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Aula 19.2 – A Tutela Provisória no CPC – 13ª. Parte (ainda numa continuação), regramento geral: responsabilidade civil no âmbito da tutela provisória (art. 302, CPC)

Dando sequência às postagens ainda referentes ao regramento geral da tutela provisória (muito embora, paralelamente, já tenhamos começado a analisar o primeiro dos regramentos específicos, no caso, o relativo à tutela de urgência), tratemos hoje do problema da responsabilidade civil no âmbito da tutela provisória.

 

Nesse sentido, posto que o art. 302, CPC, esteja inserido no Título referente à tutela de urgência, trata-se, na verdade, de uma regra geral do sistema, da tutela provisória como um todo. Há um erro de alocação do mencionado artigo, que deveria estar presente no Título anterior, referente às disposições gerais da tutela provisória.

 

Basicamente, cuida-se do problema da responsabilidade civil (= dever de ressarcir) por danos causados pela efetivação da tutela (provisória) deferida.

 

Responsabilidade da parte beneficiária da medida em favor da parte pela mesma medida prejudicada.

 

É um problema de responsabilidade civil. A especificidade, aqui, é que se refere a um fato processual, é responsabilidade (civil) por fato processual, que é a efetivação da tutela provisória, ou melhor: tem por base essa efetivação.

 

Responsabilidade por fato processual pois se dá no âmbito processual, que é como que o conjunto de tudo aquilo que se refere a um processo, a uma relação processual mais especificamente.

 

Âmbito processual é, portanto, algo mais amplo que procedimento, este é formado por determinados atos em cadeia, como a petição inicial, a contestação, a audiência, a decisão, o recurso, o pedido de execução etc.

 

Observem, o fato processual da responsabilidade civil não está dentro do procedimento, não é um ato que componha a cadeia procedimental – tal como são a petição inicial e a decisão; refere-se, porém, a um procedimento, até porque tem por base uma decisão concessiva da tutela requerida.

 

É um fato processual em sentido amplo apenas, pois externo ao procedimento.

 

Isso significa que, salvo a especificidade estabelecida na legislação processual, o regramento geral da responsabilidade civil (arts. 927-953, CC) é aplicável. Por exemplo, a regra que diz que “a indenização refere-se à extensão do dano”, art. 944, caput, CC.

 

Devemos, porém, analisar aqui aquilo que é específico, as regras presentes no art. 302, CPC, mais propriamente.

 

Outra observação que se faz necessária é que o regramento desse art. 302 já uma decorrência de um regramento geral de responsabilidade civil pela efetivação de decisões judiciais. A regra geral mesma do sistema é o art. 776, CPC.

 

Dito tudo isso, passemos à análise do art. 302, CPC.

 

De um modo tipificado, podemos dizer:

 

i) o caput do art. 302 fala em “independência da indenização por dano processual” em relação à responsabilização no dispositivo prevista.

 

E o que é esse “dano processual” aí mencionado?

 

Não seria ele o dano causado pela efetivação da medida?

 

Não, do contrário, haveria bis in idem, isto é: dever de ressarcir pelo mesmo fato mais de uma vez, o que é vedado.

 

Esse “dano processual”, em rigor, é um eventual dano causado por outros fatos que possam ter por base o mesmo elemento que dê ensejo à responsabilização do art. 302, CPC

 

Por exemplo, a responsabilidade prevista no art. 79, CPC.

 

Observem, nesse sentido, que a própria rubrica acima desse art. 79 fala em “responsabilidade por dano processual”;

 

ii) a responsabilidade mencionada no caput do art. 302, CPC, não fala em agir culposo (muito menos, em agir doloso) cometido. É por isso que se diz que essa responsabilidade é de tipo subjetivo.

 

Uma responsabilidade civil objetiva, como se diz.

 

Isto é, grosso modo: independentemente do agir culposo.

 

Algo que não é imune de críticas, todavia.

 

Vejamo-lo o porquê.

 

Primeiro, mesmo na responsabilidade civil do art. 79, CPC (responsabilidade civil por litigância de má-fé), há casos de responsabilidades, no mínimo, culposas ou, até mesmo, dolosas.

 

Por exemplo, quando o art. 80, II, CPC, prevê, como litigância de má-fé, a “alteração da verdade dos fatos” (a mentira, vamos assim dizer), está regulando aí algo doloso. Ao menos, um dolo de imputação objetiva, em que há uma previsibilidade do resultado. Não aquele dolo de intencionalidade estrita. Não se trata do erro, do engano, observem.

 

Ademais, temos de ter muito cuidado com isso, porque tudo acaba sendo considerado como mentira. Ao mesmo tempo em que vivemos numa era de proliferação de mentiras, causada pelo acesso à comunicação imediata, instantânea, praticamente; vivemos numa era em que se quer imputar ao erro a pecha de mentira. E erro não pode ser considerado uma mentira; é apenas uma má percepção da realidade.

 

Quando se fala em “alterar a verdade dos fatos” é no sentido de se saber o que se faz e, no mínimo, se prever o resultado. Algo doloso, portanto.

 

Então não é bem assim de que “toda responsabilidade civil por fato processual é desse tipo, uma responsabilidade em que se abstrai a culpa”.

 

O que precisamos saber é se a responsabilidade civil do art. 302, CPC, assim o é. Se ela é, enfim, uma responsabilidade pelo simples risco.

 

Nesse sentido, observem: temos de analisar esse problema com parcimônia. Não é algo tão simples assim. Porque, vejam: a responsabilidade não é pela simples efetivação da medida.

 

A simples efetivação, claro, pode causar dano. Mais, é natural que o cause. O natural é que a decisão cause, de fato, um dano. É algo próprio que, dela, alguém saia prejudicado. Só que pode ser um dano não indenizável. Isto pelo simples fato de esse prejuízo é o que tem de se dar mesmo. Por exemplo, se é penhorado um bem de alguém e, levado esse bem à hasta pública, lá é alienado, é claro que a pessoa executada terá um dano, uma diminuição patrimonial. Agora, o ato de penhora (e as consequências dele) pode ser, realmente, devido, aquilo que tem de se fazer mesmo: o sujeito não pagou, há de sofrer, portanto, a execução.

 

Então, não se trata de um dano como causa da responsabilidade civil. Para esta, é necessário que o dano seja indenizável.

 

Logo, na responsabilidade do art. 302, CPC, não se dá pela simples efetivação da medida. É preciso algo mais. É preciso que alguma das hipóteses dos incisos desse artigo ocorra. O que move mesmo a responsabilidade civil, o que vai tornar esse dano indenizável, é alguma dessas hipóteses. Que são, obviamente, distintas: cada uma delas precisa ser vista em sua particularidade.

 

Não se pode dizer assim que, de um modo global, a responsabilidade prevista nesse artigo é objetiva, sem que, para tanto, se analise as especificidades de cada hipótese. Porque pode haver responsabilidade numa e não haver noutra.

 

Por exemplo, na hipótese do inciso I, há: o sujeito é responsabilizado porque, tendo a medida lhe sido deferida, e a decisão lhe foi desfavorável. Ele obteve a tutela provisória e, após, na decisão definitiva, não lhe foi dado ganho de causa. É o caso daquele que, obtendo um arresto dos bens de outrem (porque, aparentemente, este, devendo, dilapida seu patrimônio), vê, ao final, negado o direito que afirma. Se o sujeito que teve seus bens arrestados perdeu uma oportunidade do mercado – dado o bloqueio sobre eles-, há sim um dano. Dano que se torna indenizável com a rejeição do pedido final.

 

Nessa hipótese do inciso I do art. 302, de fato, não há de analisar culpar. Sequer há de se presumi-la. A culpa é irrelevante.

 

Mas, por outro lado, na hipótese do inciso III, do mesmo artigo, que é, nalguma medida comum, há: se ocorrer a cessação da eficácia em qualquer hipótese legal. O juiz deferiu a medida e, depois, houve a cessação da eficácia, que é prevista, acima de tudo, no art. 309, CPC (que, embora presente no âmbito da tutela cautelar, é, em verdade, uma regra geral do sistema também. Está inserida no âmbito da tutela cautelar pelo simples fato de terem trazido do CPC velho para o atual sem se fazer a devida contextualização).

 

Nesse caso, uma dessas hipóteses de cessação de eficácia, é a não formulação do pedido principal no prazo. Requer-se a tutela provisória, tendo de, no prazo (que varia conforme a espécie de tutela provisória), formular o pedido principal. E o que se pode, nesse sentido, ocorrer: a perda do prazo. Tendo-se, automaticamente, a cessação da eficácia.

 

Acontece que o transcurso pode ser relevado, nas hipóteses em que o próprio CPC prevê isto. Havendo justo motivo, a perda do prazo pode ser relevada. Algo que denota que a perda do prazo tem um aspecto de negligência, pois o justo motivo torna necessário relevar a perda do prazo. A culpa, porém, é suposta: supõe-se a culpa. Ao que tudo indica, o sujeito foi negligente ou, pior, ao que tudo indica, ele quis mesmo perder o prazo. Algo que acontece. Por exemplo, nessa questão agora da graça concedida pelo Presidente. Deu-se a graça antes do trânsito em julgado da condenação. Algo discutível. O que o agraciado pode fazer para se livrar dessa discussão? Deixar o prazo do recurso (embargos de declaração) transcorrer ou, até mesmo, renunciar ao direito de recorrer da decisão: de dela embargar de declaração.

 

Algumas vezes, portanto, perde-se o prazo porque se quer perder mesmo; outras vezes, perde-se por negligência, por culpa, enfim. Uma culpa, porém, suposta. No entanto, pode-se provar a ausência de culpa, o justo motivo. Por exemplo, a queda do sistema.

 

Logo, a proposta aqui é de se fazer uma maior reflexão das hipóteses do art. 302, CPC, quanto a esse problema de existir, ou não, o elemento culposo na causação da responsabilidade.

 

Ademais, alguns autores (Ovídio Baptista da Silva e Daniel Mitidiero, por todos) defendem que há de haver um mínimo de culpabilidade imputável à parte. Como, por exemplo, a feitura de um requerimento de tutela provisória fundado em algo contrário a um entendimento jurisprudencial já consolidado.

 

Uma crítica de algum modo correta, mas – talvez – sem respaldo no ordenamento jurídico quanto a essa suposta necessidade de um mínimo de culpabilidade;

 

iii) os incisos do art. 302, CPC, regulam, em rigor, as causas imediatas da responsabilização. Isto é: além da efetivação da medida (causa mediata), é necessário algo mais para que se possa ter por responsabilizada a parte beneficiária dessa medida.

 

No caso, sintetizando: a causa mediata da responsabilização é a efetivação da medida em tutela provisória; já a causa imediata, as hipóteses previstas nos incisos do art. 302, CPC.

 

Essas hipóteses, por sua vez, podem ser sintetizadas do seguinte modo:

 

iii.1) aquelas que são fundadas em decisão contrária ao interesse do beneficiário da medida efetivada (incisos I e IV do art. 302, CPC, e a combinação entre o inciso III, do mesmo dispositivo, e os inciso III do art. 309, também do CPC);

 

iii.2) aquelas que não são fundadas numa decisão de tal tipo, mas sim numa inércia imputável à parte beneficiária (inciso II do mesmo art. 302 e a combinação do inciso III do mesmo dispositivo e os incisos I e II do idêntico art. 309);

 

iv) assim, quando a causa imediata for uma decisão nos moldes do item (iii.1) acima, à decisão em referência (como a do inciso I do art. 302, CPC) anexa-se uma eficácia, condenatória do beneficiário da medida ao ressarcimento.

 

E o que faz essa anexação? A lei, o art. 302, caput, do CPC.

 

Como se trata de uma eficácia anexa não há de se falar em necessidade de requerimento para obtê-la e nem mesmo de pronúncia do juiz sobre ela; a eficácia dá-se por força de lei, pela anexação feita pela lei ao fato da decisão.

 

Essa decisão é, portanto, dada a anexação eficacial mencionada acima, título executivo judicial em favor da parte prejudicada;

 

v) já quando a mencionada causa imediata não é uma decisão nos moldes acima, mas sim uma conduta inercial da parte beneficiária da medida, não há como falar em anexação eficacial; resta à parte prejudicada propor contra a beneficiária a chamada ação de liquidação de obrigação (como preconizam, Ovídio Baptista da Silva e, mais recentemente, Beclaute Oliveira Silva).

 

Essa ação, porém, pode ser proposta dentro do próprio processo no qual se deu o fato da responsabilidade civil, isto por força do p. único do art. 302, CPC. Diz o CPC que isso far-se-á sempre que possível, isto é: quando não houver algum óbice formal ou material à liquidação nos próprios autos;

 

vi) ademais, a condenação (anexada) ao pagamento do ressarcimento deve ser liquidada, e nos próprios autos, em liquidação por artigos, a liquidação do inciso II do art. 509, CPC.

 

Pois há a necessidade de analisar um fato novo, que fato é este?

 

O dano, que não foi analisado antes por ser impertinente ao procedimento.

 

Ademais, essa condenação ao ressarcimento é, além de hipotética (pois referente a um dano que pode não ter, de fato, ocorrido), sujeita à resolução (pois que se desfaz caso, na liquidação, “se descubra” não ter havido dano algum);

 

vii) por fim, a responsabilidade prevista no art. 302, CPC, refere-se apenas às partes, isto é: os sujeitos que participam com interesse na relação processual, incluindo terceiros intervenientes, na medida de sua participação; não é aplicável a terceiros alheios ao processo, estes, porém, podem ser responsabilizados (ou se beneficiarem da responsabilização) pela incidência das regras gerais da responsabilidade civil

 

Acerca da parte geral da tutela provisória ainda resta analisar o problema – central – da revogabilidade da medida. Uma análise dos arts. 296 e 298, ambos do CPC.

 

Isto será feito na Aula numerada em 19.3.

 

Até lá.

 

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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