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A nova regulamentação da CVM e o dever de informar nas companhias abertas

Você é investidor de alguma companhia aberta no Brasil?

Todos os dias escutamos notícias a respeito da variação no preço das ações negociadas na bolsa de valores. Se algo acontece em Brasília (de bom ou de ruim), isso certamente refletirá no valor dos papéis negociados na B3. O valor das ações sobe e desce com frequência, e sempre é sensível aos fatores externos à companhia emissora.

Se você hoje não possui ações de nenhuma companhia, mas tem esse desejo, uma dica inicial é conhecer bem o objeto social da companhia, analisar o seu estatuto social – inclusive para tomar conhecimento das vantagens dadas às ações preferenciais, cujo direito a voto geralmente é suprimido –, conhecer o ramo de atividade da companhia (ainda que de forma básica) e acompanhar as divulgações de informações pela companhia alvo.

A variação do preço das ações de uma companhia aberta não acontece, assim, apenas por fatores externos, mas especialmente por fatores inerentes à própria companhia aberta. Ora, o conselho de administração da companhia pode propor que seja levada à assembleia geral da companhia, por meio da aprovação de proposta da administração, alguma deliberação sensível, capaz de influenciar o preço das ações negociadas em bolsa.

A companhia pode seguir rumos que sejam interessantes a determinado investidor, mas desinteressantes para outros. É importante, portanto, que os investidores busquem informações sobre a companhia alvo, mas que sejam oportunamente informados pela própria administração da companhia sobre qualquer fato relevante – que consiste, segundo Eizirik, Gaal, Parente e Henriques (2019, p. 624), “[n]aquele que pode influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de comprar ou vender os valores mobiliários da companhia” – que envolva a companhia.

Nos sites das companhias abertas, então, os investidores poderão encontrar, nas abas de relações com investidores, os fatos relevantes envolvendo a companhia – além de outras divulgações (comunicados ao mercado, avisos aos acionistas) –, que certamente têm o potencial de influenciar na decisão do investidor de investir ou não naquela determinada companhia. 

Desse modo, investir em ações não presume apenas ser bem-informado sobre os acontecimentos no país ou no setor de atuação da companhia alvo, mas investigar o que a companhia alvo tem a dizer para o mercado, em decorrência de suas atividades voltadas ao cumprimento de seu objeto social.

Algumas companhias cujo valor da ação acaba decolando podem optar por desdobrar suas ações, por exemplo. O conselho de administração, assim, irá propor à assembleia geral da companhia que vote nesse sentido, a fim de que as ações sejam desdobradas (p. ex., uma ação poderia ser desdobrada em dez ações, com a divisão por dez de seu valor original). 

Alguns acionistas podem decidir investir na respectiva companhia apenas após o desdobramento, outros podem, por motivos específicos, ser contrários ao desdobramento e optar por vender os ativos. Claro que a tomada de decisão não deveria levar em conta apenas o fator “desdobramento”, mas este elemento somado a outros, os quais devem ser devidamente informados aos acionistas e ao mercado em geral, nas hipóteses regulamentares.

A Comissão de Valores Mobiliários – “CVM” possuía em vigor a célebre Instrução CVM 358/2002, versando sobre fatos relevantes que devem ser divulgados pelas companhias abertas. Recentemente, a CVM editou a Resolução CVM nº 44/2021, que revogou a ICVM 358/2002. 

No entanto, a Resolução CVM nº 44/2021 é bastante semelhante à Instrução CVM 358/2002, e trouxe como novidade, dentre outras, detalhamento sobre insider trading, com a disposição de um rol de condutas ensejadoras da presunção da referida prática ilícita, tema que está, por sua vez, diretamente conectado ao dever de informar previsto no artigo 157 da Lei 6.404/1976 (“LSA”).

Este artigo 157 da LSA é claro ao determinar que o administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular. O § 6o complementa determinando que os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela CVM, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia. 

Segundo Eizirik, Gaal, Parente e Henriques (2019, p. 620), “os preceitos antes referidos visam facilitar o combate ao ‘insider trading’. E seguem dizendo: “O administrador pode, legitimamente, comprar e vender ações de emissão da companhia, desde que não esteja de posse de informação confidencial e relevante sobre a companhia”. De que vale apostar em alguma companhia se alguém lá de dentro tem informações privilegiadas e está investindo nela (algo que pode acontecer – recorde-se – não somente da parte da administração, mas da parte de outros detentores de informações privilegiadas da companhia)?

Mas o artigo 157 da LSA não trata apenas disso. O seu § 4º determina que os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembleia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia.

Percebe-se, com facilidade, que o mais especial fundamento da Resolução CVM nº 44/2021 é esta previsão. 

É uma homenagem ao princípio do disclosure. Segundo Eizirik, Gaal, Parente e Henriques (2019, p. 623), “o princípio do disclosure baseia-se na presunção de que uma vez adequadamente provido das informações relevantes sobre a companhia e sobre os títulos emitidos, o investidor tem condições de avaliar o mérito do empreendimento e a qualidade dos papéis”. 

Não é por outro motivo que a Resolução CVM nº 44/2021, repetindo previsão da a Instrução CVM 358/2002, prevê em seu artigo 2º o seguinte: 

Considera-se relevante, para os efeitos desta Resolução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável: I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; ou III – na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.

O parágrafo único do dispositivo lista exemplos de atos ou fatos potencialmente relevantes, entregando ao administrador, muitas vezes, a avaliação sobre se tal fato deve ser levado ao mercado por meio de fatos relevantes ou não, naturalmente se a divulgação destas informações não tiver o potencial de trazer risco a interesse legítimo da companhia (nessa hipótese, os administradores poderão informar o fato à CVM, pedindo-lhe, no entanto, sigilo).

Em conclusão, antes de investir, vale a pena informar-se do que a companhia aberta (em homenagem ao princípio do disclosure) tem a dizer a você sobre fatos e acontecimentos internos, e não somente sobre as externalidades – acontecimentos no setor da companhia, turbulências políticas etc. –, que incidem sobre as companhias com ações negociadas em bolsa de valores.

 

Colunista

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Cássio Lira Braga
Mestre em Ciência Política (UFCG). Pós-graduado em Direito Empresarial (FGV-RJ). Graduado em Direito (UEPB). Professor de Direito Empresarial. Advogado consultivo nas áreas de M&A, Societário, Contratos e Mercado de Capitais no escritório Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.

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