Prós e contras da cláusula arbitral excludente das Tutelas de Urgência
No momento de formação do vínculo contratual, quando as partes contratantes optam pela submissão da solução de seus litígios ao juízo arbitral, pouca atenção normalmente é dispensada à definição da competência para apreciação das tutelas de urgência.
Em algumas convenções de arbitragem, contudo, encontram-se ressalvas expressas quanto às tutelas de urgência, no sentido de deixar a cargo do Poder Judiciário a apreciação destas e, por vezes, até mesmo das medidas cautelares em geral.
Embora a Lei da Arbitragem seja clara ao dispor que cabe ao árbitro ou Tribunal Arbitral “manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário” (art. 22-B, caput), bem como que, após a instituição da arbitragem, “a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros” (parágrafo único, do mesmo dispositivo), exigindo a anterioridade e excepcionalidade da atuação judicial, as partes, no exercício de suas vontades, e na medida em que voluntariamente optam pela submissão de seus litígios à arbitragem, podem, igualmente, decidir retirar totalmente da instância privada a competência para apreciação das tutelas de urgência, deixando-as a cargo da justiça estatal em caráter definitivo.
Dessa forma, calcados na autonomia da vontade, os contratantes poderão, em cláusula ou compromisso arbitral, eleger o juízo arbitral como único competente para resolução das eventuais controvérsias futuras, mas ressalvar, explícita e especificamente, que nas tutelas de urgência o árbitro ou Tribunal Arbitral não poderão atuar, ficando a estes últimos reservada apenas a condução do procedimento e apreciação de mérito das questões controvertidas.
Em suma, portanto, a Lei já resguarda a possibilidade de apreciação de tutelas de urgência prévias pelo Poder Judiciário, sempre antes da instauração do procedimento arbitral, e ressalva que tais medidas estarão sempre submetidas à ratificação, ou não, do árbitro ou Tribunal Arbitral. As partes, contudo, podem, se assim desejarem, limitar o poder do árbitro ou Tribunal Arbitral, ao deixarem eventuais tutelas de urgência – antecedentes ou incidentais – para apreciação exclusiva do Poder Judiciário.
Nosso objetivo, neste artigo, é estabelecer os prós e os contras de ambas as possibilidades, a fim de orientar o operador do direito, da forma mais pragmática possível, a avaliar, nos seus casos concretos, se a melhor estratégia consistirá na manutenção das disposições legais já aplicáveis – mantendo-se, ao eleger a arbitragem como modo de solução das controvérsias, o juízo arbitral como detentor do poder-dever decisório quanto às tutelas de urgência, exceto, de modo precário, aquelas requeridas antes e até o momento da instauração da arbitragem – ou se se afigurará mais adequada a exclusão da competência arbitral para eventuais tutelas de urgência (a qualquer tempo, e em caráter não precário, antes da prolação da sentença arbitral).
Benefícios da escolha do Poder Judiciário para apreciação das tutelas de urgência.
Havendo verdadeiro risco de perecimento do direito, a situação de urgência reclama, sem dúvidas, intervenção imediata, o que significa não apenas decidir, mas também fazer cumprir.
Neste passo, a concessão da medida de urgência pelo Poder Judiciário já carreia, automaticamente, um cunho executivo-coercitivo, posto que é exclusivamente do Poder Judiciário que emanam, em quaisquer hipóteses – inclusive nas arbitragens – as medidas coercitivas voltadas ao cumprimento das decisões.
A concessão da tutela de urgência pelo juízo arbitral acaba, via de regra, dependendo da atuação da coercitividade, a fazer esta “dependência” do Poder Judiciário cedo ou tarde se revelar.
Assim, é clara a vantagem das medidas de urgência no âmbito do juízo estatal, dada a maior eficácia de seu cumprimento, posto que as medidas de coerção, se já não devidamente fixadas, gozarão da natural celeridade por estarem sendo requeridas, emitidas e executadas pelo mesmo órgão judiciário, assim como os mandados serão expedidos e cumpridos de modo ininterrupto, e eventual descumprimento já encontrará, naquela mesma autoridade, todas as qualidades legais para tomada das medidas processuais mais gravosas aptas a constranger o destinatário da obrigação e assim assegurar o resultado prático equivalente.
Outro aspecto relevante que advoga a favor da exclusão da autoridade arbitral para atuar nas eventuais medidas de em litígios sujeitos à arbitragem diz respeito à disponibilidade do Poder Judiciário, em comparação com o juízo arbitral.
Corolário da garantia fundamental inscrita no inciso XXXV, do art. 5º da Constituição Federal (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), a Lei Processual Civil assegura a ininterrupção da atividade judiciária nos casos que reclamem urgência:
Art. 214. Durante as férias forenses e nos feriados, não se praticarão atos processuais, excetuando-se:
(…)
II – a tutela de urgência.
Dificilmente, pois, se encontrará no árbitro ou Tribunal Arbitral igual ou aproximada disponibilidade, o que confere inegável vantagem àqueles que decidirem por ressalvar as tutelas de urgência nas convenções arbitrais.
Aliás, a excepcionalidade de diversas situações que se apresentam na prática dos Tribunais Arbitrais já levou a própria jurisprudência a admitir, em casos excepcionalíssimos e sempre resguardando a palavra final do árbitro ou Tribunal Arbitral, a possibilidade de concessão de tutelas de urgência pelo Poder Judiciário não apenas previamente à instauração do procedimento arbitral (hipótese prevista expressamente no art. 22-B, da Lei da Arbitragem, conforme citado acima), mas também em seu curso (incidentais), quando, justamente, a disponibilidade do Poder Judiciário for a única capaz de atender a urgência apresentada, evitando o perecimento do direito:
“4. Em situações nas quais o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar, desatende-se provisoriamente as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela cautelar ao juízo estatal; mas essa competência é precária e não se prorroga, subsistindo apenas para a análise do pedido liminar.” (Superior Tribunal de Justiça, Acórdão unânime da Terceira Turma nos autos do Recurso Especial nº 1.297.974; Relatora: Ministra Nancy Andrighi)
Destaque-se que, antecedente ou incidental (estas últimas excepcionalíssimas, conforme visto), as tutelas de urgência concedidas pelo Poder Judiciário sem a “autorização” das partes na convenção arbitral terão sempre eficácia precária, posto que dependentes da ratificação pelo juízo arbitral.
É justamente a não-precariedade que distinguirá, portanto, as decisões proferidas quando as partes, por manifestação de vontade na convenção arbitral, resolverem excluir da competência do juízo arbitral a apreciação das tutelas de urgência.
Benefícios da escolha (manutenção) do juízo arbitral para apreciação das tutelas de urgência.
O primeiro e claro benefício da manutenção do juízo arbitral como competente para decidir, em última análise, as medidas urgentes é não se criar conflito de entendimento entre a decisão judicial de urgência e o árbitro ou Tribunal arbitral competente para julgar o caso.
Não só o potencial de entendimentos conflitantes surgirem, mas também o desconforto causado no Julgador merece consideração, na medida em que a decisão do Poder Judiciário terá que ser mantida até que se conclua o procedimento arbitral.
Não bastasse, se a tutela provisória de urgência não for redirecionada ao crivo do juízo arbitral, o caminho natural será o da interposição dos recursos cabíveis pela parte prejudicada, inclusive até as instâncias superiores, o que, pelo potencial de demora em sua apreciação, trará mais insegurança jurídica ao procedimento arbitral, porque não se terá o controle de quando nem do que pode ser decidido pelo Poder Judiciário enquanto este não estiver encerrado.
Outra linha argumentativa que milita a favor da não modificação da previsão legal atinente ao regramento das tutelas de urgência nas arbitragens é a concernente à possibilidade de ocorrer um conflito de competência entre o juízo arbitral e o juízo estatal (de competência do Superior Tribunal de Justiça, conforme artigo 105, I, d, da Constituição Federal), o que, também devido a possível demora no julgamento acabará neutralizando toda a efetividade, celeridade e demais qualidades inerentes às arbitragens.
A possibilidade de ocorrência deste conflito de competência decorre da interpretação (minoritária, porém existente) de que somente a tutela de urgência prévia teria cabimento quando as partes elegem a arbitragem, e sempre de forma precária, embora haja, como visto, autonomia das partes para estipular as regras do procedimento.
Vale, entretanto, novamente sublinhar que este entendimento, restritivo e que não prestigia a autonomia da vontade, contrasta com o majoritário entendimento doutrinário de que às partes é dado ressalvar as tutelas de urgência, ou mesmo as medidas cautelares, à exclusiva apreciação do Poder Judiciário.
Conclusão.
O intento deste trabalho, reforce-se derradeiramente, não é defender uma ou outra opção, mas, a partir de uma análise comparativa entre os prós e contras de cada possibilidade – ressalvar ou não, nas convenções arbitrais, a competência do juízo estatal para apreciar as tutelas de urgência – proporcionar ao operador uma visão dotada das principais consequências de ordem prática que poderão se observar ao longo do processo, facilitando a decisão entre uma ou outra escolha, sempre em conformidade com as circunstâncias do caso concreto.