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A lógica (Teoria) do Cisne Negro: breves reflexões contratuais.

Recentemente pude ministrar uma aula para um grupo de executivos sobre a Teoria (lógica) do Cisne Negro e sua aplicação nos negócios. Durante a preparação da aula e nos debates, o tema trouxe inúmeras reflexões quando espelhado ao mundo jurídico. O que o Direito, mais especificamente o Direito contratual, pode aprender com as lições do Cisne Negro?

A Teoria do Cisne Negro ganhou relevo internacional na obra do Nassim Taleb chamada a “Lógica do Cisne Negro”. Trata-se de uma trilogia literária que aborda o tema da incerteza; a trilogia é formada pelos livros: Iludidos pelo acaso, A lógica do Cisne Negro e Antifrágil. A trilogia trata de como o Ser Humano pode se preparar para o futuro, o qual é dotado de elevado grau de incerteza e imprevisão. Em uma análise mais robusta, é uma forma de gestão de riscos aplicada para eventos futuros, na qual o indivíduo irá se preparar para ultrapassar os eventos danosos ou absorver as oportunidades inesperadas que surgirem (antifragilidade).

Ao discorrer sobre o tema me veio à mente as aulas de Direito Contratual que tive na faculdade, em que foi ensinado que o objetivo dos contratos é criar relações para o futuro, ou seja, é como se o futuro pudesse ser determinado no presente por meio de palavras escritas.

Existe um debate se o nome correto é Teoria do Cisne Negro ou a Lógica do Cisne Negro, para o atual contexto acho o assunto irrelevante. Em vez de discutir termos, é melhor entender o que o autor entende por um “cisne negro”?

Para melhor compreender o tema, remonto o leitor à Teoria do Caos defendida pelo Edward Lorenz e ao Problema da Indução, abordado por David Hume. Ambos os pensamentos possibilitam compreender que prever o futuro por meio de dados passados está muito próximo de um exercício de adivinhação, dotado de alto grau de subjetividade. É uma ficção criada pelo Ser Humano de que é possível prever o futuro por meio da racionalidade, elemento inato ao Ser Humano! Mas, será que somos racionais? Em um próximo texto discutiremos este tema, até lá proponho a leitura das obras do Daniel Kahneman.

O Cisne Negro existe a partir do momento em que houve a ruptura do pensamento indutivo. Isso ocorre pelo fato de que no passado os europeus apenas conheciam a existência do Cisne Branco e, por indução, acreditava-se fortemente que todos os cisnes são brancos. Ocorre que ao chegar na Oceania, toda essa construção realizada por anos foi quebrada diante da observação da existência do Cisne Negro.

Tal fato demonstra que toda forma de conhecimento poderá ser completamente desconstruída pela existência de um único evento que não repita o padrão esperado. O conhecimento não pode ser compreendido de forma absoluta, pois um evento futuro e incerto poderá desconstruí-lo. Basta observar a história da indústria farmacêutica, a qual é formada por movimentos periódicos de desconstrução; na medida em que determinados medicamentos são apresentados como soluções para certas doenças, mas a longo prazo danos severos à saúde humana são observados. Ou, os fármacos são elaborados para tratar certa doença, porém os seus efeitos colaterais podem ser utilizados para fins diversos.

Como se sabe disso? Diante da observação dos seus efeitos à longo prazo.

Então o que é um Cisne Negro? É um acontecimento futuro e imprevisível que causa um grande impacto nas partes envolvidas. Durante a pandemia muita gente associou a Covid-19 como sendo um Cisne Negro, ocorre que para o próprio Nassim Taleb, tal associação não pode ser feita, pois o evento pandemia não é imprevisível, porquanto vários estudos apontam a alta probabilidade de sua ocorrência. Na verdade, a sociedade e os governos não se planejaram para a possibilidade de sua ocorrência. Diferentemente do atentado de 11 de setembro nas torres gêmeas em Nova Iorque ou no tsunami no Japão em 2011.

Todavia, nem sempre o Cisne Negro será um evento negativo para a sociedade; o surgimento do Google, Spotfy, Uber, SpaceX, são exemplos de Cisnes Negro positivos.

Um outro ponto interessante é que inicialmente tais eventos são imprevisíveis, porém – após a ocorrência – “gurus” aparecerão com teorias que explicam tais fatos. Por exemplo, ao ler os livros escolares sobre a 2º Guerra Mundial é “óbvio” que tal evento ocorreria, mas na época em que os acontecimentos pré-guerra ocorreram o desfecho da história não era tão previsível.

E o que isso tudo tem a ver com o direito? Elaborar um contrato é um exercício de previsão do futuro; não estou falando dos contratos de execução imediata. Um contrato de infraestrutura, por exemplo, tem de forma intrínseca a necessidade de ser de longa duração, haja vista que os investimentos iniciais para implantação são de grande vulto e o retorno econômico somente poderá ser observado à longo prazo.

Surge a necessidade de rompimento com a perspectiva dogmática tradicional do Direito Administrativo, ainda muito cultuada no Brasil, para uma visão anglo-americana dos contratos. Os contratos passam a ser observados em uma visão pragmática e consequencialista, em que a ideia do contrato não é criar uma fotografia do momento em que foi assinado e, sim, ser um veículo redutor de custos transacionais, permitindo que a relação jurídica pactuada possa seguir no decorrer do tempo de forma equilibrada para ambos os polos contratantes.

Não se prega aqui o desrespeito aos termos contratuais, muito pelo contrário! Se prega pela necessidade de estabilização dessa relação, sem a possibilidade de imputações não previstas anteriormente, sem o necessário equilíbrio econômico-financeiro.

Surge a aplicação da Teoria dos contratos relacionais, os quais têm como características a pessoalidade, diante da existência de relações primárias e de elementos não-promissórios; longa duração, são construídos com a ideia de estabilidade temporal da relação entre os players; cooperação e planejamento para os atores envolvidos, de modo que a relação seja estável e equilibrada financeiramente.

Toda essa forma de pensar a Teoria Contratual não se resume aos contratos administrativos; os contratos empresariais de longa duração e grande vulto também devem ser observados nesta perspectiva. Uma vez que irão reger relações futuras entre atores privados, um bom exemplo são os contratos de transporte marítimo.

Por fim, o que se almeja dizer neste texto é que diante da imprevisibilidade dos acontecimentos futuros, a relação contratual deve ser formulada de modo que as partes envolvidas estejam prontas para se adaptarem a mudanças imprevisíveis (positivas ou negativas) que venham a ocorrer no futuro. Os contratos assumem a função de estabilizar a relação jurídico-econômica e reduzir os custos de transação incidentes na relação contratualizada.

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Pedro Carvalho
Advogado e Professor Universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Sócio do Carvalho, Machado e Timm Advogados, liderando a área de Regulação, Infraestrutura, Energia e Sustentabilidade. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.

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