Razão de decidirTJMG

Suspeições genéricas e a possível ilegalidade da busca pessoal

Conforme se depreende dos artigos 240, § 2º, e 244, do Código de Processo Penal, a busca pessoal de natureza processual penal é um meio de obtenção de prova que pode ser utilizado independentemente de autorização judicial, desde que exista fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos que constituam corpo de delito. Isso porque “há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto que constitua corpo de delito de uma infração penal” (STJ, RHC nº 158.580/BA, Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em: 19/04/2022; p. 17).

Portanto, é necessário que o elemento “fundada suspeita de posse de corpo de delito” seja aferido com base nos dados que se havia antes da diligência, tornando-se ilegal a busca realizada a partir de suspeitas genéricas, ainda que se constate eventual situação de flagrância após a busca pessoal.

Sobre a temática, o eminente Ministro Rogerio Schietti Cruz, ao julgar o RHC nº 158.580/BA, destacou a necessidade de se exigir elementos sólidos, objetivos e concretos para a realização da busca pessoal, se baseia, especialmente, em:

“[…] a) evitar o uso excesso desse expediente e, por consequência, a restrição desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X, da Constituição Federal), porquanto, além de se tratar de conduta invasiva e constrangedora – mesmo se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre ocorre –, também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes. Não por outra razão, a medida é chamada no direito norte-americano de stop (parada) and frisk (revista);

b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto possa ser contrastada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade controlada a posteriori por um terceiro imparcial (Poder Judiciário), o que se inviabiliza quando a medida tem por base apenas aspectos subjetivos, intangíveis e não demonstráveis;

c) evitar a repetição – ainda que nem sempre consciente – de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilhamento racial (racial profiling), reflexo direto do racismo estrutural, sobre os quais convém tecer considerações mais aprofundadas. […]” (STJ, RHC nº 158.580/BA, Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em: 19/04/2022; p. 18-19).

 

Cumpre ressaltar que a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, ao analisar o caso “Fernández Prieto & Tumbeiro v. Argentina”, entendeu que a abordagem policial baseada apenas em parâmetros subjetivos viola o artigo 7.3 do Pacto de San Jose da Costa Rica, que dispõe que “Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. […]”.

Diante disso, a 3ª Câmara Criminal, ao julgar o recurso de Apelação nº 1.0000.23.264498-9/001, entendeu, in verbis:

 

Ementa: Apelação criminal. Tráfico de substâncias entorpecentes. Busca pessoal e domiciliar. Existência de justo motivo. Flagrante delito de crime permanente. Nulidade das provas. Inocorrência. Não esclarecimento sobre o direito constitucional ao silêncio. Prejuízo não demonstrado. Absolvição. Impossibilidade. Depoimento de agentes policiais. Credibilidade. Condenação mantida – Havendo elementos seguros a legitimar a ação policial, avaliados pela cautela de seus agentes na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de crime, justificadas encontram-se a abordagem e a busca pessoal no suspeito, bem ainda a subsequente busca domiciliar decorrente da apreensão de significativa quantidade de drogas na posse do agente, não havendo falar-se em ilicitude da prova derivada dessa ação. – Sem comprovação do efetivo prejuízo para a acusação ou a defesa não se reconhece a nulidade, ainda que inobservada alguma formalidade processual, nos termos do que dispõe o art. 563 do CPP. – Eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo. – Demonstradas a materialidade e a autoria do delito de tráfico de drogas, porquanto o apelante fora abordado na posse de expressiva quantidade de drogas ilícitas, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, em circunstância típica da traficância, a condenação é medida que se impõe. – Ao testemunho de agentes policiais deve ser conferida a mesma credibilidade que ao depoimento de qualquer testemunha, ante a presunção de idoneidade moral de que gozam, salvo prova em contrário, apresentando-se suas palavras aptas à formação de um juízo de censurabilidade penal em desfavor da agente, sobretudo se a defesa não conseguiu demonstrar a imprestabilidade da prova colhida em juízo (TJMG – Apelação criminal 1.0000.23.264498-9/001, Relator: Des. Fortuna Grion, 3ª Câmara Criminal, j. em 28.02.2024, p. em 29.02.2024).

 

O eminente relator entendeu que a justa causa para a abordagem decorreu do fato de que “os policiais receberam informações sobre a prática do tráfico de drogas em determinado local, sendo que a delatio criminis inqualificada apontava os réus como os responsáveis pela atividade ilícita”, ou seja, a “informação anônima recebida pelos militares […] especificava as pessoas que estariam a exercer o tráfico de drogas, indicando ainda o local onde o tráfico era praticado, sendo o réu visualizado no momento em que deixava o imóvel, apontado como ponto de venda de drogas […]” (TJMG – Apelação criminal 1.0000.23.264498-9/001, Relator: Des. Fortuna Grion, 3ª Câmara Criminal, j. em 28.02.2024, p. em 29.02.2024).

Assim, no caso dos autos houve situação fática emergencial a justificar a abordagem ao acusado, inexistindo ilegalidade no ato policial, que estava em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

 

Decisão: TJMG – Apelação criminal 1.0000.23.264498-9/001, Relator: Des. Fortuna Grion, 3ª Câmara Criminal, j. em 28.02.2024, p. em 29.02.2024.

 

Link de acesso: https://www8.tjmg.jus.br/themis/baixaDocumento.do?tipo=1&numeroVerificador=100002326449890012024433390

Colunista

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Brenda Nascimento
Mestranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Ciências Criminais. Graduada em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Assistente Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).

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