Razão de decidirTJMG

A prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória do Tribunal de Contas e a reserva da jurisdição para a apuração de ato de improbidade

Cediço que uma das atribuições constitucionais do Poder Legislativo é a
votação e a aprovação da lei orçamentária, incumbindo-lhe consequentemente
a fiscalização da sua execução, quando receberá o auxílio do respectivo
Tribunal de Contas.
Os Tribunais de Contas dos Estados possuem as mesmas atribuições
constitucionais do Tribunal de Contas da União (Art. 71 e 75 da CR) e para
garantir a efetivação do seu ofício institucional, estabelece o § 3º do artigo 71
da Constituição da República que “As decisões do Tribunal de que resulte
imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”.
A atuação do Tribunal de Contas no âmbito do Estado de Minas Gerais
fica sujeita à limitação temporal prevista no artigo 118-A da Lei Complementar
102/2008, ou seja, cinco ou oito anos a depender da existência ou não de
causa interruptiva da prescrição.
Assim, a pretensão punitiva e ressarcitória da Corte de Contas deve
observar o prazo prescricional constante da legislação estadual, não sendo em
nenhuma hipótese imprescritível.
Quanto à pretensão ressarcitória fundada na prática de ato doloso
tipificado como ato de improbidade administrativa, sabido que o Supremo
Tribunal Federal reconheceu-lhe a imprescritibilidade (Tema 897).
Entretanto, sabendo que a existência de ato doloso de improbidade
administrativa somente pode ser apurada mediante ação judicial que garanta o
contraditório e a ampla defesa, a imprescritibilidade mencionada no Tema 897
do STF não alcança as decisões da Corte de Contas, que não possui função
jurisdicional.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento do
agravo de instrumento 1.0000.22.238226-9/001 deu provimento ao recurso
para acolher a exceção de pré-executividade e extinguir a execução após
reconhecer a prescrição da pretensão ressarcitória do TCE/MG.
O ente municipal prejudicado ajuizou a competente ação de execução e a parte executada apresentou exceção de pré-executividade alegando a ocorrência de prescrição ao argumento de que transcorreu lapso temporal superior a oito anos entre a data da primeira causa interruptiva e a decisão de
mérito.
Entendeu o Tribunal Mineiro que:
a) o TCE/MG na condução dos processos administrativos deve
observar o prazo prescricional previsto na Lei Complementar
Estadual 102/2008;
b) a norma que estabelece prazo de prescrição para a apreciação dos
processos administrativos pelo TCE é constitucional, conforme
decidido na ADI 5259;
c) o Órgão de Contas não analisa a existência ou não de ato doloso de
improbidade administrativa (atribuição cujo exercício sujeita-se à
reserva de jurisdição), não sendo aplicável a imprescritibilidade
declarada no julgamento do Tema 897 STF nos processos de
competência do TCE.
Eis a ementa do referido julgado:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO
FISCAL – TÍTULO EXECUTIVO FUNDADO EM ACÓRDÃO DO
TCE/MG – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE –
PRETENSÃO PUNITIVA E RESSARCITÓRIA DA CORTE DE
CONTAS – PRAZO DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL
102/2008 – TRANSCURSO – PRESCRIÇÃO – OCORRÊNCIA –
EXAME DA OCORRÊNCAI DE ATO DOLOSO DE
IMPROBIDADE – RESERVA DE JURISDIÇÃO – EXTINÇÃO
DO FEITO EXECUTIVO. 1. Nos termos da Lei Complementar
estadual 102/2008, os processos atuados até 15.12.2011
devem ser encerrados pelo Tribunal de Contas no prazo de oito
anos, contados da ocorrência da primeira causa interruptiva da
prescrição até a primeira decisão de mérito recorrível proferida
no processo. 2. A imprescritibilidade é reservada às ações de
ressarcimento ao erário fundadas em ato doloso de
improbidade administrativa, cuja análise possui reserva de
jurisdição, não podendo ser apreciada pela Corte Estadual de
Contas. 3. Transcorrido o prazo prescricional para a formação
do título executivo, deve ser extinta a execução. (TJMG –
Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.238226-9/001, Relator(a):
Des.(a) Maria Cristina Cunha Carvalhais, 2ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 04/04/2023, publicação da súmula em
11/04/2023)
No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,
o Tribunal de Contas Mineiro reconheceu a existência de causa interruptiva da prescrição e, constatado o transcurso do prazo legal, reconheceu a prescrição
da pretensão punitiva quanto às irregularidade que seriam punidas com multa.
Quanto às irregularidades que poderiam justificar eventual condenação
de ressarcimento ao erário, seguiu-se com o processo administrativo,
fundamentando o TCE/MG que referida pretensão é imprescritível.
Contudo, sabendo que o Órgão de Contas não possui função
jurisdicional e desrespeitado o prazo da LCE 102/2008, o TJMG reconheceu a
prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória do TCE/MG.
O julgado revela a importância de conhecer a natureza das atribuições
dos Tribunais de Contas que, definitivamente, não possuem competência
jurisdicional.

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Glaucia Chiaradia
Mestre em Direito Empresarial. Assistente Judiciário (2009-2014) e Assessora Judiciária (2014 em diante) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

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