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A execução sobre bem indivisível em compropriedade

Considerações iniciais

O presente estudo tem o propósito de analisar, concisa e didaticamente, a penhora e a expropriação de bem indivisível em compropriedade.

Inicialmente, sob o prisma analítico da dogmática jurídica, serão apresentadas noções básicas sobre o ato processual da penhora, bem como sobre o bem indivisível em condomínio.

Em seguida, tratar-se-á da expropriação, na execução forçada, de bem indivisível em compropriedade.

Na sequência, por meio da interpretação do caput e dos parágrafos do artigo 843 do Código de Processo Civil brasileiro, será apreciada a proteção do interesse jurídico do comproprietário que não é parte na execução.

Ao longo do artigo, na dimensão empírica da dogmática jurídica, serão referidos julgados do Superior Tribunal de Justiça.

Em arremate, serão apresentadas as considerações finais.

 

  1. A penhora

A penhora consiste em ato processual de constrição que vincula bens do executado à satisfação do crédito exequendo. Trata-se de ato que precede, na execução por quantia certa, a expropriação, a perda da propriedade do bem do executado.

Conforme esclarece Leonardo Carneiro da Cunha[1], “a penhora é o ato de apreensão e depósito de bens para empregá-los, direta ou indiretamente, na satisfação do crédito executado”.

Trata-se de ato processual constritivo, que recai sobre os bens do executado, tendo em vista sua responsabilidade patrimonial (art. 789 c/c art. 824, CPC).[2] Cuida-se de medida processual que antecede a expropriação, a perda da propriedade do bem penhorado.

Humberto Theodoro Júnior leciona que “A declaração de vontade estatal que a penhora revela é a de sujeitar os bens por ela individualizados e apreendidos à expropriação executiva iniciante, subtraindo-os, dessa maneira, à livre disponibilidade do devedor e de terceiros”[3].

Uma vez penhorado, o bem fica afetado à realização do direito do exequente, que busca o cumprimento forçado da obrigação de pagar quantia certa, que é obrigação pecuniária, ou obrigação de pagar dinheiro.

Em síntese, a penhora é ato processual executivo, que invade a esfera jurídica patrimonial do executado, para individualizar bens, submetendo-os, em caráter inicial, ao cumprimento forçado da obrigação de pagar quantia certa, como medida prévia à expropriação.

 

  1. O bem indivisível em compropriedade

Nos termos do artigo 789 do Código de Processo Civil, “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Observe-se que, no plano processual, o executado poderá ser o devedor, ou outro legitimado passivo. A noção de executado é processual, já o conceito jurídico de devedor é elaborado a partir do direito material.

Assim, é perfeitamente possível que o executado não seja devedor, seja apenas responsável. É o caso, por exemplo, do fiador, do qual trata o artigo 794 do CPC.

Com base nos artigos 789, 824 e 831 do CPC, é permitido que bem indivisível em compropriedade seja penhorado.

Bem divisível, de acordo com o artigo 87 do Código Civil, é aquele que pode ser fracionado “sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam”. Consequentemente, bem indivisível é aquele cujo fracionamento implica alteração em sua substância, perda expressiva do valor, ou prejuízo da utilidade.

Note-se que o artigo 87 do Código Reale permite a apreensão do conceito de divisibilidade natural, que leva em consideração a substância da coisa, bem com suas funções econômica e técnica.

Dessa maneira, além do aspecto substancial, a interpretação da natureza divisível, ou indivisível, do bem deve ponderar a sua finalidade social e econômica.[4]

Ademais, verifica-se que a indivisibilidade pode resultar da lei, ou da vontade das partes, conforme dispõe o artigo 88 do Código Civil brasileiro.

Maria Helena Diniz bem exemplifica que, “se repartirmos uma saca de café, cada metade conservará as qualidades do produto, podendo ter a mesma utilização do todo, pois nenhuma alteração de sua substância houve”[5]. Trata-se, então, de bem naturalmente divisível.

Por sua vez, são exemplos de bens, por natureza, indivisíveis “o animal, o relógio, um quadro, um brilhante etc.”[6].

Recorde-se que a compropriedade pode ser compreendida como “como propriedade em condomínio geral, de modo que cada comproprietário é titular de uma fração, uma parte ideal, intelectual ou abstrata sobre o bem”[7].

Do ponto de vista prático, observa-se que os casos mais comuns de execução sobre bem indivisível em compropriedade ocorrem com imóveis residenciais e certas fazendas, tendo em vista dívidas de um dos comproprietários.

 

  1. A expropriação de bem indivisível em condomínio

Indaga-se se, no caso de compropriedade de imóvel indivisível, o leilão judicial requer a penhora do imóvel inteiro, ou se basta a penhora da fração do executado.

Trata-se de questão já examinada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.818.926/DF (Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/04/2021. Informativo 692 do STJ).[8]

O contexto fático compreende os seguintes elementos: a) compropriedade de imóvel indivisível; b) a executada é proprietária de metade do bem.

Para melhor compreensão do precedente do STJ, convém examinar o resumo do processo.

Na origem, foi proposta ação indenizatória. Em seguida, na fase de cumprimento da sentença, foi penhorada a fração da executada, correspondente a 50% do bem imóvel. Posteriormente, os exequentes requereram o leilão judicial do bem inteiro.

O juízo de 1º grau indeferiu o pedido, o que ensejou o agravo dos exequentes.

O TJDFT negou provimento ao agravo de instrumento. Para o referido Tribunal, em síntese, diante do alcance da penhora realizada, restrita à metade do bem, não seria permitido o leilão judicial do imóvel por inteiro.

Irresignados, os exequentes manejaram o recurso especial. Os recorrentes alegaram violação do artigo 843 do CPC, cujo caput assim dispõe: “Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem”.

Em suma, os recorrentes sustentam que a lei autoriza o leilão judicial do bem imóvel indivisível por inteiro, ainda que a penhora tenha recaído apenas sobre o quinhão do executado.

A questão foi submetida à apreciação da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. A relatora, a Senhora Ministra Nancy Andrighi, deu provimento ao recurso especial.

Com base na doutrina, a relatora entende que a proteção conferida pelo artigo 843 do CPC ao comproprietário é automática, de modo que é dispensável o ajuizamento de embargos de terceiro.

Para a relatora, basta a intimação do comproprietário, na forma dos artigos 799, 842 e 889 do CPC, para que tenha oportunidade de ser ouvido no processo.

Dessa forma, conclui que é desnecessária a penhora da integralidade do bem indivisível, a fim de que seja realizada a expropriação por meio de leilão judicial. Cuida-se de decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Afigura-se correta a decisão da Terceira Turma.

Note-se, ademais, que não é permitida a penhora de todo o imóvel em condomínio, se a execução recai somente sobre os bens de um dos proprietários.

A expropriação do bem indivisível por meio de leilão não requer a penhora da coisa inteira, basta que a constrição recaia sobre a fração ideal do executado.

 

  1. A proteção do comproprietário alheio à execução

Outra questão prática interessante, atinente ao artigo 843 do CPC, diz respeito à proteção do comproprietário que não é parte na execução forçada.

Convém examinar se a reserva da parte do comproprietário, na execução de bem indivisível, deve recair sobre o valor da avaliação ou sobre o valor da arrematação.

Cuida-se de problema jurídico apreciado pelo STJ, no julgamento do REsp 1.728.086-MS (Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/08/2019, Informativo 655).[9]

Para a compreensão do referido precedente, considere-se o seguinte contexto: execução forçada sobre fazenda de propriedade de casal, tendo a esposa oposto embargos de terceiro.

Mencione-se, em síntese, o processo.

Em execução fundada em título extrajudicial, foi autorizada a penhora sobre imóvel do casal, que depois foi expropriado.

Por meio de decisão interlocutória, o juízo de 1º grau permitiu que o exequente levantasse a metade do valor da arrematação, reservando-se o restante para a proteção da meação da mulher do executado. Inconformada com a decisão, a esposa agravou.

O TJMS negou provimento ao agravo de instrumento. Para o referido Tribunal, a reserva da meação deve recair sobre o valor da arrematação, não o da avaliação. Sustenta ser a solução adequada, tendo em vista a jurisprudência do STJ.

Irresignada, a esposa manejou recurso especial. A recorrente afirma que o acórdão do TJMS violou o § 2º do artigo 843 do CPC. De acordo com o referido dispositivo, “Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação”.

Em resumo, alega que a reserva da meação, no caso concreto, deve incidir sobre o valor da avaliação do bem.

O relator, o Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze, deu provimento ao recurso especial. Salienta que o §2º do artigo 843 introduz modificação em relação ao regime anterior, em benefício do comproprietário alheio à execução. Não subsiste, portanto, a jurisprudência formada com base no CPC revogado. Trata-se de decisão unânime da Terceira Turma.

Reputa-se correta a decisão da Terceira Turma.

Note-se que o §2º do artigo 843 não possui correspondente no CPC anterior. O intuito legal de proteção da quota do condômino é claro.

Por exemplo, se a fazenda, avaliada em 500, for arrematada por 400, a parte da proprietária alheia à execução, dona de metade do imóvel, será 250. E se o valor da arrematação for superior ao da avaliação? Arrematada a mesma fazenda por 600, por exemplo, a proprietária alheia à execução, dona de metade da coisa, terá direito a 300.

Assim, não deverá ocorrer a expropriação do bem indivisível, se o produto da alienação não for suficiente para o pagamento da parte do comproprietário alheio à execução.

 

Considerações finais

Com base na jurisprudência do STJ, destacam-se dois entendimentos acerca do artigo 843 do Código de Processo Civil: i) a expropriação do bem indivisível por meio de leilão não requer a penhora da coisa inteira, é suficiente que a constrição recaia sobre a fração ideal do executado (REsp 1.818.926/DF); ii) a reserva da parte do comproprietário, na execução de bem indivisível, deve recair sobre o valor da avaliação, se superior ao valor da arrematação (REsp 1.728.086-MS).

 

Notas e Referências:

[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Código de Processo Civil comentado: artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 1226.

[2] Sobre o princípio da patrimonialidade, v. MOTA, Marcel Moraes. Princípios da execução civil. Revista Diálogo Jurídico, Fortaleza, v. 16, n. 1, p. 71-88, 2017. p. 82.

[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. III. p. 442.

[4] A respeito, v. SCHREIBER, Anderson et al. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 74.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. p. 384.

[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. p. 280.

[7] MOTA, Marcel Moraes. A compropriedade na jurisprudência do STJ. Juridicamente, Recife, 1. mar. 2023. Disponível em: <https://juridicamente.info/a-compropriedade-na-jurisprudencia-do-stj/ >.  Acesso em: 2 mar. 2024.

[8] Para comentário em vídeo, v. MOTA, Marcel Moraes. Direito Processual Civil. Artigo 843, CPC. Compropriedade. Imóvel indivisível. Penhora. 1 vídeo (4 min). Publicado pelo canal Professor Marcel Mota, 21. mai. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xVAsLtZnERU&t=192s. Acesso em: 30 mar. 2024.

[9] A respeito, v. MOTA, Marcel Moraes. Direito Processual Civil. Expropriação de bem indivisível. Avaliação. REsp 1.728.086-MS. 1 vídeo (5 min). Publicado pelo Canal Professor Marcel Mota, 17. mai. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nwC3jQp5H2U&t=174s. Acesso em: 31. mar. 2024.

Colunista

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Marcel Mota
Doutorando em Ciências Jurídicas, na especialidade de Ciências Jurídico-Civis, pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito pela UFC. Bacharel em Direito “magna cum laude” pela UFC. Advogado civilista e Professor de Direito.

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