituação do termo “startup” é algo difícil de se fazer, levando em consideração a abrangência de sua aplicação nos dias atuais (FEIGELSON, Bruno. NYBO, Eric Fontenele. FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 31.

[3] Disrupção: dis·rup·ção; Sf; 1 Ato ou efeito de romper(-se); dirupção, fratura; 2 Quebra de um curso normal de um processo; 3 ELETRÔN Restabelecimento abrupto de energia elétrica que provoca faíscas e enorme consumo da energia acumulada; 4 HIDROL Em escoamento de fluidos, formação e acúmulo de turbilhões ao redor de um obstáculo; deflexão; ETIMOLOGIA lat disruptĭo. (https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/disrup%C3%A7%C3%A3o/)

[4] SILVA, Layon Lopes da. Governança Corporativa para startups. In: JÚDICE, Lucas Pimenta.; NYBO, Erik Fontenele (Orgs.). Direito das startups. São Paulo: Juruá, 2016. p. 69.

[5] Na definição de Sérgio Campinho: O acordo de acionistas constitui-se em espécie do gênero acordo parassocial e emerge como efetivo instrumento de composição de grupos. Revela-se, pois, como um veículo para a estabilização das relações de poder no interior da companhia, permitindo, por ajustes paralelos ao ato constitutivo, a negociação de obrigações recíprocas entre os acionistas celebrantes, que assegurem certa permanência nas posições acionárias por eles ocupadas. Nasce do escopo dos acionistas de predefinir contratualmente certos comportamentos que garantam uma coexistência harmônica de seus interesses de sócio (CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 263)

[6] Sobre este assunto, Alfredo Assis Gonçalves Neto dispõe que “esse pacto parassocial é plenamente válido e encontra fundamento no princípio da liberdade de contratar” (GONÇALVES NETO, Alfredo Assis. Direito de empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 388.

[7] Sociedade limitada. Apuração de haveres. Critério de apuração. Prevalência do Acordo de Quotistas. Liberdade Contratual. Artigo 1.031 do CC e artigo 606 do CPC. Ademais, previsão expressa no contrato social acerca de sua subsidiariedade. Destituição do administrador que se deve tomar conformada à hipótese da alínea b do item 2.1.1 do Acordo de Quotistas. Sentença reformada. Recurso provido em parte (TJ-SP 10604667520168260100 SP 1060466-75.2016.8.26.0100, Relator: Claudio Godoy, data de julgamento: 19/02/2018, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 21/02/2018). AÇÃO CAUTELAR. Pedido de liminar indeferido. Decisão reformada em parte. Autores, ora agravantes, que demonstram a justa expectativa de usufruir de benefícios inerentes ao cargo de administrador da sociedade, para o qual haviam sido nomeados pelo período de dois anos. Destituição em prazo anterior, com base no contrato social. Acordo de quotistas, contudo, que prevalece. Liminar concedida, para determinar que sejam mantidos os benefícios previstos no acordo, ainda que não exerçam a administração da sociedade. Recurso provido em parte (TJ-SP – AI: 20905770520148260000 SP 2090577-05.2014.8.26.0000, Relator: Teixeira Leite, Data de Julgamento: 03/07/2014, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 10/07/2014).

[8] CARVALHOSA, Modesto. KUYVEN, Luis Fernando Martins. Sociedades anônimas. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 611.

[9] COUTINHO, Sérgio Mendes Botrel. Fusões e aquisições. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 339.

[10] Idem ibidem. p. 342.

Colunista

Avalie o post!

Incrível
2
Legal
0
Amei
7
Hmm...
0
Hahaha
0
Pedro Moura
Advogado nas áreas de direito contratual, societário e M&A, formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE). LL.M em Direito Societário e em Direito Tributário pelo Insper. Membro fundador da Comissão de Direito Societário do Instituto dos Advogados de Pernambuco.

    Você pode gostar...

    Leave a reply

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    vinte − 9 =