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Consulta Pública ANM n. 01/2022 e a Rotulagem de Água Mineral e Potável de Mesa.

Por meio do Aviso de Abertura de Consulta Pública n. 01/2022 da Agência Nacional de Mineração (ANM), instaurou-se o prazo de 60 dias[1] para que fossem encaminhadas contribuições à minuta de resolução do tema “atualização da Portaria nº 374/2009 e Regulamento Técnico – Água Mineral: rotulagem de água mineral e potável de mesa”, constante no Eixo Temático 5 da Agenda Regulatória ANM 2020/2021.

A Portaria n. 374/2009, do então DNPM, aprova a Norma Técnica que dispõe sobre as Especificações Técnicas para o Aproveitamento de água mineral, termal, gasosa, potável de mesa, destinadas ao envase, como ingrediente para o preparo de bebidas em geral ou ainda destinada para fins balneários, em todo o território nacional. Em seu texto, o item 6 trata do rótulo do envase da água mineral, colocando-o como condição para o início das atividades:

6. INÍCIO DA ATIVIDADE DE APROVEITAMENTO DA ÁGUA MINERAL

Após a publicação da Portaria de Lavra, a concessionária somente poderá iniciar as atividades de produção tendo sido atendidas as seguintes condições: aprovação do rótulo pelo DNPM; registro na ANVISA/MS; parecer conclusivo de técnico do DNPM atestando que as instalações industriais estão de acordo com o Plano de Aproveitamento Econômico – PAE aprovado; e apresentação do laudo conclusivo da qualidade microbiológica do produto final envasado (amostra coletada pelo laboratório responsável pela análise ou por técnico do DNPM).

Pela Portaria Interministerial n. 805, de 06 de junho de 1978, do Ministério da Saúde e do Ministério de Minas e Energia, ainda em vigência, ficou convencionado que o registro das águas minerais estaria condicionado à apresentação de modelo de rótulo previamente aprovado pelo então DNPM.

O modelo de rótulo, na verdade, é especificado na Portaria MME n. 470, de 24 de setembro de 1999, onde lá estão os requisitos para a etiqueta. Esta Portaria está baseada no artigo 29 do Código de Águas Minerais (Decreto-Lei n. 7.841, de 08 de agosto de 1945) que cria o rótulo padrão sujeito à aprovação do D.N.P.M.

Antes de adentrarmos na análise sobre o teor da minuta proposta pela ANM, é importante fazermos a seguinte reflexão: a ANM é a autarquia competente para regulamentar o rótulo das águas minerais e potáveis para consumo?

De acordo com a Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ficou estabelecido que compete a esta Autarquia[2] regulamentar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, dentre eles alimentos, inclusive águas envasadas. Pela Lei n. 13.575, de 26/12/2017, foi criada a ANM, onde não consta qualquer atribuição para que esta Agência regule sobre o rótulo dos envases de água mineral ou potável do ponto de vista de alimento para consumo.

A água mineral para consumo humano é considerada alimento pelo Codex Alimentarius (Codex Stan 108). Este Código, objeto de programa conjunto FAO/OMS sobre normas alimentares, possui como objetivo: “proteger a saúde dos consumidores e assegurar práticas equitativas no comércio dos alimentos e promover a coordenação de todos os trabalhos sobre normas alimentícias empreendidas pelas organizações governamentais internacionais e não governamentais)”.

Tanto no artigo 29 do Código de Águas Minerais, quanto na Portaria MME n. 470/1999 e, assim como, na minuta apresentada pela ANM, vê-se que as informações previstas para rótulo de envase das águas minerais e potáveis de mesa consistem em dados sobre as propriedades da água e data de envase, o que revela a preocupação com a saúde dos consumidores.

Por sua vez, a Resolução RDC n. 173, de 13 de setembro de 2006, e a RDC Nº 259, de 20 de setembro de 2002, ambas da ANVISA, versam, respectivamente, a respeito de Boas Práticas para Industrialização e Comercialização de Água Mineral Natural e de Água Natural e Rotulagem de Alimentos Embalados.

Considerando a adoção da regulação setorial no Brasil, é de se entender que o artigo 29 do Código de Águas foi revogado, isso porque os requisitos de qualquer rótulo de alimento devem ser designados pela autarquia competente para a vigilância sanitária.

Ultrapassado esse ponto, passemos a averiguar o teor da minuta e seus reflexos no setor de águas envasadas para consumo humano, em especial, no que se refere à regulação do setor e aos reflexos no direito do consumidor (direito fundamental – artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal).

No Relatório de Análise de Impacto Regulatório[3] (AIR), para a atualização da Portaria MME n. 374/2009, afirma-se que o problema regulatório é: “a demanda crescente de solicitações de análise e aprovação de rótulos, tendo cada vez mais evidenciado que esse trâmite é moroso e revestido de excessiva burocracia, retardando a implementação de ações pelos empreendedores.” Neste documento, consta que apenas 25% dos requerimentos de novos e/ou alteração de rótulos tramitaram por mais de 37 dias até sua aprovação. Esse período encontra-se dentro do prazo previsto no artigo 49 da Lei n. 9.784/1999[4], que é de trinta dias, sujeito a prorrogação, por idêntico período.

Como causas dessa morosidade, o citado Relatório aponta as exigências formuladas pela ANM ao particular, para adequação dos modelos de rótulos às normas vigentes (diligências), a grande quantidade de requerimentos para aprovação de rótulos e o excesso de burocracia, caracterizado pelas etapas procedimentais, variação de entendimentos e tempo de análise pelas unidades regionais da ANM e quadro reduzido de servidores, inclusive os capacitados para o tema, dentre outras situações.

No Relatório de AIR, seis alternativas foram propostas como solução para o indicado problema regulatório: 1) manutenção do status quo; 2) análise automatizada dos rótulos por meio de ferramenta informatizada; 3) aprovação tácita; 4) submissão de rótulo padrão à aprovação; 5) criação de rótulo padrão; e 6) aperfeiçoamento da regulamentação de rotulagem.

Dessas sugestões, a primeira foi prontamente descartada. As sugestões 2, 3, 4 e 5 foram refutadas com o argumento de que até poderiam solucionar a morosidade do processo, entretanto não teriam eficácia sobre a rigidez da relação de informações obrigatórias a constar no rótulo, que seria a causa-raiz da propalada morosidade. Daí, já se vê um problema de lógica pois as alternativas podem solucionar tal atraso, e não solucionam a causa-raiz desta lentidão. Cabe registrar que a minuta ao invés de retirar dados do rótulo padrão, acrescentou.

A sexta sugestão, escolhida como alternativa viável, prevê a possibilidade de dispensar o minerador da apresentação do rótulo, permitindo ainda que sejam omitidas algumas informações, até então obrigatórias, desde que estas sejam disponibilizadas ao consumidor em meios alternativos como, por exemplo, em sítio eletrônico, conforme prevê o artigo 4º da minuta[5].

Ocorre que as informações passíveis de serem suprimidas do rótulo, como a classificação da água e o endereço da fonte, fragilizam o produto água mineral como mercadoria, comprometem a concorrência do mercado de águas para consumo humano e podem confundir o consumidor. A supressão de informações pode facilitar o surgimento de situações em que o comprador não saberá, ou não terá acesso, no momento da aquisição, a qual tipo especificamente de água ele está adquirindo (água mineral, água potável adicionada de sais ou água purificada).

No que toca ao direito do consumidor, a Política Nacional das Relações de Consumo (Lei n. 8.078/1990) tem como objetivos a proteção à saúde do consumidor, o atendimento das necessidades dos consumidores e a transparência e harmonia das relações de consumo. Além disso, a Lei consumerista prevê como direito do consumidor a informação adequada e clara sobre dos produtos, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

A disponibilização em sítio eletrônico distancia o consumidor sem acesso à internet, de informações que podem ser importantes para a sua saúde, como, por exemplo, identificar se a água vendida é bicarbonatada, alcalino-bicarbonatada, alcalino-cabornatada, sulfatada, fluoretada (etc.), no ato da compra. A burocracia para deliberar sobre o rótulo é fruto da falta de estrutura da Agência (sem concurso há mais de 10 anos) e não pode ser levado em conta em detrimento à segurança alimentar do consumidor.

A solução criada pela ANM, além de não evitar a alegada morosidade do procedimento de aprovação do rótulo e prejudicar os interesses dos consumidores, retira da etiqueta informações relevantes que influenciam na competitividade do setor.

Com esta alteração pretendida pela ANM, empresas que não atuam propriamente com água mineral, mas que possuem maior capilaridade de distribuição, terão vantagens no mercado sobretudo em relação aos pequenos e médios produtores de água mineral.

Ante ao exposto, a proposta da ANM é incoerente, pois, ao mesmo tempo em que permite a retirada de informações do rótulo, como o endereço da fonte, coloca em evidência a relevância da fonte para o produto água mineral, consoante o artigo 5º da minuta[6].

A proposta, portanto, acaba por ir de encontro com o que é a regulação: uma força de coerência sistêmica que evita contradições internas em determinado sistema[7], dirigida por regras e princípios inscritos e espelhados nos direitos fundamentais[8].

Para resolver o problema da morosidade da aprovação de rótulos, bastaria que a ANM tratasse a água mineral brasileira com a mesma igualdade que dispensa para a água mineral importada, que tem sua autorização de venda no mercado interno deferida tacitamente após 06 meses do requerimento, de acordo com a Resolução n. 22/2020.

Espera-se que a decisão que vier a ser adotada pela ANM proteja a água mineral brasileira que, devido a sua notória qualidade, já foi até mesmo utilizada para o abastecimento dos astronautas na missão espacial da Apollo 11[9].

Dessa maneira, caso se entenda que a ANM é a Agência competente para legislar sobre rótulo de água mineral, deve-se manter a Portaria MME n. 470/1999, incluindo a decisão sobre a rotulagem no rol de atos passíveis de aprovação tácita da Resolução n. 22/2020.

 

Notas e Referências:

[1] Prazo para envio de contribuições de 10/01/2022 até 10/03/2023.

[2] BRASIL. Lei n. 9.782/1999. “Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. § 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência: (…) II – alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;”

[3] Processo SEI n. 48051.005556/2020-75.

[4] BRASIL. Lei n. 9.784/1999. que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

[5] Minuta de Resolução ANM n. 3412893, de 20/12/2021. “Art. 4º É admitido que as informações dos incisos V, VI, XIII, XIV e XV sejam suprimidas da rotulagem, desde que sejam disponibilizadas em outro canal acessível ao consumidor, mediante indicação na rotulagem”. “Art. 2º Constitui o rótulo padrão das águas minerais e potáveis de mesa envasadas: (…) V – identificação do(s) boletim(ns) de análise e data da emissão; VI – classificação da água; XIII – endereço da fonte; XIV – identificação do ato de concessão de lavra (data de publicação no Diário Oficial da União e número da portaria, decreto ou manifesto de mina); XV – número do processo precedido da sigla ANM”.

[6] ANM. Minuta de Resolução ANM n. 3412893, de 20/12/2021. “Art. 5º Cada fonte deve ter uma denominação específica, vedada a utilização de um mesmo nome para identificar fontes distintas compreendidas na mesma área de concessão ou em áreas contíguas do mesmo titular”.

[7] ARANHA. Márcio Iori. Manual de Direito Regulatório: Fundamentos de Direito Regulatório. 4ª ed. London: Laccademia Publishing, 2018, página 31.

[8] Ibidem, página 129.

[9] https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Espaco/noticia/2019/07/agua-que-astronautas-beberam-na-missao-apollo-11-era-do-brasil-conheca-historia.html

Colunista

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Antônio Carlos Tozzo
Mestre em Direito pela UniCeub. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UniSul, em Direito Tributário pela PUC/MG e em Direito Societário pela FGV/SP. Procurador do Município de Maceió e Advogado.

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