Direito Processual CivilPerspectiva Analítica

O ART. 356, CPC, É BASE NORMATIVA SUFICIENTE PARA REGULAR O FRACIONAMENTO DECISIONAL? 1ª PARTE

Na Revista Brasileira de Direito Processual n. 100, publiquei, em conjunto com Marco Paulo Denucci di Spirito, um texto acerca daquilo que denominamos de espraiamento sentencial, mais especificamente sobre a possibilidade de negociação jurídica com a finalidade de estabelecê-lo.

Em suma, trata-se de uma forma de especialização do procedimento, pela qual a ação deduzida (processualizada, na expressão que utilizo) é realizada por etapas, de modo que a decisão, ato que é de tal realização, é repartida em, no mínimo, mais de uma. Isto varia desde uma simples duplicação (como pode ocorrer no procedimento da ação de exigir contas, arts. 550-553, CPC) até uma multiplicidade considerável de decisões no curso do procedimento, como ocorre na execução por quantia certa. Neste último caso, a decisão, pela modulação operada, dissolve-se, em verdade, no procedimento. Ela, portanto, espraia-se por ele.

O termo espraiamento é devido a Eduardo José da Fonseca Costa, a partir de uma análise que fez do conceito de sentença em Pontes de Miranda. Como forma de referenciá-lo e, metonimicamente, já que a parte serviu para nominar o todo, utilizamos o termo espraiamento para falar de qualquer tipo de fracionamento.

Um ponto que deve ser ressaltado é o relativo à fonte instituidora do espraiamento. Vale dizer, como forma de especialização procedimental que é, qual é o locus normativo adequado para positivá-lo. O primeiro deles, por óbvio, é a lei; no texto acima mencionado, defendemos (eu e o citado Marco Paulo) a possibilidade de ele ser feito, além disso, por negócio jurídico praticado pelas partes; por fim, ao menos em hipótese, é possível falar em espraiamento operado por decisão judicial, logo imponível às partes.

Em rigor, a previsão das chamadas decisões parciais de mérito (art. 356, CPC) implica falar em espraiamento por decisão.

Antes de seguir, é preciso fazer um comentário lateral. Não é o fato de a lei prever a possibilidade de algo que o implemento dele é por força de lei. Para que isto se dê, é necessário que o implemento ocorra pela simples incidência da lei instituidora. Por exemplo, a compensação de dívidas (arts. 368-380, CC) dá-se pelo simples exercício, na forma estabelecida, do direito a compensar pelo devedor cobrado, exercício este que pode ocorrer por intermédio de defesa em um processo judicial. Observe-se, embora conteúdo de um ato processual (a defesa), a compensação é por força de lei[1], tanto que a decisão, se de procedência da alegação feita pelo réu, é declaratória do efeito compensatório. Diversamente do que ocorre na chamada compensação judicial (cuja possibilidade é discutível no direito brasileiro), em que o efeito compensatório somente se dá como produto da eficácia da sentença que reconhece o direito a compensar.

antecipação de tutela genérica (arts. 294-299, e, mais especificamente para a fundada em urgência, § 2° do art. 300, todos do CPC), embora tenha previsão legal, é a forma de especialização do procedimento por decisão judicial, e não por força de lei. O procedimento, no caso, sofre, em virtude das nuances do caso, uma alteração no seu curso natural. Algo bem diverso se tem em procedimentos nos quais a antecipação da tutela é da sua própria essência, de modo que, iniciado, das duas uma: ou ele é inadmitido ou é admitido com a antecipação, até porque os pressupostos desta compõem o conteúdo do próprio juízo de admissibilidade.    Não há, assim, possibilidade de se admitir sem acolher o pedido antecipatório. É o caso dos procedimentos das ações de consignação em pagamento (arts. 539 e segs., CPC) e do procedimento antecedente para o deferimento da tutela antecipada (rectius: satisfativa) de urgência (art. 303, CPC).

Por tudo isso, no âmbito do espraiamento sentencial, a hipótese prevista no art. 356, CPC, não pode ser classificável como especialização legal (em virtude de lei, mais propriamente designando), mas sim por força judicial, já que, sem o ato do juiz, não haverá qualquer tipo de fracionamento da decisão, ao contrário do que ocorre com, por exemplo, o procedimento da ação divisória, no qual o fracionamento, estabelecido nos arts. 592, § 1°, 596, caput, e 597, § 1°, todos do CPC, é da sua própria essência. Nele, o especializar ter-se-ia caso ocorresse o exato oposto: a fusão dessas decisões, que, dantes, por lei, estariam fracionadas.         

Ressalte-se, o implemento de algo por decisão judicial nada tem a ver com previsão expressa, ou não, em texto de lei, que, em verdade, é problema referente à questão da tipicidade. No caso, numa delimitação graduada da atividade hermenêutica do juiz. Assim, não é judicial o implemento porque não previsto expressamente em lei (atípico, como se costuma dizer); é-o porque só ocorre como produto da eficácia de uma decisão judicial.

Dito isso, na próxima postagem, responderei à pergunta posta no título.

 

Notas e Referências:

[1] Em rigor, a compensação, embora legal, não é automática, pois que dependente do exercício do direito a compensar pelo devedor. Isto quando cobrado da dívida. Desse modo, conquanto compulsória, já que independe de qualquer aceitação pelo credor-cobrador, a função da incidência da lei referente à compensação (acima de tudo, pelos arts. 368 e segs, CC) não é a de criar o fato jurídico compensatório (algo próprio de uma compensação automática), mas sim a criação do fato jurídico gerador do direito (potestativo) a compensar.

Obs: texto originalmente publicado no site Empório do Direito, em 28 de maio de 2019.

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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