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A complexidade dos contratos de construção e sua recorrência nos procedimentos arbitrais

Um dos temas mais recorrentes – se não o mais habitual – nos tribunais arbitrais é o contrato de construção.

De diferentes tipos e aplicações – empreitadas por preço fixo, por medida ou por preço máximo garantido, EPC (“Engenharia, Gestão de Compras e Construção”), EPC Turn-Key, EPC-M, contratos de aliança, contratos de consultorias variadas, dentre inúmeras outras modalidades e submodalidades – os contratos de construção demandam, de fato, a observância de uma série de características e condições que lhes são peculiares, a fim de que não haja o esvaziamento do pronunciamento arbitral quando as partes resolvem chamar a arbitragem, em decorrência de qualquer desavença havida no curso desses contratos.

Em primeiro lugar, os contratos de construção normalmente são de longa duração, o que demanda das partes um maior controle do progresso da obra ao longo da avença, geralmente feito mediante estabelecimento dos chamados “marcos” ou “milestones” intermediários.

Tais aspectos fazem com que a maioria dos procedimentos arbitrais sejam instaurados no curso do contrato de construção, ou melhor, no curso da construção (execução do projeto), e não depois de seu término, exigindo ainda mais atenção dos árbitros e das partes envolvidas, não só para que o procedimento seja resolvido de forma eficiente e célere, mas também para que não se perca de vista a continuidade da obra e a própria conclusão em si do projeto.

Desse modo, é preciso atenção especial já na confecção da cláusula compromissória, antes de qualquer imaginada desavença. É bastante comum, principalmente nas obras de maior envergadura, a opção pela chamada cláusula compromissória escalonada, que é aquela que determina procedimentos iniciais menos agressivos tais como negociações bilaterais, dispute boards e mediações, tudo antes do chamamento propriamente dito da arbitragem, o que possibilita maior rapidez na solução de desavenças menos profundas, contribuindo para manter a obra em andamento contínuo, sem interrupções desnecessárias, bem como as partes na melhor harmonia possível.

Da mesma forma, por envolverem múltiplas partes (como o dono da obra, o empreiteiro, os subempreiteiros, fornecedores e outros stakeholders), e também diversas etapas (desde o planejamento e projeto até a execução e entrega da obra), as cláusulas contratuais costumam ser bastante específicas, principalmente aquelas relacionadas a prazos, custos, responsabilidades das partes, garantias técnicas, de qualidade e financeiras, segurança no trabalho, entre outros aspectos.

Nesse aspecto, contudo, não raro o uso de contratos padronizados pelas partes – por negligenciarem o aspecto jurídico, tratando-o como mera formalidade inimiga da usual pressa para dar início ao projeto – acaba por deixar sem tratamento adequado algumas questões deveras essenciais para a execução da obra, tais como especificações de materiais, métodos construtivos, normas técnicas e padrões de qualidade.

Tal ausência dificulta enormemente a solução de determinadas desavenças, tendo os advogados e árbitros que se valerem de dispositivos menos específicos da lei civil, bem como recorrerem a postulados e cláusulas gerais, como a boa-fé objetiva, além de critérios de equidade, razoabilidade e proporcionalidade, tudo para sanar as lacunas formadas pelas gritantes divergências entre as disposições contratuais e as condições reais da obra.

No aspecto das disputas propriamente ditas, em geral as querelas entregues à apreciação arbitral são concentradas em conflitos envolvendo preços e/ou prazos. Em qualquer obra, o tempo é fator de enorme relevância, não podendo ser encarado como mero capricho ou praxe contratual. O atraso na execução e entrega da obra ocasiona, via de regra, aumento de custos e despesas para ambas as partes.

O construtor, se submetido a atraso de responsabilidade do dono da obra, não raro experimenta graves problemas com mão-de-obra, seja pelo aumento do tempo de trabalho dos empregados, seja pela própria ociosidade que por vezes ocorre em razão de paralisações não previstas. Da mesma forma, aluguéis de máquinas, andaimes, equipamentos em geral e afins acabam tendo que ser prorrogados ou renegociados, além de outros prejuízos decorrentes da necessidade de reprogramação dos cronogramas iniciais.

Para o dono da obra, mais obviamente ainda, os atrasos geram a quebra de expectativa de finalização, bem como aumento de custo, a depender do tipo de contrato celebrado, sem contar os lucros cessantes, que surgem e se acumulam à medida que o dono da obra deixa de auferir o retorno esperado do empreendimento no tempo em que, pelos cronogramas estabelecidos primitivamente, já deveria estar com sua operação ou atividade em pleno funcionamento.

Outro relevantíssimo aspecto diz respeito aos pedidos que são formulados, não sendo incomum a confusão, das partes e seus patronos, ou mesmo dos próprios árbitros, na definição e distinção das pretensões relacionadas à revisão contratual daquelas de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, ambas atinentes à necessidade de ajustes nos contratos em decorrência de mudanças nas condições originais, porém por causas distintas, e de tratamento e consequências jurídicas igualmente díspares.

Frequentemente, enfrenta-se também no dia-a-dia das arbitragens relacionadas a contratos de construção situações em que ambos os polos contratuais possuem responsabilidade e são causadores de danos.

Nesse espeque, a divisão de responsabilidades, a definição da medida dessa responsabilidade, a gradação da culpa e do dolo, numa escala de leve a grave, a interpretação das cláusulas penais, da distribuição do ônus e da mecânica penalística adotada no contrato, além da própria liquidação dos danos e sua distribuição para cada uma das partes com as quais a conduta danosa esteja ligada (nexo causal), são alguns dos aspectos igualmente relevantes tanto para as partes e seus procuradores (principalmente no momento da formulação de seus pedidos), quanto para os árbitros julgadores (principalmente quando do encerramento da instrução e prolação da sentença arbitral).

Quanto à produção de provas, atenção especial invariavelmente deve ser dispensada às provas realmente necessárias e essenciais para o deslinde da controvérsia, concentrando-se a produção das provas nos aspectos realmente relevantes, evitando-se provas protelatórias e oportunistas.

A natureza técnica, documental e temporal dos contratos de construção, muitas delas relacionadas a materiais, métodos construtivos, normas técnicas, prazos, custos, dentre outros, exige a expertise e conhecimento especializado que permitam compreender e avaliar corretamente os argumentos e alegações das partes.

Ao mesmo tempo, a análise de provas em arbitragens de construção precisa levar em consideração a evolução do projeto e as mudanças que ocorreram durante a execução, para determinar responsabilidades e eventuais desequilíbrios contratuais.

É bastante comum, assim, a necessidade de provas periciais, com destaque para as áreas de engenharia e financeira, para esclarecer questões técnicas e avaliar eventuais defeitos, atrasos ou falhas na execução do contrato.

Além das provas periciais, testemunhos de profissionais envolvidos no projeto, como engenheiros, arquitetos, gestores de obras, também são frequentemente utilizados para esclarecer fatos e interpretar cláusulas contratuais, em todo caso sendo exigida diligência na coleta e preservação de evidências, especialmente em relação a fatos e eventos que ocorreram no passado.

Em conclusão, a arbitragem de contratos de construção, embora uma das mais comuns, enfrenta notáveis desafios, que justificam a preferência na escolha baseada na especialização e experiência dos árbitros nesse nicho, para que a análise detalhada de aspectos técnicos e a complexidade da produção de provas possa ser encarada com a mestria e celeridade devidas.

Como fatores de maior relevo e importância citamos também, além da escolha criteriosa dos árbitros, a adequada estruturação dos contratos, visto se tratar de matéria geralmente complexa, específica e interdisciplinar, com destaque para as áreas de engenharia, econômico-financeira, geotécnica, de segurança, ambiental e de saneamento.

Tais aspectos são fundamentais para o sucesso dos procedimentos arbitrais, sendo a abordagem multidisciplinar indispensável à compreensão do direito, sobretudo visando, mediante uma decisão realmente informada, a resolução da disputa não só pelo fim geral do apaziguamento social, mas também pela finalidade especial de proporcionar um direcionamento ativo que coopere verdadeiramente para a conclusão do projeto.

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Guilherme Macedo
Advogado com 15 anos de experiência de foro e arbitragens. Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Administração pela Academia da Força Aérea / Universidade da Cidade. Árbitro do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA. Sócio Fundador do Escritório Guilherme Macedo Advogados. Anteriormente foi Sócio Sênior do Escritório H. B. Cavalcanti e Mazzillo Advogados. Foi também aviador da Força Aérea Brasileira. Fala português, inglês, espanhol e italiano.

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