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Caderno Proibido – Alba de Céspedes

Este é um dos livros que constam na lista de favoritos de ninguém menos do que Elena Ferrante.

Mesmo a obra tendo sido lançada há 70 nos, a forma de pensar acerca das múltiplas camadas do feminino, segue atual.

A autora era italiana e foi uma das líderes do movimento feminista que transformou a literatura e a vida italiana ao longo do século XX, além de se envolver com pautas antifascistas na época.

Valeria Cossati queria apenas buscar cigarros para o marido na tabacaria, mas acaba comprando ilegalmente um caderno preto – um item que não poderia ser comercializado aos domingos –, e faz dele seu diário. Estamos na Roma dos anos 1950, e Valeria leva a vida entediante de uma mulher de classe média, dividindo-se entre os papéis de mãe, esposa e funcionária de escritório. Há anos ela não ouve o próprio nome – o marido só a
chama de “mamãe” –, e sua relação com os filhos é marcada por conflitos geracionais.

Porém, conforme alimenta aquelas páginas proibidas, Valeria começa a notar uma profunda transformação em si mesma – cujas consequências ela ainda não sabe prever.

Valéria acoberta sua vida íntima, inteligência e lucidez. Subestimada pelas tarefas domésticas, a família recusa-se a enxergar essa mulher como um ser de complexidades e necessidades. É o caderno que leva Valéria a entrar em embate com a rotina cheia de regras e convenções, questionar o tradicionalismo enraizado e perceber frustrações recalcadas da vida privada, do casamento, da sobrecarga doméstica e o amor romântico com o marido que a enxerga apenas como uma mãe para seus filhos (Valéria perde até o
seu nome próprio quando o marido passa a chamá-la apenas de “mamãe”).

Alba de Céspedes revela as contradições da protagonista e as diferenças geracionais com a rigidez do conservadorismo que seus filhos remam contra, como um espelho dos próprios pensamentos que Valéria deposita no caderno, mas não ousa colocar em prática.

Sua parte oculta que enxerga sentido e prazer em estar sozinha, em ser uma peça primordial para o trabalho no escritório, que gosta de não estar com a família e ter suas individualidades secretas, ao mesmo tempo quer ser a melhor mãe e esposa, sustentar as expectativas sociais que depositam nela.
Um ser dividido que antes escondia, rejeitava e subestimava tanto de si, para depois de muita relutância, aceitar o mergulho no próprio”eu”; que somente a escrita e a solidão são capazes de oferecer. Os fatos importantes da sua vida, que antes não a atormentavam, agora ficam ali, escritos e à disposição de seus olhos para que ela não se esqueça deles.

Reviravoltas acontecem na sua vida, mas não na mesma intensidade que as mudanças internas.

Todas as vezes em que ela recua dos próprios desejos, dava vontade de gritar. Mas, graças a ela – e mulheres como ela -, que, hoje, podemos escolher onde e com quem estar.

Uma leitura por vezes doída, outras saborosa, e sempre necessária.

A escrita de Alba parece ter saído dos recônditos da alma de grande parte – parece-me que de todas – as mulheres nascidas até o século XX. Estão ali minha avó, minha mãe e eu. Invertendo nossos papéis vez ou outra.

“Afinal não tinha, em toda a casa, uma gaveta, um cantinho que fosse”;
“Há, desde logo, a culpa incutida às mulheres de que, quando estão a fazer algo por si mesmas, estão a ser egoístas, a roubar tempo à família e aos seus deveres domésticos…”;

Colunista

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Hannah Riff
Graduada em direito. Advogada licenciada OAB/PE. Assessora de membro do Ministério Público de Pernambuco. Graduanda em Psicologia pela Faculdade Pernambucana de Saúde. Estagiária do IMIP. Leitora por paixão. Parte dessa foz, o rio da leitura, corre em mim desde cedo. Leio porque entendi que as palavras também nascem da coragem de sentir. Esse lugar assustador e mágico de estar vulnerável e por isso, deliciosamente humano. Ler, para mim, é estender uma ponte até o peito. Fazer do papel um espelho. O percurso é entregar-se a cada página, a um sentir, a algo sentido. Espero nessa jornada poder dividir um pedaço desse amor e dessa entrega com vocês também.

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