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Comentários às Novas Diretrizes do CBAR sobre o Dever de Revelação do Árbitro

REVELAÇÃO EM DEBATE JUDICIAL E LEGISLATIVO

 

As soft laws são regras não vinculantes adotadas em foros internacionais. Trata-se de instituto do direito internacional que corresponde ao processo de criação de um instrumento normativo sem força de lei. São, assim, facultativas.

 

E, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), associação que tem como principal finalidade o estudo da arbitragem no país, é produtor de soft laws consubstanciadas em suas Diretrizes.

 

Neste momento, está aberta consulta pública quanto a sugestões sobre os 11 itens das “Diretrizes do Dever de Revelação do Árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem”.

 

Tais Diretrizes vêm em boa hora, e em contexto de debate judicial (ADPF 1050) e legislativo (PL 3.293/2021) sobre o dever de revelação, sua extensão e as potenciais consequências de seu eventual descumprimento.

 

Como presente na lei de arbitragem, o árbitro tem o dever de atuar com independência e imparcialidade (art. 13, parágrafo sexto). E, o parágrafo segundo do art. 14 da referida lei dispõe que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”. Já, o inciso II do art. 32 da LA possibilita a anulação da sentença arbitral se a decisão “emanou de quem não podia ser árbitro”. Por fim, o inciso VIII dispõe sobre a anulação em caso de violação ao princípio da imparcialidade.

 

Nesse cenário e pautado no instituto de revelação, passam-se aos comentários a cada um dos 11 itens das Diretrizes do CBAr postos em consulta pública.

 

Item 1: As Diretrizes são “destinadas a auxiliar partes, árbitros, advogados, instituições arbitrais, comitês de impugnação e julgadores, antes, durante ou após a arbitragem, no tratamento de questões atinentes ao dever de revelação”.

 

Item 2: “O dever de revelação do árbitro (…) permanece durante todo o curso do processo arbitral, até o esgotamento da jurisdição do árbitro”.

 

Importante destacar que, o árbitro tem o dever de revelar e as partes têm o dever de colaborar para a revelação do árbitro. E, tanto o dever de revelar, como o dever de colaborar, permanecem ativos até o esgotamento da jurisdição arbitral.

 

Item 3: “Eventual falha no exercício do dever de revelação do árbitro não implica, necessariamente, falta de independência ou imparcialidade deste.

 

É sempre bom deixar evidenciado que, o dever de revelação constitui o dever de o árbitro revelar fatos que, aos olhos das partes, poderiam gerar dúvidas justificadas quanto a parcialidade dele.

E, a falha no dever de revelação por parte do árbitro não leva, automaticamente, à configuração da sua parcialidade e, como consequência, à anulação da sentença. Para que haja a configuração de parcialidade, os fatos a serem revelados devem ter o condão de interferir no ato de julgar.

 

Item 4: “O dever de revelação do(a) árbitro(a) está limitado, em princípio, às partes e aos seus advogados na arbitragem, sendo facultado a estas requerer a ampliação da verificação de potenciais conflitos de interesses para abranger outras pessoas, desde que interessadas no conflito. A referida ampliação, caso requerida pelas partes, deverá ocorrer na primeira oportunidade que tiverem de se manifestar, hipótese em que deverão informar, precisamente, os fatos necessários para a verificação ampliada. 4.1 Pode o(a) árbitro(a) solicitar às partes da arbitragem esclarecimentos sobre qual seria a relação ou o interesse de determinada pessoa com o conflito para fins do dever de revelação”.

 

Quanto a este item, um aperfeiçoamento seria benéfico, já que não só as partes têm a faculdade de requerer a mencionada ampliação quando houver dúvida justificada e na primeira oportunidade que tiverem que se manifestar a respeito, bem como o árbitro também deve se manifestar na referida primeira oportunidade. Trata-se de um dever comum às partes e aos árbitros.

 

Item 5: “As partes possuem o dever de colaborar com o(a) árbitro(a) para o correto exercício do dever de revelação deste(a), inclusive por meio da prestação de informações completas, precisas e atualizadas a respeito do conflito, das partes da arbitragem e, eventualmente, das pessoas interessadas no conflito. Este dever permanece durante todo o curso do processo arbitral, até o esgotamento da jurisdição do(a) árbitro(a)”.

 

Mais uma vez, importante frisar que, a parte tem o dever de colaborar com o dever de revelação do árbitro e o árbitro tem o dever de revelar. Esse dever não se restringe à parte. Todos o possuem. E, as informações devem ser precisas, completas e atualizadas, de todos, partes e árbitros.

 

Item 6: “As partes têm o ônus de se informar, podendo realizar pesquisas por conta própria para se assegurar do correto exercício do dever de revelação pelo(a) árbitro(a), desde que o façam por meios lícitos e idôneos, no curso da arbitragem, devendo arguir quaisquer questões relativas à independência ou à imparcialidade do(a) árbitro(a) na primeira oportunidade que tiverem de se manifestar”.

 

Neste ponto, cabe pontuar que as partes têm o direito de se informar e não o ônus de se informar. E, para exercer esse direito, podem realizar pesquisas, mas não só. Podem, por qualquer meio que seja, e, certamente, num Estado Democrático de Direito, através de meios lícitos, colaborar com o dever de revelação. Além disso, a primeira oportunidade não é a primeira oportunidade que tiverem se de manifestar nos autos de forma histórica e cronológica, mas sim na primeira oportunidade que as partes tiverem a informação a ser revelada, ou seja, tão logo tenham ciência da mesma.

 

Item 7: “A parte não poderá arguir – seja durante a arbitragem, seja depois do seu término – questões relativas à independência e imparcialidade do(a) árbitro(a), baseadas em informações reveladas pelo(a) árbitro(a) na arbitragem ou informações públicas e de fácil acesso às partes, se não tiver arguido tais questões na primeira oportunidade que teve de se manifestar na arbitragem, nos termos do art. 20 da Lei de Arbitragem”.

 

Do mesmo modo que no item anterior, a primeira oportunidade não é a primeira oportunidade que tiver se de manifestar nos autos, mas sim na primeira oportunidade que as partes tiverem a informação a ser revelada.  Ademais, o termo “fácil acesso” pode gerar subjetividade. O que é de fácil acesso para uma parte, pode não ser para outra, consequência da habilidade, conhecimento, experiência e informação que cada um tem.

 

Item 8: “Após o esgotamento da jurisdição do(a) árbitro(a), as partes que obtiverem informações sobre fatos que poderiam afetar a independência ou a imparcialidade daquele(a) e que queiram utilizá-las para impugnar a sentença arbitral deverão justificar as razões pelas quais tais informações não foram (ou não puderam ser) obtidas e apresentadas antes, na primeira oportunidade que tiveram de se manifestar na arbitragem, nos termos do art. 20 da Lei de Arbitragem, ressalvados os fatos novos”.

 

A supressão da referência ao art. 20 pode ser salutar, na medida em que tal norma refere-se a revelação no bojo do procedimento arbitral e o item 8 vai além ao tratar da colaboração com o dever de revelar após o esgotamento da jurisdição arbitral.

 

Item 9: “Diretrizes que gozam de ampla aceitação na arbitragem internacional, como, por exemplo, as Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesses na Arbitragem Internacional, são referências úteis e adequadas, podendo ser utilizadas pelas partes, pelos árbitros, pelas instituições arbitrais, por comitês de impugnação e por julgadores, mesmo em arbitragens domésticas, antes, durante ou após a arbitragem, no que couber”.

 

O termo “ampla aceitação na arbitragem internacional” pode gerar subjetividade e imprecisão, de modo que a sua retirada pode gerar mais segurança.

 

Item 10: “As partes e o(a)s árbitro(a)s poderão, de comum acordo, incorporar estas Diretrizes do CBAr sobre o dever de revelação do árbitro e aquelas que gozam de ampla aceitação na arbitragem internacional, às convenções de arbitragem, aos termos de arbitragem, às atas de missão ou, quando negociadas, às Ordens Processuais, mesmo em arbitragens domésticas, bem como modificá-las ou adequá-las às especificidades da arbitragem em questão”.

 

Do mesmo modo, o termo “ampla aceitação na arbitragem internacional” também poderia gerar possível subjetividade. Somado a isto, considerando a incorporação das Diretrizes às convenções arbitrais (cláusulas compromissórias e compromissos), mostra-se desnecessário fazer menção “aos termos de arbitragem, às atas de missão ou, quando negociadas, às Ordens Processuais”.

 

Item 11: “Estas Diretrizes do CBAr sobre o dever de revelação do árbitro não devem ser interpretadas no sentido de que práticas distintas, adotadas antes ou após a sua publicação, configurariam, necessariamente, violação ao dever de revelação ou falta de independência ou imparcialidade do(a) árbitro(a)”.

 

Este item passa a ideia de que a Diretriz não seria vinculante. De fato, como qualquer soft law, as Diretrizes do CBAr não têm caráter cogente. De todo modo, ao serem incorporadas a uma convenção arbitral, passarão a ser de observância obrigatória para as partes que as elegeram e as fizeram constar na convenção arbitral, convenção esta que possui caráter necessariamente vinculante às partes.

 

Em momento em que o dever de revelação está sendo objeto de amplo debate legislativo, judicial e junto aos congressos e encontros de toda ordem da comunidade arbitral, as virtuosas diretrizes do CBAr são muito bem vindas e vêm a agregar, consolidar e sedimentar a segurança jurídica tão necessária à arbitragem. E, como a melhor maneira de fazer uma coisa ainda não foi descoberta, louvável a conduta do CBAr em abrir consulta pública para a colheita de sugestões de aperfeiçoamento pelos arbitralistas.

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Gabriel de Britto Silva
Sócio no RBLR Advogados, com atuação no contencioso estratégico e consultivo cível e imobiliário. Coordenador do núcleo de mediação e arbitragem imobiliária da CAMES. Participante da comissão de arbitragem e da comissão condominial da OAB/RJ e da comissão de arbitragem do IBRADIM. Juiz Leigo por 09 anos - TJ/RJ. Graduação - IBMEC/RJ. Pós - EMERJ.

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