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Aula 19.3.1 – A Tutela Provisória no CPC – 13ª. Parte (ainda continuando), regramento geral: revogabilidade (arts. 296-298, CPC) – 1ª. Parte

Vamos agora analisar, dentro dos aspectos gerais da tutela provisória, o problema da revogabilidade da decisão, numa análise dos arts. 296 e 298, ambos do CPC, incluídos, como se sabe, na Parte Geral do Sistema de Tutela Provisória.

A primeira coisa que precisamos observar acerca disso é o fato de que tal problema se refere à questão da estabilidade das decisões, cuja regra geral é o art. 494, CPC. Ela dispõe que, uma vez prolatada, a decisão não pode ser alterada. Seu destinatário é o juiz da decisão. Por ela, este, salvo nas exceções previstas no próprio artigo, fica impedido de alterar o que fez. Enfim, é uma regra que impede, ao máximo, a revogação.

Isto porque revogar é ato do próprio prolator da decisão. Quem revoga algo quem o fez. Quem revoga, portanto, é quem vogou, isto é: quem proferiu a decisão. Revogar, em suma, é retirar a voz. Claro que, quando aqui se fala de juiz, fala-se em impessoalidade, está-se a referir à estrutura judiciária centrada no juiz. Não importa, porém, quem o seja. Logo, se, por algum motivo, mudar o juiz, não importa: a inalterabilidade continua a se impor.

Essa regra do art. 494, CPC, ademais, nada tem a ver, não propriamente, com a coisa julgada. Não é porque as decisões fazem coisa julgada que se tornam inalteráveis na forma do citado artigo. Não. É apenas a impossibilidade de o juiz alterar a decisão por ele proferida. É algo mais próximo de uma preclusão do poder de julgar, uma preclusão de tipo consumativo.

No entanto, trata-se de algo próprio da reserva legal. Nada impede, portanto, que se preveja o contrário. Lei de igual porte pode, ademais, prever exceções. E é exatamente disto que trata o art. 296, CPC: verdadeira exceção ao sistema. No fundo, ele dispõe que a decisão em tutela provisória é revogável a qualquer tempo. Revogável, aí, pelo próprio juiz, porque, como já sabemos, quem revoga é quem vogou, quem emitiu voz. É, ademais, regra para todo o sistema, todo o sistema da tutela provisória, de todas as tutelas que, na forma que já vimos em outras aulas, nele se enquadrem. Aliás, também conforme já visto, é exatamente esse art. 296, CPC, que dá unidade ao sistema de tutela provisória.

Mas o problema da revogação tem nuances. Vejamo-las:

i) a primeira tem a ver com o Revogar, em rigor, é grau máximo. Quem revoga desfaz, desfaz o que fez por completo. Portanto, se se pode revogar, pode-se menos, pode-se, também, modificar. Modificar é menos que revogar. Observem que o próprio art. 296, CPC, fala em revogar e modificar.

Modificar, aqui, está em sentido tanto do ponto de vista qualitativo quanto quantitativo. Pode ser, neste caso, tanto um aumento quanto uma diminuição; naquele, uma alteração. Nas ações de alimentos, por exemplo, é muito comum modificar para aumentar ou baixar o valor fixado a títulos de alimentos provisórios. Enfim – e aqui entra a modificação qualitativa-, se pode desfazer a decisão como um todo, revogando-a, pode-se mudar seu sentido, modificando-a;

ii) a segunda nuance diz respeito à eficácia da revogação, incluindo, claro, a modificação. Observem, toda revogação – é algo próprio dela – tem eficácia prospectiva. A revogação, por essência, não Difere da anulação, pois, nesta, é próprio o voltar, desfazendo-se tudo o que ocorreu. Digamos, assim, que a revogação tem uma eficácia ex nunc; a anulação, ex tunc.

Mas é possível argumentar do seguinte modo: como o beneficiário da decisão judicial responde pelos prejuízos causados quando a decisão é revogada, haveria algo de retroativo no efeito da revogação.

Trata-se de um argumento aparentemente lógico; é, porém, falho. Vejamos o porquê.

Na verdade, o que se tem aí é outra regra. Regra – já vista aqui por nós – que imputa responsabilidade civil por fato processual (art. 302, CPC, especificamente). Significa dizer que aquele que, no âmbito processual, dá causa a algo responde por um eventual dano causado. No caso, é o pedido de decisão, o pedido de decisão em tutela provisória, mais especificamente.

Assim, enquanto a decisão persistir, não há fundamento da responsabilidade. Para tanto, é necessário o desfazimento da decisão. No entanto, isso somente tem a ver com um aspecto extraprocessual da revogação; não com seus aspectos processuais propriamente. Quando, por exemplo, se revoga uma decisão, não se revogam atos que, por força dela, foram praticados, como um recurso. Este perde o sentido (perda do objeto), mas não há sua revogação de fato. Noutro exemplo, quando se revoga uma decisão, não são revogados os atos de comunicação que foram praticados por força dele.

Esse aspecto aí da responsabilidade é, portanto, um dado extraprocessual da revogação. Noutras palavras, ela é tomada como elemento de suporte fático do outro fato jurídico, o fato jurídico da responsabilidade, no caso. Não é, enfim, propriamente um efeito ex tunc (próprio da anulação), pois este faz com que aquilo que ocorreu seja tido como se nunca tivesse existido, de modo que tudo que, em virtude dele, foi feito reste desfeito. A revogação, portanto, tem eficácia ex nunc: ela e, obviamente, a modificação;

iii) terceira nuance. A revogação é uma decisão. Mais precisamente, a revogação dá-se como eficácia de uma decisão. Existe, portanto, a decisão revocatória, como também a decisão modificatória. São decisões judiciais. E, como tais, precisam ser fundamentadas. Fundamentadas em causas que lhes deem ensejo. Não são atos meramente caprichosos, sequer são discricionários. Precisam estar calcadas em algo, que constitua sua fundamentação.

Mas que algo é esse?

Não se trata de um dado posterior àquilo que seja revogável, à decisão, no caso. O que vem depois não é causa de modificação. São causas, sim, daquilo que se chama de alterações supervenientes, que tornam sem efeito o que foi feito.

O revogar (e o modificar) tem a ver com algo que já existia ao tempo da decisão mas que, por algum motivo, não foi analisado pelo juiz. É isto que há de fundamentar a decisão revocatória. Do contrário, esta será nula, por falta de fundamentação.

Observemos um exemplo. Defere-se a medida requerida antes de ouvir o réu. Este, após, comparece, deduzindo algo não analisado, como o pagamento da dívida referente à tutela deferida. Ele prova, ademais, o que deduz. Neste caso, a decisão seria atacável por recurso? Claro que sim. Mas também pode sê-lo pela possibilidade de revogação. Logo, esta funciona como uma forma de desfazimento da decisão diversa do recurso.

A causa da revogação pode, ademais, referir-se a algo que somente possa ser revelado por um fato processual, como a perícia. Isto é: posto que já existisse ao tempo da decisão, só poderia ser conhecido após sua revelação processual, que, no caso, se dá pela perícia. Por exemplo, numa ação de prestação de contas, o juiz defere uma tutela cautelar, bloqueando bens do réu. após, realizada a perícia (própria da presta~~ao de contas), descobre-se que não há saldo credor em favou do autor (ou, no mínimo, está zerado). No caso, a tutela deferida não pode se manter: ela cai, cai por revogação. Isto a partir do que? De uma causa que foi revelada ao longo do processo, por força da produção da prova pericial.

Agora, a circunstância superveniente não é – não propriamente – não é causa de revogação (nem tampouco de modificação). Ela, em rigor, é causa da perda do efeito. Torna-se, dali para frente, sem efeito. Suponham que nessa ação aí, na qual há bloqueio de valores para fins de garantir ressarcimento, o réu, ao comparecer, pague. A decisão deverá ser revogada? Não. O que ocorrerá é que, daí para frente, a decisão não terá mais efeito, seu contínuo perdeu-se. Disto, determinar-se-á o não prosseguimento do ato de bloqueio, isto pela circunstância superveniente do pagamento.

O problema do fato superveniente é tratado em outras disposições do CPC. No art. 493, CPC, acima de tudo, aplicável também à tutela provisória. E, no que tange à sua constatação, no inciso I do art. 505, CPC, também aplicável à tutela provisória.

Não é problema de revogação. Este se dá por fato já existente ao tempo da decisão revogável (ou modificável).

Enfim, se se revogar por revogar, ocorrerá a nulidade da decisão revocatória. Como nula, ela deverá ser enquadrada.

Que continuemos, na próxima aula, com esse problema da revogação da decisão em tutela provisória.

Até lá.

 

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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