Corrupção de menor e concurso formal de crimes
Sabe-se que, conforme disposto no art. 244-B da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), constitui crime o ato de corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la, prevendo em seu preceito secundário a possibilidade de pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Quanto à referida imputação, o entendimento doutrinário e jurisprudencial dispõe tratar-se de crime formal, ou seja, prescindindo de comprovações prévias acerca da corrupção, bastando, para a configuração do ilícito, a mera presença do menor no momento da prática delitiva.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula nº 500 que determina que a “configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal.”.
Sobre a temática, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sob a relatoria do eminente Desembargador José Luiz de Moura Faleiros, na sessão realizada em 07/03/2023, decidiu:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – ROUBOS MAJORADOS – FURTO QUALIFICADO – CORRUPÇÃO DE MENOR – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – CRIME FORMAL – COMPROVAÇAO DA IDADE DO ADOLESCENTE POR DOCUMENTOS HÁBEIS – POSSIBILIDADE – MÉRITO – CRIME DE FURTO- EMPREGO DE CHAVE FALSA – DECOTE DA CITADA QUALIFICADORA – NÃO CABIMENTO – CORRUPÇÃO DE MENOR – RECONHECIMENTO DE DELITO ÚNICO – POSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO CONCURSO FORMAL ENTRE OS ROUBOS E CORRUPÇÃO DE MENOR – ULTIMO DELITO DE NATUREZA FORMAL – CONCURSO MATERIAL QUE PODE SER APLICADO CASO MAIS BENÉFICO. – Nos termos da súmula nº 500 do STJ, o crime do art. 244-B do ECA detém natureza formal, de modo que para sua consumação não é necessário que haja prova da efetiva corrupção do menor, basta a comprovação, apenas, de que o ato ilícito foi cometido na companhia do adolescente. – Para que haja a comprovação da idade do inimputável não se faz necessária a junção de sua certidão de nascimento, desde que seja possível comprová-la por meio de documentos que sejam dotados de fé-pública. – Sendo atestado nos autos que o acusado se valeu de uma chave falsa para acionar a ignição do veículo e colocá-lo em funcionamento, deve ser mantida a qualificadora do art. 155, §4º, III, do Código Penal. – Havendo um único menor corrompido, ainda que os maiores tenham praticado em companhia destes vários delitos, há um único crime do art. 244-B do ECA. – Embora o crime de corrupção de menor seja de natureza formal, nada impede a aplicação do concurso material desta com o crime de roubo no caso em que a somatória das reprimendas se mostrar mais benéfica ao réu. – V.V. O crime previsto no art. 244-B do ECA se consuma no momento em que o agente pratica uma infração penal na companhia do menor, corrompendo-o ou facilitando a sua corrupção. Dessa forma, cada ato delituoso praticado pelos acusados, na companhia do adolescente, deve corresponder a uma respectiva corrupção. Dessa forma, deve ser aplicado o concurso formal em cada contexto delitivo para, após, ser aplicada a continuidade delitiva ou o concurso material com os demais conjuntos.” (TJMG – Apelação Criminal 1.0000.22.287551-0/001, Relator(a): Des.(a) José Luiz de Moura Faleiros, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/03/2023, publicação da súmula em 08/03/2023).
Além do caráter de crime formal do art. 244-B do ECA, a Colenda Turma Julgadora consignou no acórdão, em consonância com o entendimento atual exarado pelo excelso STJ, “que a idade do menor pode ser aferida por meio de qualquer documento dotado de fé pública, não sendo necessário, por outro lado, que esteja anexada aos autos a certidão de nascimento do adolescente”.
No caso em tela, em face do delito de furto qualificado, a defesa do recorrente ressaltou a necessidade de decote das qualificadoras de emprego de chave falsa e rompimento de obstáculo, razão pela qual a Turma Recursal explicou que não foi reconhecida a qualificadora de rompimento de obstáculo, não havendo que se falar em seu afastamento. Quanto ao emprego de chave falsa, afirmou-se que restou evidente nas provas produzidas nos autos o uso do objeto para o acionamento do veículo furtado, devendo incidir o tipificado pelo art. 155, § 4º, II, do CP.
Ainda, arguiu-se no Recurso de Apelação a necessidade de modificação da reprimenda imposta ao recorrente, sob a alegação de que, embora cometidos diversos delitos com a participação de menores de 18 (dezoito) anos, deveria incidir à pena somente uma vez o tipificado no art. 244-B do ECA, considerando que apenas um menor foi corrompido a praticar todos os atos delitivos.
Nesse ponto, diferentemente das demais teses aventadas no Recurso de Apelação cuja Turma Julgadora foi unânime, o ilustre Desembargador Alberto Deodato Neto, Revisor do acórdão, divergiu do voto condutor, afirmando que “cada ato delituoso praticado pelos acusados, na companhia do adolescente, deve corresponder a uma respectiva corrupção, ainda que seja o mesmo comparsa”, assim, para o referido Desembargador, considerando que “cada corrupção se liga ao crime ‘principal’ pelo concurso formal […] deve ser aplicado o concurso formal em cada contexto delitivo para, após, ser aplicada a continuidade delitiva ou o concurso material com os demais conjuntos.”.
Em contrapartida, o Relator, que foi acompanhado pelo 1º Vogal, sustentou que a simples existência de três atos delitivos – roubos majorados e furto qualificado –, praticados na companhia do mesmo agente menor de idade, não enseja, por si só, na incidência, em concurso formal, do crime disposto no art. 244-B do ECA à cada ato, afirmando que a ação de “corromper” é una.
Narra a decisão que, ainda que se trate de evidente hipótese de concurso formal perfeito, pois os delitos – roubos majorados e corrupção de menor; furto qualificado e corrupção de menor –, foram praticados mediante uma só ação; e que será ponderada, na dosimetria da pena, a prática de apenas um crime de corrupção de menor, “o número de infrações praticadas deve ser levado em consideração quando da eleição da fração para fins de elevação da reprimenda” pela ocorrência do concurso formal. Assim, nos casos em que a somatória das penas se revelar mais benéfica ao réu, não há óbice à aplicação do concurso material.
Forte nesses motivos, a decisão colegiada deu parcial provimento ao recurso defensivo, vencido parcialmente o Revisor, para manter a condenação dos apelantes pela prática de dois delitos de roubo majorado, assim como para um dos recorrentes a condenação por furto qualificado, mas incidindo apenas um crime de corrupção de menor, em concurso material, por entender ser mais benéfica aos agentes.
Dados do caso analisado:
TJMG – Apelação Criminal 1.0000.22.287551-0/001, Relator(a): Des.(a) José Luiz de Moura Faleiros, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/03/2023, publicação da súmula em 08/03/2023.
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