Razão de decidirTRT

O sobrestamento dos processos pendentes na sistemática dos recursos repetitivos

Por Érika Soares Catão*

O microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios instituído pelo CPC envolve uma série de regras destinadas a assegurar a observância dos precedentes a que alude o art. 927.

Uma dessas regras se encontra no artigo 982 do diploma processual, o qual prevê que, uma vez admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, o relator suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou Região.

A lógica do dispositivo é, evidentemente, preservar a segurança jurídica das relações que são objeto do incidente.

Considerando o imperativo de observância obrigatória de um precedente de natureza vinculante, a superveniência do julgamento de recurso afetado ao julgamento repetitivo  repercutirá nos casos em que tenha havido julgamento contrário à tese fixada por ocasião do IRDR, dele cabendo, por exemplo, reclamação para preservação da autoridade do que foi decidido na sistemática do recurso repetitivo.

É essa a razão que justifica a redação do inciso I do art. 982, retirando do relator qualquer espectro de discricionariedade a respeito do sobrestamento. A norma é imperativa e somente admite relativização quando demonstrada a distinção entre o caso sobrestado e o afetado ao julgamento repetitivo, hipótese em que é ônus da parte pleitear a distinção, conforme a norma do art. 1.037, § 9°, do CPC. Tal relativização é realizada a posteriori, isto é, uma vez admitido o incidente, nas exatas palavras do CPC, o relator deve proferir o comando do sobrestamento, não cabendo ao relator qualquer relativização.

Mas, como é de conflito que vive o direito, o que foi criado com o propósito de preservação da segurança jurídica pode resultar justamente em grave insegurança jurídica. É o que acontece nas hipóteses de cumulação de pedidos, prevista no art. 327 do CPC, bastante comum às demandas trabalhistas. Havendo cumulação de pedidos, a doutrina sugere que se fracione o processo, somente sobrestando o capítulo que será objeto de julgamento repetitivo, prosseguindo-se no exame das demais matérias, adotando-se, para tanto, o procedimento do julgamento parcial de mérito.

É assim que se posiciona Élisson Miessa, em seu Manual dos Recursos Trabalhistas (3. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018).

Assim como na hipótese de cumulação de pedidos, não se recomenda o sobrestamento de todos os temas de uma demanda afetada à sistemática de recurso repetitivo apenas para definição de tema de natureza acessória.

A hipótese abstrata encontra realização concreta no âmbito do TRT da Sexta Região, em que admitido Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva com o intento de pacificar internamente a controvérsia relativa à aplicação do art. 840, § 1°, da CLT que  dispõe que o pedido formulado na peça inicial “deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor“, sob pena de extinção sem resolução do mérito.

A numerosa repetição de processos controvertendo a questão sobre a aplicabilidade da norma do art,. 840, § 1°, da CLT justificou a instauração de incidente de resolução de demanda repetitiva sobre a questão de direito: a indicação de valores determinada pela norma da CLT vincula o julgador, nos termos dos artigos 149 e 492 do CPC ou os valores indicados são meramente estimativos?

A par da controvérsia jurídica que justificou a afetação de recurso para julgamento na sistemática do recurso repetitivo, cumpre refletir sobre o comando de sobrestamento contido no art. 982, inciso I, do CPC e a extensão que lhe deve ser dada, considerando que a controvérsia jurídica não é autônoma para um capítulo da decisão, mas é acessória a cumulação subjetiva de demandas trabalhistas como um todo.

A solução mais adequada parece-nos ser, à semelhança do que sugere Élisson Miessa para o caso de cumulação de demandas, o sobrestamento limitado à controvérsia afetada à sistemática do recurso repetitivo.

Curiosamente, tal solução foi adotada por esse mesmo regional, por ocasião do julgamento da definição da constitucionalidade da taxa TR como critério de correção monetária.

Enquanto o Supremo Tribunal Federal não resolvia em definitivo a questão constitucional, nesse caso, o atual  Vice-Presidente do Tribunal Regional da Sexta Região, Sergio Torres Teixeira, já adotara a posição vanguardista, sem se furtar à inevitável determinação de sobrestamento promovida pelo relator Ministro Gilmar Mendes. Nos processos submetidos à sua relatoria, o Desembargador assim decidia:

Tratando-se de unidade autônoma da decisão, o índice de correção monetária é capitulo da sentença, passível de suspensão, sem prejuízo da continuidade dos demais capítulos da decisão.

Justamente por se tratar de questão acessória, ainda que, por força do art. 491 do CPC, essencialmente integrante da decisão, em observância à determinação do STF na ADC MC 58 e 59, fica suspenso o julgamento da controvérsia do pedido de aplicação da TR (Taxa Referencial) aos créditos reconhecidos nesta ação), na forma do art. 39 da Lei n° 8.177/1991, dando-se continuidade à marcha processual quanto ao que não foi objeto de sobrestamento.

(…)

Cumpre ressaltar que a adequação da matéria controvertida ao que for decidido pelo STF nas ADC’s 58 e 59, com a adoção de solução definitiva a respeito do índice de correção monetária deverá ser realizada pelo Juízo competente para julgamento das matérias que não foram objeto de sobrestamento. Assim, fica esclarecido que, uma vez julgado em definitiva a questão, a matéria será adequada pelo Juízo onde se encontrar o processo, sem a necessidade de retorno a este órgão julgador ou qualquer outro, sob pena de afronta à segurança jurídica, assim como a celeridade processual. (Processo: EDCiv – 0001031-08.2018.5.06.0010, Redator: Sergio Torres Teixeira, Data de julgamento: 28/10/2020, Primeira Turma, Data da assinatura: 29/10/2020).

Como dito e, ainda que não haja previsão particularizada no CPC do sobrestamento na cumulação subjetiva de demandas, o imperativo sobrestamento que advém da norma do art. 982, inciso I, do CPC deve ser compatibilizado ao princípio da segurança jurídica, cindindo o julgamento, para que prossiga o exame da matéria que não foi afetada.

 

*Assessora Chefe do Gabinete da Desembargadora Ana Claudia Petruccelli de Lima.

 

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  1. Excelente análise!

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