Área jurídicaPela óptica do Direito Público

Diálogos sobre Teoria do Direito

Por Edilson Pereira Nobre Júnior*

 

Leveza – diz a voz corrente – não combina com a circunspecção da linguagem jurídica. A afirmação, talvez por força da influência do “bacharelismo”[1], cujo floreio retórico – e, nalgumas vezes – farsesco – aproximava-se do diplomático, tem uma parcela de acerto. Mas não esconde, como todas as verdades pretensamente absolutas, exceções.

Uma delas está no “Diálogos sobre a Teoria Geral do Direito”[2], de Augusto Dal Pozzo, Ricardo Marcondes Martins e Tércio Sampaio Ferraz Júnior, cuja leitura recentemente galvanizou minha atenção, num cenário às proximidades da imensidão atlântica.

De conteúdo crítico e reflexivo, tem-se uma interface entre os dois primeiros autores, jovens professores de direito administrativo da PUC – SP, mas com conhecimentos e sabedoria invulgar, e um dos mestres mais notáveis da cultura jurídica brasileira, que se rejuvenesce a cada inquietação científica.

Em três encontros, nos anos de 2017 a 2022, à ribalta foram trazidas discussões em torno de um caleidoscópio temático. Não poderia ser diferente, pois uma anatomia capaz de explorar o universo valioso e esgotável da Teoria Geral do Direito assim exige.

Divagou-se sobre o Direito como ciência, a constituição e as fontes jurídicas, o perfil dos julgamentos na atualidade (os sistemas de contato), o problema da corrupção, o juiz e a neutralidade, a elaboração histórica do Direito, o sistema jurídico, a questão da justiça (Têmis e Diké), o Estado Social de Direito, democracia, mídia e verdade, a validade/invalidade em tempos sociais complexos, o controle de constitucionalidade e a coisa julgada, a revolução tecnológica, as decisões monocráticas em matéria constitucional, a viragem de paradigma no direito administrativo, a influência da cultura, o colonialismo cultural, o subjetivismo dos valores, a tolerância/intolerância, o Estado constitucional, subjetivismo e arbitrariedade, o ensino e a formação do jurista, dentre outros assuntos.

Num mesmo patamar de importância das respostas, a formulação das perguntas. Os Professores Dal Pozzo e Martins, com base num manancial teórico invejável, que é objeto de referência, desenvolveram, num exercício formidável de lógica, indagações instigantes, as quais, conjugadas com as respostas do Professor Tércio, compõem um todo harmônico, qual numa bela sinfonia.

Para não me arriscar a “dar spoiler”, fixo-me na discussão sobre a incorporação de padrões jurídicos estrangeiros ao nosso ordenamento, onde o remate: “Enfim, acho que a pergunta sobre o que seria melhor não passa pelos paradigmas que adotamos, mas passa por nós mesmos, quando aplicamos os paradigmas”[3].

A obra, vista em seu conjunto, induz uma leitura ávida, tal como no conto, que não perde tempo, e mais, como nos clássicos, é daquelas “que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los”[4].

Fica a mensagem para que o mercado livreiro, na sua missão de disseminar o conhecimento, sempre se mostre receptivo à experimentação de novos modelos.

 

Notas e Referências:

* Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de Pernambuco. Membro do Instituto Internacional de Derecho Administrativo – IIDA e do Instituto de Direito Administrativo Sancionador – IDASAN.

[1] O perfil do bacharel do século XIX, do qual surgiu o termo “bacharelismo”, é alvo da descrição de Raymundo Faoro: “Os jovens retóricos, hábeis no latim, bem falantes, argutos para o sofisma, atentos às novidades das livrarias de Paris e Londres, com a frase de Pitt, Gladstone e Disraeli bem decorada, fascinados pelos argumentos de Guizot e Thiers, em dia com os financistas europeus, tímidos na imaginação criadora e vergados ao peso das lições sem críticas, fazem, educados, polidos, bem vestidos, a matéria-prima do parlamento” (Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 3ª ed. Porto Alegre: Globo, 2001, p. 462).

[2] Belo Horizonte: Fórum, 2023.

[3] Ibid., p. 155.

[4] Ítalo Calvino. Por que ler os clássicos. Editora Schwarcz: 2007, p. 10. Tradução de Nilson Moulin.

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