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Aula 21 – A Tutela Provisória no CPC – 15ª. Parte: aspectos Gerais da tutela de urgência – uma análise dos arts. 300 e 301, CPC – 2ª. Parte

Lembrando que na aula passada, iniciando essa questão acerca dos requisitos para a concessão da tutela de urgência, analisamos a problemática em torno do conhecimento fumus boni iuris, sintetizado na expressão probabilidade do direito, presente, acima de tudo, no caput do art. 300, CPC.

 

Quanto ao outro requisito – vamos assim dizer – material da tutela de urgência: o periculum in mora, já fizemos uma análise detida quando do estudo da tutela preventiva.

 

Então, prosseguindo, é necessário analisar outro requisito para a concessão dessa medida, que assume, conforme o caso, aspecto circunstancial ou, até mesmo, negativo (isto é: não pode estar presente).

 

Trata-se do problema da irreversibilidade, supostamente um requisito negativo, previsto no § 3º. do art. 300, CPC.

 

Sobre ele, é indispensável saber:

 

i) na própria letra da lei, é específico da tutela antecipada, não sendo pertinente à tutela cautelar.

 

Vamos tentar entender isso. Para tanto, precisamos saber o que significa, na forma prevista, irreversibilidade da medida?

 

Muito se compara essa irreversibilidade da medida com o problema da revogabilidade da decisão concessiva da medida.

 

Essa comparação é adequada?

 

Sim, porque são problemas referentes a âmbitos distintos: a primeira, dá-se na materialidade do caso (faticamente, por assim dizer); a segunda, na formalidade em si (juridicamente, como se diz).

 

Mas, mais que isso, a revogabilidade é um problema normativo; a irreversibilidade, factual.

 

Revogáveis são as decisões que, como tais, são previstas. Sabemos, ademais, que as decisões em tutela provisória são, todas elas, revogáveis, dada a incidência do art. 296, CPC, verdadeira regra geral do sistema.

 

Essa revogabilidade, porém, não garante a irreversibilidade da medida, pelo simples fato de o lógico não ser redutível ao factual, ou, como se diz, o dever-ser não ser redutível ao ser.

 

Enfim, não é o simples fato de se ter revogado uma decisão que a realidade em si é alterada.

 

O que seria, enfim, essa irreversibilidade da medida?

 

Conquanto se saiba que ela se refere ao factual, não significa que não haja algumas nuances. Há muito de problemático aqui, e muita má compreensão, por isso.

 

Essa irreversibilidade, embora factual, não é estritamente física (no sentido de alterações físicas da realidade, tampouco química ou biológica), há nela, já, uma conformação dada pelo direito. Há como que uma juridicidade no fático.

 

Então, tomando por base o (ridículo) exemplo de que a “realização de uma cirurgia cardíaca na parte” seria um caso típico de medida irreversível, verifiquemos a real conformação disto à realidade que importa ao direito, que é a realidade fática já conformada por ele.

 

Para sabermos, de fato, o que é – nesse sentido – reversível ou não, é preciso saber o interesse legítimo da parte submetida à medida deferida

 

No exemplo, suponham que o réu é uma operadora do plano de saúde.

 

É interesse legítimo de alguém que outrem não seja cirurgiado?

 

Claro que não!

 

No caso, o interesse da operadora, ré no processo, é o ser ressarcida pelas despesas que terá por força da decisão judicial, por força da necessidade de cumprir a decisão judicial.

 

Esse ressarcimento é o máximo que, no caso, a ré pode ter de interesse, e isto caso o autor não tenha, de fato, direito à tal cobertura securitária.

 

Então, no exemplo, a irreversibilidade está no fato de o autor não ter como ressarcir a ré caso venha a perder a causa.

 

Daí porque existe, ao menos como regra, outro requisito que como que completa essa questão da irreversibilidade, que é o requisito previsto no § 1º. do art. 300, CPC, referente a uma caução para garantir um eventual ressarcimento.

 

Enfim, é isto que precisa ser, antes de tudo, entendido para a correta compreensão do problema da irreversibilidade.

 

Logo, não só uma medida de natureza satisfativa (tutela antecipada, na linguagem do CPC) pode ser irreversível; a cautelar também pode sê-lo.

 

Basta pensar o seguinte numa cautelar (ou, mais amplamente, uma tutela preventiva) que, pelo tempo, faça com que o réu perca, por completo, seu interesse.

 

Por exemplo, o sequestro de um animal que iria disputar uma prova.

 

Passada a data da prova, não mais se tem como voltar.

 

No entanto, essa questão de vedar ou não a concessão da medida por ela ser irreversível é um problema estritamente normativo.

 

Logo, por expressa previsão legal, não se aplica à tutela cautelar.

 

Aplicando-se assim, tão-somente, à tutela antecipada.

ii) afastamento da incidência da regra valendo-se da proporcionalidade.

 

É, realmente, o caso de se invocar a proporcionalidade?

 

É de se frisar que – caso não de todo, ao menos de algum modo – o sistema processual brasileiro prevê a aplicação do princípio da proporcionalidade. É o disposto no § 2º. do art. 489, CPC.

 

Trata-se de uma regra que, a pretexto de regular (estabelecendo requisitos formais para tanto) o uso da proporcionalidade, acaba positivando tal uso.

 

Temos de partir disto, portanto.

 

Ocorre que, para tanto, há de haver verdadeira colisão de normas, de modo que é necessário invocar norma jurídica colidente com a prevista no § 3º. do art. 300, CPC.

 

Além disso, é necessário, obviamente, que a regra colidente contrarie, de fato, o real (e legítimo) interesse da parte adversa a quem a tutela é direcionada.

 

Tal como no exemplo dado, em que o beneficiário da tutela (realização da cirurgia cardíaca) pode não ter como ressarcir a parte ré pelas despesas.

 

Por fim, sendo o caso de irreversibilidade por impossibilidade de ressarcimento é de se observar o disposto na parte final do § 1º. do art. 300, CPC, a qual dispensa do beneficiário da justiça gratuita a prestação da caução para garantir tal ressarcimento.

 

Logo, dada essa dispensa, já há – de um ponto de vista da lei – uma proporcionalidade estabelecida em tal caso.

 

No caso, ao beneficiário da justiça gratuita, mesmo que haja essa irreversibilidade por impossibilidade de ressarcimento, a medida deve ser deferida, por força de uma proporcionalidade já feita em nível legislativo.

 

Com isso, creio que terminamos a análise do problema dos requisitos da tutela de urgência.

 

Passemos, pois, a outros de seus aspectos gerais.

 

Comecemos com a questão da competência.

 

Isto, porém, a partir da próxima aula.

 

Até lá.

 

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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