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O saneamento básico e suas externalidades (positivas e negativas)

Inicialmente, devemos traçar o que são externalidades e a sua influência na efetivação de políticas públicas. Em um panorama simples as externalidades são efeitos colaterais involuntários que as ações de uma pessoa, empresa ou setor podem causar sobre terceiros que não estão envolvidos diretamente na transação original. Podem gerar efeitos positivos que são benefícios não intencionais que uma ação ou atividade pode proporcionar a terceiros. Por exemplo, quando há investimento em saneamento básico existe a tendência de valorização imobiliária nos imóveis atingidos pela política pública. Nesse caso, a valorização imobiliária é uma externalidade positiva, pois gera benefícios ao indivíduo.

Também há externalidades negativas que são impactos indesejados e prejudiciais que uma ação ou atividade pode ter sobre terceiros. Um exemplo clássico é a poluição gera pelo despejo de esgoto não tratado na natureza. Enquanto não há o devido tratamento dos resíduos sólidos, a poluição afeta a saúde das pessoas que vivem nos locais mais atingidos, causando problemas de saúde, além de gerar a elevação dos gastos do SUS no tratamento dessas doenças e gerar o aumento no número de afastamento do trabalho. Nesse caso, a poluição é uma externalidade negativa.

O entendimento das externalidades é fundamental para a formulação de políticas públicas, uma vez que elas podem afetar o bem-estar da sociedade como um todo. Políticas eficazes muitas vezes buscam internalizar essas externalidades, incentivando ações que gerem benefícios sociais e desincentivando aquelas que causem danos à sociedade.

O saneamento básico é um pilar fundamental para o desenvolvimento social e a qualidade de vida das populações em todo o mundo, sendo um excelente meio para redução das externalidades negativas e florescimento das positivas. Em Recife, observamos avanços significativos, com cerca de 45% da cidade atualmente beneficiando-se de serviços de saneamento básico. A expectativa é que até 2024 esse número aumente para 52%, esse dado reflete a necessidade de amplo investimento no setor, porém as previsões não são suficientes para cumprir a determinação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico.

Entretanto, quando olhamos para todo o estado de Pernambuco, percebemos que há um desafio considerável pela frente. Estudos indicam que são necessários cerca de 45 bilhões de reais para atingir uma cobertura completa de saneamento no estado. Isso requer um investimento anual substancial de aproximadamente 4,5 bilhões de reais em CAPEX (investimento em capital) e OPEX (despesas operacionais). Para se ter uma ideia do montante, somente a capacidade de empréstimo de Pernambuco é estimada em aproximadamente 7 bilhões de reais, o que seria suficiente para cobrir menos de dois anos desses investimentos necessários. Isto é, o Estado poderá captar esses recursos no mercado interno e externo e, mesmo utilizando-o unicamente para saneamento, tal investimento não será suficiente para 2 anos de investimentos no setor.

É evidente que uma colaboração eficaz com o setor privado se faz necessária para preencher essa lacuna de financiamento. Compartilhar o investimento com o setor privado pode acelerar o progresso na expansão do saneamento básico em Pernambuco e no Brasil, garantindo que os recursos estejam disponíveis para atender às demandas crescentes da população. É nesse caminho que projetos que buscam a parceria da iniciativa privada na efetivação de investimentos no setor estão sendo processados; o BNDES assume o papel de principal agente estruturador desses programas.

A situação do saneamento no Brasil é um desafio crítico. Atualmente, aproximadamente 93 milhões de pessoas no país não têm acesso adequado ao esgoto e 33 milhões à água potável. Para se ter uma ideia do impacto que isso gera, anualmente são despejadas quantidades alarmantes de esgoto não tratado na natureza, o equivalente a 5,5 mil piscinas olímpicas com resíduos não tratados a cada ano, gerando danos significativos ao meio ambiente.

Além disso, prevê-se um aumento de 30% na demanda por água até 2030, o que gera a necessidade de investimentos urgentes no setor, especialmente pelo fato de serem obras de infraestrutura de difícil e custosa execução. Em médio – segundo dados do Governo Federal – os investimentos realizados demoram 5 anos para surtirem efeitos.

A busca pela universalização do saneamento no Brasil também possui implicações econômicas substanciais. Estima-se que essa conquista possa gerar até 1,4 trilhão de reais em benefícios até 2040. Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) economizaria cerca de 24 bilhões de reais anualmente no tratamento de doenças relacionadas à falta de saneamento, o que atualmente resulta em 128 mil internações por ano em todo o país, incluindo 2.502 somente em Recife.

A UNICEF enfatiza que o saneamento é um dos fatores mais críticos na luta contra a pobreza, com o potencial de reduzir doenças ginecológicas em até 63%. A implementação eficaz de políticas de saneamento pode ter um impacto transformador na saúde das comunidades, especialmente das mulheres.

A importância do saneamento básico transcende as questões de saúde pública, estendendo-se a aspectos econômicos e sociais de nossa sociedade. Os dados captados pelo instituto Trata Brasil revelam um panorama inquietante: os gastos com saúde decorrentes da falta de saneamento já ultrapassam a marca de R$ 1 bilhão anualmente. Além disso, o setor de turismo, vital para nossa economia, sofre um prejuízo de cerca de R$ 4 bilhões por ano devido a essa carência.

Mas os impactos econômicos não param por aí. A desvalorização dos imóveis em áreas carentes de saneamento é uma realidade, enquanto a construção da infraestrutura necessária para levar água e coletar esgoto em todo o país poderia movimentar nossa economia, gerar empregos e incrementar a arrecadação de impostos. Em números concretos, se o Brasil expandisse o saneamento a toda a população, a economia ganharia mais de R$ 800 bilhões até 2040.

Adicionalmente, os benefícios socioeconômicos provenientes do saneamento são notáveis, totalizando um montante de R$ 1,455 trilhão em todo o país. Desse total, R$ 864 bilhões representam benefícios diretos, incluindo renda gerada por investimentos e atividades correlatas, bem como impostos recolhidos. Outros R$ 591 bilhões decorrem da redução de perdas associadas a fatores externos.

A melhoria nas condições de saúde da população também é um fator-chave. Entre 2021 e 2040, espera-se um ganho econômico da ordem de R$ 25,1 bilhões devido à redução de doenças causadas pela falta de saneamento. Em 2019, aproximadamente 1,7 milhão de brasileiros relataram ter se ausentado de seus empregos devido a problemas de saúde relacionados à ausência de saneamento.

A universalização do saneamento impactará positivamente a produtividade do trabalho, com um aumento estimado de renda da ordem de R$ 438 bilhões, resultando em um ganho anual de quase R$ 22 bilhões. A ausência de saneamento muitas vezes está associada ao atraso escolar, afetando negativamente os indicadores de produtividade. Dados do Enem de 2019 evidenciam que alunos que vivem em condições sem saneamento têm desempenho 10% inferior àqueles com acesso ao serviço. Com a universalização, prevê-se uma queda de 6,2% no atraso escolar, o que impulsionará a escolaridade média dos jovens e impactará positivamente a produtividade e a renda do trabalho.

Por fim, não podemos ignorar os ganhos para proprietários de imóveis, que poderiam totalizar R$ 48 bilhões entre 2021 e 2040. Além disso, o setor de saneamento contribuiria significativamente para a arrecadação de impostos sobre consumo e produção, estimada em R$ 44,5 bilhões no período de 2021 a 2040.

É importante notar que o tratamento de água e esgoto também consome uma parcela significativa de energia, cerca de 3% da energia total. Portanto, o saneamento não deve ser apenas considerado como um custo, mas também como uma oportunidade para a produção de energia voltada ao seu próprio funcionamento e sustentabilidade.

Algumas iniciativas já começam a serem vistas, por exemplo, no estado americano de Oregon, a empresa responsável pela gestão do saneamento implementou uma inovadora solução para a geração de energia. Esta abordagem envolve a instalação de turbinas nos encanamentos que conduzem a água até os consumidores. Embora o sistema seja notável por sua simplicidade e eficácia, é importante observar que ele requer condições específicas, como a presença de uma força gravitacional adequada, para operar com sucesso.

A metodologia desenvolvida pela empresa LucidEnergy é engenhosa em sua concepção. Ela detecta o fluxo da água dentro dos encanamentos e transforma esse movimento em energia elétrica. Essa eletricidade gerada é, então, integrada à rede elétrica da cidade, proporcionando uma fonte de energia limpa e sustentável para a comunidade.

Essa abordagem inovadora demonstra como a criatividade e a engenhosidade podem ser aplicadas em setores tradicionais, como o saneamento, para criar soluções energéticas ambientalmente amigáveis

Esse projeto destaca a importância de explorar novas tecnologias e métodos para atender às crescentes demandas energéticas de forma responsável e ecológica. Além disso, ele serve como um exemplo inspirador de como a inovação pode ser aplicada em diversos setores para promover a sustentabilidade e a conservação dos recursos naturais.

Em resumo, o saneamento básico é um elemento vital para a qualidade de vida, saúde pública e desenvolvimento econômico. É uma ferramenta eficaz para gerar externalidades positivas que trarão benefícios para toda a coletividade, seja de forma direta ou indireta. Investir em saneamento é investir no futuro, promovendo uma sociedade mais saudável, equitativa e sustentável. Portanto, é fundamental que governos, setor privado e a sociedade como um todo se unam para enfrentar esse desafio urgente e construir um Brasil mais saudável e próspero.

 

Colunista

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Pedro Carvalho
Advogado e Professor Universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Sócio do Carvalho, Machado e Timm Advogados, liderando a área de Regulação, Infraestrutura, Energia e Sustentabilidade. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.

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