A implementação do Sistema Interamericano por meio dos mecanismos nacionais
Os países partes do Sistema Interamericano estão promovendo, gradualmente, a instrumentalização de mecanismos nacionais, buscando a implementação das decisões da Comissão e Corte Interamericanas. Tal fato é por si só um indicador da crescente intensidade do diálogo entre o sistema nacional e os sistemas global e regional interamericano, em prol da proteção dos direitos humanos. De igual modo, reflete o dever convencional de harmonização e a observância da competência jurisdicional da Corte IDH soberana e expressamente reconhecida pelos Estados.
Contudo, é essencial avançar no fortalecimento de mecanismos nacionais capazes de fomentar maior grau de implementação e impacto das decisões internacionais em direitos humanos, com especial destaque às decisões do Sistema Interamericano e ao seu impacto transformador.
Um eficaz mecanismo nacional de implementação das decisões do Sistema Interamericano pode desempenhar um papel crucial para o fortalecimento do sistema nacional de proteção dos direitos humanos, bem como para a maior efetividade da justiça interamericana.
Como leciona Antônio Augusto Cançado Trindade: “O futuro do sistema internacional de proteção dos direitos humanos está condicionado aos mecanismos nacionais de implementação”[1].
Considerando que o Sistema Interamericano apresenta como dimensões essenciais a centralidade das vítimas; os estândares interamericanos; e o instituto da reparação integral (que, ao compreender as garantias de não repetição, tem a potencialidade de fomentar transformações estruturais), faz-se necessário realçar que a implementação de suas decisões envolve um processo dinâmico, aberto, plural, multidimensional, no qual interagem diversos atores sociais.
É neste contexto, que um potente mecanismo nacional de implementação pode oferecer uma extraordinária contribuição para fortalecer o impacto transformador do Sistema Interamericano, ao fomentar diálogos interinstitucionais visando à implementação de suas decisões.
Nesse sentido, com a finalidade de delinear parâmetros para a criação de mecanismos nacionais de implementação das decisões do Sistema Interamericano de proteção aos direitos humanos, são propostas 7 (sete) diretrizes básicas:
- centralidade das vítimas
Os mecanismos nacionais devem ter por centralidade as vítimas, a proteção de sua dignidade e a prevenção de seu sofrimento. Não podem promover a revitimização. Devem garantir o respeito às vítimas e seus familiares em um processo claro, justo e efetivo de implementação, com total respeito à dignidade humana.
- participação
Devem garantir espaços de participação às vítimas, seus familiares e da sociedade civil. Devem assegurar às vítimas e aos seus familiares a participação e o monitoramento em todo o processo de cumprimento das recomendações e sentenças.
- diálogo, articulação e coordenação interinstitucional
Devem fomentar espaços de diálogo visando a articulação e a coordenação interinstitucional entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e, se for o caso, no âmbito federativo, para o cumprimento das decisões internacionais. É fundamental conferir validade, eficácia e efeito imediato e direto às decisões do Sistema Interamericano, removendo obstáculos ao seu cumprimento e conferindo efetividade à justiça interamericana[2].
- planos de ação de cumprimento
Devem, ademais, adotar a metodologia de planos de ação para o cumprimento das decisões do Sistema Interamericano, com a identificação dos órgãos responsáveis, das medidas a serem desenvolvidas, bem como do cronograma de trabalho. Isto é, os planos de cumprimento devem com clareza identificar os responsáveis, as metas e prazos a serem seguidos, prevendo, se possível, reuniões e painéis de seguimento[3].
5) transparência e publicidade
Devem adotar os princípios da transparência e da publicidade, mediante a elaboração de informes públicos periódicos revelando as medidas adotadas em cumprimento da decisão. Há que se garantir acesso público às informações relativas ao modo pelo qual o Estado está a cumprir com seus deveres convencionais de proteção aos direitos humanos.
- perenidade
Devem ser mecanismos sólidos, permanentes e perenes, não desativados nas mudanças de governo, ou seja, devem ser entendidos como mecanismos de Estado e não de governo. Devem expressar o compromisso do Estado e a sua boa-fé em relação às obrigações internacionais em direitos humanos.
- avaliação do impacto transformador
Por fim, para além de fomentar o cumprimento das decisões, no sentido de fortalecer a efetividade da justiça interamericana, devem, ainda, contar com avaliação do impacto transformador do Sistema Interamericano em impulsionar mudanças estruturais em marcos normativos e políticas públicas, à luz do instituto da reparação integral e sobretudo das garantias de não repetição. Devem, ademais, fomentar a cultura do controle de convencionalidade, a fim de que todos os agentes públicos nacionais sejam também agentes públicos interamericanos nas esferas dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, traduzindo esta profunda mudança cultural e efetiva garantia de não repetição.
Para Anne-Marie Slaugther, o futuro do Direito Internacional é o Direito Nacional[4]. De igual modo, pode-se ressaltar que o futuro do Direito Nacional é o Direito Internacional.
Os mecanismos nacionais de implementação simbolizam a intensidade deste diálogo nacional-regional-global, por meio da interação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Interno, visando a fortalecer a efetividade da justiça interamericana e de seu mandato transformador, sempre tendo por centralidade as vítimas, com a vocação de proteger direitos e transformar realidades[5].
Notas e Referências:
[1] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado; ROBLES, Manuel E. Ventura. El futuro de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. 2. ed. rev. e atual., San José/Costa Rica: Corte Interamericana de Direitos Humanos e UNHCR, 2004, p. 91.
[2] BURGOS, Marcos José Miranda. La ejecución de sentencias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en el ordenamiento jurídico interno. p. 156. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/tablas/r34021.pdf.
[3] CORASANITI, Vittorio. Implementación de las sentencias y resoluciones de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: un debate necesario. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/tablas/r24576.pdf.
[4] SLAUGHTER, Anne-Marie. The Future of International Law is Domestic, 2006.
[5] Agradecimento a Professora Drª Flávia Piovesan por suas contribuições neste estudo.