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Arbitragem Expedita: conceito, características e sugestões práticas.

I Introdução

A arbitragem nasce da cláusula compromissória,[2] ou seja, a cláusula de soluções de conflito inserida em contrato para um eventual conflito futuro. Nesse momento o advogado deve analisar os possíveis conflitos oriundos desse contrato e eleger (em hipótese de utilização de cláusula modelo de instituição arbitral) ou elaborar a cláusula mais adequada em termos de eficiência em custo e velocidade para seu cliente.

Uma das possibilidades é a escolha da arbitragem expedita (fast track arbitration), ou seja, o procedimento arbitral sumário.[3] A instituição que introduziu a arbitragem expedita contemporaneamente foi a Geneva Chamber of Commerce[4] (atualmente parte da Swiss Chamber of Commerce) em 1992.[5]

A Câmara Internacional de Comércio, fundada em 1919, decidiu por não promulgar nenhum regulamento específico de arbitragem expedita até 01 de março de 2017, uma vez que seu regulamento anterior (de 1 de janeiro de 2012) não previa o instituto. Em 2017, a CCI previu a arbitragem expedita no artigo 30 de seu regulamento de arbitragem que faz remissão ao Apêndice VI que detalha o procedimento. Limita, por exemplo, o valor da causa em US$ 2 milhões e que o tribunal, após consulta às partes, deverá decidir a disputa apenas através de análise documental, ou seja, sem oitiva de testemunhas e peritos. Se for necessária alguma audiência, o árbitro priorizará a utilização de tecnologias da informação como videoconferência e telefone (artigo 3 (5) Apêndice VI).[6] O regulamento vigente da CCI, de 01 de janeiro de 2021, mantém a lógica, mas majora o valor da arbitragem expedita para US$ 3 milhões (artigo 1 (2) (a) Apêndice VI).[7] Nos dois regulamentos (artigo 4, Apêndice VI), o prazo para prolação de sentença arbitral é de seis meses contados a partir da data da conferência sobre condução do procedimento.

Apenas por esse breve registro das câmaras internacionais já podemos perceber algumas características da arbitragem expedita como, por exemplo, prazos mais curtos e limite do valor da causa.

Portanto, o objetivo precípuo desse artigo será o de demonstrar as características do procedimento arbitral sumário e principalmente quando utilizá-lo e quando não utilizá-lo.

 

II Conceito e Características

A arbitragem expedita é procedimento simplificado com natureza de subsistema da arbitragem originária. Algumas instituições de relevância, por exemplo, optam por não possuir regulamento específico sobre o tema atendo-se apenas a trazer dispositivos isolados em seus regulamentos de arbitragem ordinária (regulamentos semiautônomos).

Atualmente, a maioria das instituições arbitrais internacionais e brasileiras possuem previsão em regulamento próprio (autônomo) ou como capítulo ou anexo do regulamento de arbitragem ordinária (semiautônomos). Tal fato se dá como atrativo comercial da arbitragem, uma vez que, por vezes, e a depender da atuação do tribunal arbitral e das partes (com prática de medidas antiarbitragem ou a chamada “arbitragem de guerrilha”), o procedimento arbitral torna-se mais moroso que o necessário.

Os regulamentos autônomos são regulamentos exclusivamente dedicados ao procedimento sumário e descrevem todas suas etapas. Ou seja, encontram-se apartados das regras de arbitragem ordinárias (temos como exemplo o regulamento de arbitragem expedita da SCC e, no Brasil, do CBMA e da AMCHAM).

Os regulamentos semiautônomos são regras de arbitragem expedita inseridas em capítulo do regulamento de arbitragem ordinária ou até mesmo em anexo. Não podem ser considerados autônomos porque as regras do procedimento convencional também se aplicam ao procedimento sumário. Como exemplo podemos citar o artigo 42 do Regulamento de Arbitragem do HKIAC[8] e o artigo 30 do Regulamento de Arbitragem da CCI bem como seu apêndice VI que detalha as etapas e aplicação do procedimento sumário.[9]

A arbitragem expedita dá uma roupagem acelerada ao procedimento devido aos prazos mais curtos (em regra sem possibilidade de extensão), bem como a supressão de etapas procedimentais. Pode ser aplicado tanto em arbitragens institucionais quanto em arbitragem Ad Hoc.

Os elementos principais da arbitragem expedita são: árbitro único e com mais poderes para tornar o procedimento mais célere,[10] teto do valor da causa estipulado (causas de menor valor), prazos rigorosos (de nomeação do árbitro pelas partes e de prolação da sentença arbitral), limitação de etapas procedimentais (restrição do número de submissões e de audiências), limitação da produção probatória (grande parte das arbitragens expeditas são exclusivamente documentais – documents only – ou permite a realização de apenas uma audiência) e, em algumas instituições, há a redução dos requisitos componentes da sentença arbitral tais como a possibilidade da sentença arbitral prescindir de fundamentação se assim acordado pelas partes.

A pesquisa da Queen Mary University de 2015 sobre arbitragem internacional (Queen Mary/White & Case 2015 International Arbitration Survey: Improvements and Innovations in International Arbitration)[11] demonstrou que os usuários dos serviços de arbitragem consideraram como piores características da arbitragem internacional os seguintes fatores: 1. Custo (68%); 2. Ausência de sanções efetivas durante o procedimento arbitral (46%); 3. Falta de conhecimento sobre a eficiência dos árbitros; 4. Morosidade (Lack of Speed) (36%); 5. Intervenção de Corte Nacional (25%); 6. Ausência de Mecanismo de terceiro interessado (24%); 7. Ausência de mecanismo de apelação para o mérito da sentença (17%); 7. Falta de conhecimento sobre a eficiência das instituições administradoras (12%); 8. Outros motivos (9%) e; 9. Falta de flexibilidade no procedimento (3%).

Podemos observar que a morosidade do procedimento ordinário e os custos estão entre as principais razões de insatisfação das partes na arbitragem internacional. A previsão da arbitragem expedita pelas instituições surgiu justamente para solucionar esses dois principais pontos para as causas de menor complexidade e ou valor.

 

III Aplicação institucional

Na tabela abaixo podemos sintetizar algumas características das principais regras de arbitragem expedita do Brasil e do mundo (consideramos os regulamentos vigentes em 12 de fevereiro de 2023). Vejamos:

Independentemente da instituição eleita pelas partes, as regras de arbitragem expedita devem observância aos princípios fundamentais da arbitragem, principalmente, o contraditório, a igualdade das partes e a autonomia da vontade das partes.

Portanto, o advogado que fará uso de tal serviço deve conhecer bem as regras e nuances dos distintos regulamentos ou regras de arbitragem expedita para ter uma atuação eficiente em sua relação com o tribunal arbitral, com a instituição administradora, e com seu cliente.

 

IV Sugestões práticas

O advogado diligente deve ser buscar a alternativa mais eficiente para a solução da disputa de seu cliente. Além da arbitragem expedita existem alternativas como a utilização das cláusulas híbridas (Med-Arb e Arb-Med) como também das cláusulas escalonadas (Neg-Med-Arb). A utilização de cláusulas temporais (Time Clauses) para a duração da mediação prévia à arbitragem também é boa técnica para gerar confiança no cliente que a mediação não perdurará se infrutífera (ex: estabelecer prazo de seis semanas para a duração da mediação que seguirá diretamente para arbitragem após tal prazo). Uma possibilidade que pode ser eficaz para empresas menores ou novas como startups seria a adoção de uma cláusula híbrida com arbitragem expedita (Med-Arb Expedita).

Outra estratégia é utilizar guias (Guidelines) disponíveis nos principais provedores de serviços de ADR sobre redução de custos e que também dão sugestões para dar maior celeridade ao procedimento. Dois destes principais guias são da CCI e da AAA. A CCI publicou, pela primeira vez em 2007, o ICC Arbitration Commission Report on Techniques for Controlling Time and Costs in Arbitration.[12] Já a AAA divulgou o The Top 10 Ways to Make Arbitration Faster and More Cost Effective que se trata de pesquisa realizada com 40 (quarenta) árbitros americanos experientes sobre as principais medidas a serem tomadas em um procedimento arbitral para maximizar seus benefícios.[13]

O principal conselho é nomear árbitro que seja capaz de executar o regulamento de arbitragem. O árbitro é nomeado para cumprir o regulamento do procedimento escolhido pelas partes e não para fazer amigos. Se o árbitro, por exemplo, conceder sucessivas prorrogações de prazo, a arbitragem terá duração maior que o esperado (já vimos acontecer na prática). Portanto, o árbitro deve ser conhecedor do regulamento e saber utilizar seu poder de julgador na medida certa, ou seja, conferir a velocidade desejada pelas partes, com razoabilidade e sem violar o contraditório. Saber limitar a produção probatória nos termos regulamentares será essencial para a boa atuação arbitral, ou seja, o árbitro deve sim negar produção de provas que não cabem em face do procedimento ou que considera irrelevantes.

O advogado deve ter a capacidade de prever os possíveis conflitos que podem surgir no momento da inserção da cláusula compromissória em seu contrato. Caso considere que a disputa é complexa e que, portanto, exige maior dilação probatória (ex: prova pericial, arrolamento de testemunhas), então, este não deve seguir com a eleição do procedimento sumário. A arbitragem expedita será em regra documental e, na maioria dos regulamentos, com possibilidade de realização de apenas uma audiência.

A parte deve sempre considerar a possibilidade da câmara arbitral convolar a arbitragem expedita em ordinária caso considere a disputa complexa para o procedimento sumário. O contrário também pode ocorrer, ou seja, a instituição arbitral considerar a arbitragem possível de seguir o procedimento expedito e ofertar a possibilidade de convolação de uma arbitragem inicialmente ordinária em expedita.

Mesmo na arbitragem ordinária as partes poderão imprimir mais eficiência ao procedimento se cooperarem. Basta regular o procedimento e seus prazos em termo de arbitragem (ou ata de missão).[14] O caso da Fórmula 1 administrado pelo regulamento de arbitragem ordinária da CCI em Paris é a prova de que quando as partes cooperam o procedimento se torna mais eficiente (quando administrado por instituição de reputação).[15] No caso, o tribunal teve que decidir sobre uma disputa relativa à pintura dos carros de uma equipe de Fórmula 1 em um mês. O tribunal finalizou a sentença arbitral dois dias após a audiência.

Em suma, os advogados conhecedores dos regulamentos de arbitragem disponíveis são, em regra, bons gestores de procedimento e assegurarão a melhor solução para o conflito de seus clientes em termos de custos e de eficiência.

 

V Nota Conclusiva

A arbitragem expedita só faz sentido se as partes e o árbitro conhecerem e cumprirem as regras. As partes devem saber que provas desejam produzir antes de seguirem com o procedimento sumário; caso contrário, poderão ter a produção de provas indeferidas nos termos do regulamento. Os árbitros deverão sempre atuar com parcimônia e respeitando o devido processo, no entanto, principalmente na arbitragem expedita não cabe o due process paranoia, ou seja, a paranoia de observar de forma exagerada o devido processo em detrimento das regras de procedimento sumário (o árbitro que segue o regulamento aplicável corretamente e fundamenta suas decisões com coerência não pode nem deve temer anulação futura de sentença arbitral em eventual ação anulatória).

Em suma, a arbitragem expedita é uma alternativa válida dentre várias outras. No entanto, as partes devem cercar-se das boas práticas e seguir o caminho “mais curto” e efetivo para sua disputa se assim desejarem. E algumas escolhas essenciais devem ser realizadas sem atalhos, tais como a nomeação de árbitro com perfil para o bom andamento do procedimento e escolha da instituição arbitral idônea (e consequentemente das regras aplicáveis).

 

Notas e Referências:

[1] Sócio Fundador do DBFLaw. Árbitro independente. Doutor em Direito pela PUC-Rio. Pós-Doutor em Direito pela UERJ. Editor-Chefe da Revista Brasileira de Alternativa Dispute Resolution – RBADR e CoEditor-Chefe do International Journal of Law in Changing World – IJLCW. E-mail: daniel@dbflaw.com.br

[2] Vide obra essencial sobre o tema: GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de Arbitragem e Processo Arbitral. 4ª Ed. São Paulo: Almedina, 2022.

[3] A lei de arbitragem (Lei 9.307/1996) não especifica nenhuma modalidade de procedimento arbitral. Em seu artigo 21 enuncia que a arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada… Em suma, corretamente a lei observou a autonomia das partes na escolha do procedimento a ser adotado bem como a autonomia das instituições arbitrais para criarem seus regulamentos e eventuais formatações em prol da maior efetividade. Sobre a lei de arbitragem vide: SCHMIDT, Gustavo; FERREIRA, Daniel B.; OLIVEIRA, Rafael C. R. Comentários à Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Método, 2021. Vide também FERREIRA, Olavo A.; FERREIRA, Débora C. F. A; ROCHA, Matheus L. Lei de Arbitragem Comentada.3ª Ed.  Salvador: JusPODIVM, 2023.

[4] WIDJAJA, Gunawan; ANDRYAWAN; LIANDO, Victoria R. Fast track arbitration: Comparative Analysis. Advances in Social Science, Education and Humanities Research, Vol. nº 472, 2019, p. 43.

[5] Vide artigo 42 do regulamento de arbitragem vigente datado de junho de 2021 que estabelece uma arbitragem baseada em provas documentais com a possibilidade de realização de apenas uma audiência para oitiva de testemunhas, peritos e depoimentos das partes. Além disso, estabelece prazo de 6 (seis) meses para proferimento da sentença arbitral. Disponível em https://www.swissarbitration.org/centre/arbitration/arbitration-rules/. Acesso: 09.02.2024.

[6] Disponível em https://iccwbo.org/dispute-resolution-services/arbitration/rules-of-arbitration/#article_30new. Acesso: 09.02.2024.

[7] Disponível em https://iccwbo.org/dispute-resolution/dispute-resolution-services/arbitration/rules-procedure/2021-arbitration-rules/. Acesso: 09.02.2024.

[8] Disponível em https://www.hkiac.org/arbitration/rules-practice-notes/administered-arbitration-rules/hkiac-administered-2018-2#42. Acesso: 12.02.2024.

[9] Disponível em https://iccwbo.org/dispute-resolution/dispute-resolution-services/arbitration/rules-procedure/2021-arbitration-rules/. Acesso: 12.02.2024.

[10] Vide, por exemplo, o artigo 24 (2) do Regulamento de Arbitragem Expedita da SCC de 2023. O dispositivo é literal ao enunciar que o árbitro deverá considerar a todo momento a natureza expedita do procedimento. Vide: Article 24 Conduct of the arbitration (1) The Arbitrator may conduct the arbitration in such manner as the Arbitrator considers appropriate, subject to these Rules and any agreement between the parties. (2) In all cases, the Arbitrator shall conduct the arbitration in an impartial, efficient and expeditious manner, giving each party an equal and reasonable opportunity to present its case, considering at all times the expedited nature of the proceedings. Disponível em https://sccinstitute.com/our-services/rules/. Acesso: 12.02.2024. Vide também o preâmbulo do regulamento de arbitragem expedita da ADR Chambers de Toronto, no Canadá. O Preâmbulo do regulamento estabelece que o árbitro deverá administrar o procedimento de forma ativa e agressiva para garantir o cumprimento das regras de arbitragem expedita. Disponível em https://adrchambers.com/expedited-arbitration/rules/. Acesso: 12.02.2024.

[11] Disponível em https://www.whitecase.com/publications/insight/2015-international-arbitration-survey-improvements-and-innovations. Acesso: 12.02.2024.

[12] Disponível em https://iccwbo.org/publication/icc-arbitration-commission-report-on-techniques-for-controlling-time-and-costs-in-arbitration/. Acesso: 12.02.2024.

[13] Disponível em https://www.adr.org/sites/default/files/document_repository/the-top-10-ways-to-make-arbitration-faster-and-more-cost.pdf. Acesso: 12.02.2024.

[14] Sobre o termo de arbitragem vide artigo da Professora Selma Lemes. LEMES, Selma F. A função e uso do termo de arbitragem. Jornal Valor, 2005. Disponível em https://www.selmalemes.com.br/storage/2022/11/artigo53.pdf. Acesso: 14.02.2024.

[15] Vide KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle; PETER, Henry. Formula 1 Racing and Arbitration: The FIA Tailor-Made System for Fast Track Dispute Resolution. Arbitration International, Vol. 17, nº 2, pp. 173-209.

Colunista

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Daniel Brantes Ferreira
Pós-doutor em Direito Processual pela UERJ. Doutor, Mestre e Graduado em Direito pela PUC-RIO. Fellow do Chartered Institute of Arbitrators – CIArb, editor-chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR e do International Journal of Law in Changing World – IJLCW. . É professor de arbitragem do Mestrado da Ambra University, senior researcher da South Ural State University, e foi Diretor Executivo do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Além disso, é autor de livros e artigos na área de solução de disputas.

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