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Preclusão consumativa, aplica-se também ao juiz?

Por Bruno Campos Silva[1] e Rennan Thamay[2]

 

A prática de atos processuais, no procedimento, tem um curso (iter), em frente, sem retrocessos = segurança jurídica advinda da previsibilidade; é assim para as partes e também para o Estado-juiz.

Assim, se a parte conhecer efetivamente “nulidade” que possa gerar retrocesso na marcha processual, deverá alegar de pronto, sob pena de se prestigiar aquilo que se passou a denominar “nulidade de algibeira”.

O disposto no art. 278, do CPC é cristalino ao impor à parte o ônus de alegar a nulidade no primeiro momento em que falar nos autos. Nesse sentido, a norma não pode ser utilizada para surpreender a parte contrária, vez que assim, a quem dirigido o ônus argumentativo estará agindo em desconforme com a boa-fé objetiva.

O magistrado também não poderá agir/decidir como se estivesse num verdadeiro “vai e vem” procedimental (procedimento sanfona), nem mesmo naquelas situações em que a matéria é de ordem pública (v.g., matérias relativas à legitimidade ou ao interesse processual). Aliás, o agir oficioso do magistrado, por certo, comprometerá o devido processo legal.

O Superior Tribunal de Justiça assim decidiu recentemente:

“Uma vez que tenham sido objeto de análise, as matérias de ordem pública, como é o caso da legitimidade ad causam e do interesse de agir, não podem ser novamente apreciadas, operando-se a preclusão pro judicato” (REsp 2.019.150/SP, Rel. Min. Nancy Andrigui, Terceira Turma, julgado em 14.02.2023).[3]

Um exemplo corriqueiro é aquele relacionado à atividade probatória, ou seja, o juiz ao deferir ou indeferir determinado meio probatório, não poderá “redecidir”, sob pena de provocar verdadeiro retrocesso contrário ao direito adquirido à produção daquele meio probatório já efetivamente deferido. Aliás, se o Estado-juiz, em sede de decisão de saneamento e organização, deferir os meios probatórios pretendidos pelas partes, e se essa decisão se estabilizou, sem a interposição de quaisquer recursos, não poderá voltar atrás, sob pena de transgredir a boa-fé objetiva.

Nesse sentido, se houve decisão positiva acerca dos meios probatórios, já estabilizada, o magistrado tem o dever de garantir a produção daqueles meios probatórios já deferidos.

Hoje, o que se tem visto na prática forense, são decisões “gangorra” no “vai e volta” totalmente contrárias ao texto constitucional, com desrespeito à segurança jurídica que garante a produção de determinado meio probatório. Portanto, se o Estado-juiz já deferiu a produção de determinado meio probatório (v.g., oitiva de testemunhas), deverá garantir a efetiva produção desse meio probatório à parte que o postulou, já que futura improcedência do pedido será nula por evidente cerceamento de defesa.

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves:

“A liberdade do juiz no tocante à produção da prova, entretanto, não é ilimitada, em especial no caso de deferimento de sua produção. Uma vez deferida a produção da prova e não havendo recurso contra tal decisão, ocorrerá a preclusão pro iudicato, exigindo-se do juiz a produção de referida prova, ainda que se convença de esta não ser mais necessária. Ocorrerá, no caso, o surgimento de uma espécie de direito adquirido da parte à produção da prova, que não pode ser afrontado com a simples mudança de opinião do juiz diante do conjunto probatório. A prova só deixará legitimamente de ser produzida após o deferimento pelo juiz se ambas as partes concordarem, em razão do princípio da comunhão das provas, que torna do processo, e não de quem a requereu, até mesmo o direito concreto à prova”.[4]

Se o juiz já analisou e deferiu o meio probatório postulado pela parte, em decisão de saneamento e organização, não poderá voltar atrás e “indeferir” a produção da prova, já que incidentes os efeitos da preclusão consumativa (também denominada “pro judicato” – quando os seus efeitos são aplicados aos atos praticados pelo Estado-juiz) – ex vi do art. 505, do CPC – o que garante a produção daquele meio probatório já deferido.[5]

Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara:

“E também para o juiz há preclusão consumativa. Pense-se no caso de ter-se tornado estável a decisão de saneamento e organização do processo. Pois preclui para o juiz (mas não para as partes, que poderão sobre elas se manifestar em apelação ou em contrarrazões de apelação) a possibilidade de tornar a decidir sobre aquilo que tenha sido expressamente resolvido naquele pronunciamento (com a ressalva da distribuição do ônus da prova, que, tendo sido impugnada por agravo de instrumento, pode ser objeto de retratação pelo juiz, nos termos do art. 1.018, § 1º)”.[6]

A preclusão consumativa, com eficácia endoprocessual, possui função direcionada à segurança jurídica, vez que impõe à parte “penalidade” pela prática antecipada de determinado ato processual – evita-se, com isso, a marcha à ré procedimental.

Portanto, os efeitos da preclusão consumativa também deverão ser aplicados aos atos praticados pelo Estado-juiz, em prestígio ao direito à ampla produção dos meios probatórios, o que se caracteriza como óbice ao retrocesso processual.

 

Notas e Referências:

[1] Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Especialista em Direito Processual Civil pelo CEU-SP (atual IICS). LL.M em Proteção de Dados: LGPD & GDPR com dupla titulação pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do RS e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Especialista em Mercado de Carbono pela Proenco-SP. Professor de Direito da Unipac-Uberaba-MG e da Universidade Federal de Uberlândia-MG-UFU. Membro da Comissão de Processo Civil da OAB-MG e Presidente da Comissão de Direito Ambiental, Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da OAB-MG. Diretor de Publicações da UBAA (União Brasileira da Advocacia Ambiental). Membro da APRODAB. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual), do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo). Membro do Conselho de Redação da RBDPro (Revista Brasileira de Direito Processual). Membro do Conselho Editorial das revistas Fórum de Direito Urbano e Ambiental e da Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. Autor e coordenador de obras jurídicas. Advogado e consultor jurídico. E-mail: brunocamposadv@outlook.com

[2] Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC/RS e Università degli Studi di Pavia. Mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas. Especialista em Direito pela UFRGS. É Professor Titular do programa de graduação e pós-graduação (Doutorado, Mestrado e Especialização) da FADISP. É Professor da pós-graduação (lato sensu) da PUC/SP. Foi Professor assistente (visitante) do programa de graduação da USP e Professor do programa de graduação e pós-graduação (lato sensu) da PUC/RS. Presidente da Comissão de Processo Constitucional do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Membro do IAPL (International Association of Procedural Law), do IIDP (Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal), do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), da ABDPC (Academia Brasileira de Direito Processual Civil), do CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual) e do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo). Advogado, consultor jurídico e parecerista. E-mail: rennan.thamay@hotmail.com

[3] E ainda: STJ, AgRg no AREsp 264.238/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 15/12/2015, DJe 18/12/2015; STJ, AgRg no AREsp 650737/RJ, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 04/03/2016; Informativo 545/STJ – 4ª Turma, REsp 1.229.905/MS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05/08/2014; STJ, AgInt no AREsp 2.007.442/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 30/06/2022; STJ, REsp 2.019.150/SP, rel. Min. Nancy Andrigui, Terceira Turma, julgado em: 14/02/2023; STJ, REsp 1.972.877/PR, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 29/09/2022.

[4] Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 734-735.

[5] Com o mesmo raciocínio, Marcelo Mazzola: “Registre-se apenas que uma coisa é o poder do juiz de apreciar questões conhecíveis de ofício a qualquer tempo. Outra, completamente diferente, é o juiz poder reapreciar, a qualquer tempo, questões conhecíveis de ofício já anteriormente decididas. Nesse último caso, pensamos que há uma preclusão consumativa para o juiz (art. 505 do CPC/15), não podendo ele – ou o tribunal superior, caso a parte não tenha interposto o recurso cabível no prazo legal – decidir novamente o tema, sob pena de retrocessos processuais” (Mazzola, Marcelo. Silêncio do juiz no processo civil (inércia, omissão stricto sensu e inobservância) e seus mecanismos de impugnação. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, p. 116-117).

[6] Câmara, Alexandre Freitas. Manual de direito processual civil. 1. ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022, p. 480.

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Rennan Thamay
Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC/RS e Università degli Studi di Pavia. Mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas. Especialista em Direito pela UFRGS. Professor Titular do programa de graduação e pós-graduação (Doutorado, Mestrado e Especialização) da FADISP. Professor da pós-graduação (lato sensu) da PUC/SP, do Mackenzie e da EPD - Escola Paulista de Direito. Professor Titular do Estratégia Concursos e do UNASP. Foi Professor assistente (visitante) do programa de graduação da USP e Professor do programa de graduação e pós-graduação (lato sensu) da PUC/RS. Presidente da Comissão de Processo Constitucional do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Membro do IAPL (International Association of Procedural Law), do IIDP (Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal), do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), da ABDPC (Academia Brasileira de Direito Processual Civil), do CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual), do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo) e do IBDE (Instituto Brasileiro de Direito Empresarial). Advogado, consultor jurídico, parecerista, administrador judicial, árbitro e mediador.

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