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Arbitragem: fundamentos e vantagens

Introdução

Para inaugurar essa coluna sobre arbitragem decidi começar pelos fundamentos do instituto. A arbitragem possui uma fundação que faz com que sua superfície floresça e pavimente o caminho para as melhores práticas e para as soluções mais adequadas para o conflito.

Tais princípios começaram a ser aplicados na esfera internacional. O crescimento da arbitragem comercial internacional começou na década de 50, especialmente após a Convenção de 1958 sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais (Convenção de NY). A Convenção torna possível a execução de uma sentença arbitral internacional em 172 países.

A arbitragem internacional depende principalmente de sua eficácia nas diferentes jurisdições locais, e a Convenção de Nova York tornou isso realidade devido ao esforço da ONU. Depende também da harmonização das normas nacionais e internacionais sobre o tema. Tal harmonização existe principalmente por causa da Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1985 e das Regras de Arbitragem da UNCITRAL de 1976 (primeira das três versões). O método mais eficaz de criação de um sistema jurídico internacional para regular a arbitragem internacional tem sido as convenções internacionais. Por exemplo, a Lei Modelo da UNCITRAL é adotada em 86 países e em 119 jurisdições. Devemos considerar também que as Regras de Arbitragem da UNCITRAL de 1976 regulam todos os aspectos e fases do procedimento arbitral e podem ser implementadas tanto em arbitragens Ad Hoc quanto institucionais uma vez que são regras neutras e notórias. Em 1982, a UNCITRAL emitiu suas Diretrizes para a Administração de Arbitragens sob as Regras de Arbitragem da UNCITRAL devido ao seu rápido crescimento de adoção. Portanto, a ONU tem desempenhado um papel crucial em tornar a arbitragem comercial internacional mais harmônica, prática e vantajosa para as partes e os Estados.

O sucesso da arbitragem internacional foi, paulatinamente, transportado para as esferas domésticas, e referendados por leis de arbitragem e jurisprudência dos países que são considerados “amigáveis à arbitragem”.

 

Fundamentos

A arbitragem nasce e tem suas regras estabelecidas pela autonomia da vontade o que podemos observar no artigo 1º da lei de arbitragem brasileira (Lei 9.307/1996). Ou seja, qualquer pessoa capaz de contratar pode, em acordo com a outra parte, estipular uma cláusula de arbitragem (cláusula compromissória) em contrato para disputas relativas à direitos patrimoniais disponíveis (direitos negociáveis e alienáveis).

A autonomia da vontade também prevalece na escolha da câmara que irá administrar o procedimentos arbitral ou até mesmo na opção por uma arbitragem não-institucional (ad hoc ou avulsa).

Havendo um conflito e instaurando-se a arbitragem as partes também deverão nomear os respectivos árbitros (em caso de tribunal arbitral colegiado) ou árbitro único (mais utilizado na arbitragem expedita – de menor valor monetário). Após, deverão regular o conflito (que já pode inclusive ser regulado em linhas gerais na própria cláusula compromissória em contrato) através do termo de arbitragem (documento redigido juntamente com o tribunal arbitral que organizará o procedimento estabelecendo a cronologia do procedimento, lei aplicável, língua a ser utilizada e poderá inclusive sanar algum vício proveniente da cláusula compromissória).

Uma vez estabelecidas as regras do procedimento e a jurisdição do tribunal arbitral as partes se submetem a jurisdição do tribunal arbitral que, no entanto, deverão cumprir seus deveres na condução de seus trabalhos. Desde o momento do estabelecimento em contrato de uma cláusula compromissória (que é automona com relação a todo o resto do contrato – artigo 8º da Lei de Arbitragem) passa a vigorar outro princípio fundamental da arbitragem que é o princípio da competência-competência que significa que somente o tribunal arbitral poderá decidir sobre sua própria competência para julgar o caso e se, por exemplo, a cláusula é válida e eficaz (há um afastamento da jurisdição estatal por escolha das partes). Cabe mencionar que há exceções a esta regra tais como no caso de cláusulas compromissórias vazias ou patológicas e nas tutelas de urgência antecedentes (quando não há previsão de árbitro de emergência).

Os deveres dos árbitros são outro pilar da arbitragem uma vez que estes garantem a correição do julgamento e sua imparcialidade e independência. Estão estabelecidos nos artigo 13 § 6º (imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição) e no artigo 14, § 1º da Lei de Arbitragem (Dever de revelação). O dever de revelação é o dever que o árbitro possui em revelar qualquer hipótese que seja conflito de interesse ou que tenha aparência de conflito de interesses no momento de sua nomeação ou em qualquer momento do procedimento em fato que sobrevier. A legislação internacional e nacional utiliza como parâmetro para revelação qualquer fato que denote dúvida justificada. Há diretrizes utilizadas para tal revelação com exemplos práticos de situações de conflito de interesse tais como a International Bar Association (IBA) a Diretriz sobre Conflitos de Interesse em Arbitragem Internacional em 2014 da International Bar Association (IBA).

Por último, cabe mencionar que a sentença arbitral, após o advento da Lei de Arbitragem, foi alçada ao patamar de título executivo judicial (artigo 31 da Lei de Arbitragem e 515, VII do CPC), ou seja, não precisa ser homologada pelo Poder Judiciário (artigo 18 da Lei de Arbitragem).

Em suma, uma vez inserida em contrato, a cláusula compromissória obriga às partes a recorrerem à arbitragem em caso de conflito (a não ser que, em comum acordo, optem posteriormente por outra via de solução de conflitos). Cabe mencionar que as partes podem combinar a cláusula compromissória com outra via de solução de conflitos como, por exemplo, a mediação prévia à arbitragem (cláusula Med-Arb) ou até mesmo podem optar pela convivência da cláusula arbitral com a cláusula de eleição de foro, ou seja, nesse caso alguns temas seria decididos por arbitragem e outros no Poder Judiciário.

 

Vantagens

O ecossistema arbitral se desenvolveu em nosso país devido a diversos fatores tais como: o desenvolvimento de câmaras arbitrais idôneas; a capacitação dos profissionais da área e em setores específicos usuários da arbitragem; o referendo do Poder Judiciário (principalmente o STJ); ao diálogo constante da comunidade arbitral com sociedade civil, academia e poderes estatais.

A arbitragem funciona para todo e qualquer tipo de disputa? Não. A arbitragem deve ser aplicada para contratos de valor monetário relevante uma vez que gera custos consideráveis de honorários arbitrais, honorários advocatícios, taxa de administração e instauração do procedimento além dos custos do próprio procedimento oriundos principalmente da produção de provas. Portanto, arbitragem de qualidade é arbitragem administrada pelas melhores instituições (no Brasil: CAM-CCBC, CAMARB, ARBITAC, CBMA, CIESP-FIESP, CCI, entre outras) e com nomeação dos árbitros mais qualificados.

Arbitragem, portanto, não serve nem nunca serviu para “desafogar o Judiciário” em seus mais 100 milhões de processos em trâmite. Arbitragem funciona para uma prestação jurisdicional de qualidade, especializada, em regra confidencial e célere. O que serve para “desafogar o Judiciário” dentro do conceito de tribunal multiportas é a conciliação e mediação.

A celeridade é uma das principais características da arbitragem. A média de tempo de duração de um procedimento arbitral complexo é de 19 (dezenove) meses.[1] No entanto, tal rapidez sempre dependerá da colaboração das partes e da postura dos árbitros e de sua capacidade de impor os prazos acordados e o regulamento de arbitragem. A câmara arbitral administradora do procedimento também exerce importante função na agilidade do procedimento.

A arbitragem será em regra confidencial a não ser que envolva a administração pública direta ou indireta. No entanto, cada vez mais há divulgação das sentenças arbitrais de forma anonimizada e pseudonimizada em plataformas virtuais tais como o site JusMundi[2] que divulga sentenças através de acordos realizados com inúmeras instituições arbitrais.

Outra vantagem pouco abordada da arbitragem também é a não condenação em honorários de sucumbência (a não ser que seja acordado pelas partes). Os árbitros poderão, no entanto, condenar uma das partes em reembolso de honorários (artigo 27 da Lei de Arbitragem). Ou seja, esse valor de reembolso irá para a parte que desembolsou os honorários e não para o advogado (diferentemente da condenação em honorários de sucumbência nos termos do artigo 85 do CPC).

Em suma, a arbitragem faz sentido para certas disputas. Se o contrato tiver um valor monetário envolvido relevante e as partes desejarem uma solução rápida, qualificada e eficaz valerá à pena. No entanto, somente valerá à pena se bem praticada, ou seja, administrada por instituição idônea e com tribunal arbitral composto por profissionais éticos e de reputação.

 

Nota conclusiva

O Brasil hoje encontra-se em um patamar avançado em termos de arbitragem com uma lei de arbitragem eficaz, um Judiciário que (em regra) referenda a arbitragem e seus fundamentos, profissionais de qualidade na comunidade arbitral e câmaras arbitrais de excelente nível que aplicam as melhores práticas do meio.[3]

No entanto, existem tentativas de minar as boas práticas e o desenvolvimento da área no Brasil tais como o PL 3293/2021[4] (que tenta vilipendiar a confidencialidade na arbitragem, a liberdade profissional do árbitro e estabelecer critérios duvidosos para o dever de revelação do árbitro) e a ADPF 1.050/DF[5] que está sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes onde, em breves linhas, o Partido União Brasil requer ao STF estabeleça critérios constitucionais para o exercício do dever de revelação.

Em suma, o Brasil é amigável à arbitragem e possui todo o arcabouço necessário para que seu desenvolvimento continue a passos largos e para que o empresariado opte cada vez mais pela via de solução de conflitos. No entanto, seria extremamente prejudicial que práticas que descolem o país da realidade internacional sejam implementadas tais como as tentativas acima.

Melhorias são sempre necessárias, mas requerem amplo debate entre especialistas e sociedade. Os princípios fundamentais do instituto não podem, no entanto, sofrer alteração sob pena de retrocesso.

 

Notas e Referências:

[1] Vide Pesquisa de Arbitragem em Números e Valores da Professora Selma Lemes em http://selmalemes.adv.br/publicacoes.asp?linguagem=Portugu%EAs&secao=Publica%E7%F5es&subsecao=T%F3picos&acao=Consulta&especificacao=Artigos. Acesso: 14.04.2023.

[2] Vide https://jusmundi.com/en/. Acesso: 14.04.2023.

[3] Para lista com as melhores câmaras do Brasil vide Leaders League em https://www.leadersleague.com/pt/rankings/resolucao-de-conflitos-camaras-de-arbitragem-ranking-2023-camaras-de-arbitragem-brasil. Acesso: 14.04.2023.

[4] Vide em https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2300144. Acesso: 14.04.2023.

[5] Vide em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6601249. Acesso: 14.04.2023.

Colunista

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Daniel Brantes Ferreira
Pós-doutor em Direito Processual pela UERJ. Doutor, Mestre e Graduado em Direito pela PUC-RIO. Fellow do Chartered Institute of Arbitrators – CIArb, editor-chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR e do International Journal of Law in Changing World – IJLCW. . É professor de arbitragem do Mestrado da Ambra University, senior researcher da South Ural State University, e foi Diretor Executivo do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Além disso, é autor de livros e artigos na área de solução de disputas.

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