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Direito e Tecnologia: o tema da vez… Será?

Abrir uma coluna sobre direito e tecnologia demanda uma apresentação do tema. Qual tal começar com a sua centralidade nos debates atuais, tanto os jurídicos, como os técnicos? É, esse pode ser um bom caminho.v

“Direito e tecnologia” é uma área de conhecimento que ainda está encontrando seus contornos conceituais e definitórios. Trata-se de um âmbito que tem diversos nomes: direito digital, direito telemático, direito da informática etc. Para alguns, inclusive e erradamente, já é tida como um ramo do direito. Essa coluna abordará alguns aspectos filosóficos, teóricos e práticos do tema para entender todas as suas limitações e possibilidades de impacto no meio jurídico. 

Meu foco aqui é alternar entre debates extremamente práticos (“qual o campo de incidência das penalidades previstas na Lei Geral de Proteção de Dados?”) até reflexões de fundo e teoria dogmática (“quais os requisitos de responsabilidade de intermediários e seu reflexo no dever de fundamentação do juíz?”). Tudo isso se volta a municiar o/a leitor(a) com informações relevantes sem descuidar do rigor analítico e do respeito à inteligência dos que se permitirem o debate.

A bola da vez? A discussão de regulação da tecnologia está nas nossas vidas: conexão à Internet; responsabilidade por conteúdo postado em redes sociais; danos ambientais pela produção em massa de terminais, celulares; proteção de dados pessoais (essa queridinha de quem está se chegando!); inteligência artificial se espalhando da lâmpada automática da sua casa até os perfilamentos algorítmicos do seu serviço de vídeo sob demanda; racismo e vigilância estatal… A lista é infinita.

Atordoados por tantas novidades, os corpos legislativos e os intérpretes do direito, entre advogados, promotores e juízes, apontam muitas vezes para dois caminhos inconciliáveis, mas igualmente falaciosos: o direito vale por si, deve apenas ser aplicado aos novos fatos ou o direito é insuficiente, deve ser substituído por “algo novo” – apesar de não se explicitar “o que”, em termos de regras jurídicas.

A dupla falsificação da realidade está no fato simples de que ao tempo em que processos interpretativos podem ampliar o alcance semântico de regras jurídicas – o direito é um processo de adaptação historicamente situado -, também a dimensão histórica dos conceitos jurídicos encontra limites à sua releitura, com base nos fatos já ocorridos. Não é, portanto, uma dicotomia.

Diferentes esforços legislativos brasileiros têm descuidado nas estruturas analíticas manejadas. O mais recente, por exemplo, é o PL nº 21/2020 (estabelece fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil), da Câmara dos Deputados, que apelou para uma linguagem principiológica (devendo-se entender como meramente genérica) e atribuiu em seu texto original uma responsabilidade subjetiva a atores do sistema de produção de ferramentas com base em IA, por entender ser esse o regime prestigiado no sistema brasileiro.

Terei a oportunidade de voltar a esse assunto, mas para explorar o exemplo: a dogmática jurídica brasileira ignorou dimensões intercalares da responsabilidade (transubjetividade) e reduziu os fenômenos, de forma a priori, a modelos ditos inconciliáveis de objetividade e subjetividade. Historicamente, entretanto, a afirmativa de que o ordenamento jurídico “prestigia” o sistema subjetivo é falsa. O regime do Código Beviláqua (1916) sofreu um ataque dogmático e reformador durante todo o século XX, e isso se mantém no séc. XXI dadas as características da indústria perigosa e de tecnologias – não só as da informação e comunicação, ou seja, não apenas aquela ligadas à Internet.

Por fim, importa anotar, nesta apresentação crítica, que o chamado “direito digital”, ou nome equivalente, não é ramo do direito. O direito digital não possui um encadeamento conceitual de pressupostos à consequentes, como os demais ramos – não há, portanto, um processo logicamente fechado de dedução conceitual, com suas vicissitudes de porosidade e ambiguidade no nível semântico. 

Tal “ramo” se pauta nas mesmas ideias gerais atribuídas ao direito público e privado, ou numa teoria geral do direito: fato jurídico, regra jurídica, relação jurídica e vontade. Sobre esses pressupostos analíticos e efetiva crítica histórica que irei abordar os temas nas próximas colunas. 

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André Fernandes
Advogado. Head de Direito Digital no Buonora & Oliveira Advocacia. Mestre em direito no Programa de Pós-graduação em Direito - PPGD/UFPE, linha Teoria da Decisão Jurídica. Graduado em direito pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE. Fundador do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec). Professor Universitário. Membro em Grupos de Trabalho de Especialistas sobre Responsabilidade Civil na Internet (GTRI/Internet Society) e Inteligência Artificial e Governança (Governo Federal/CGI.br). Ex-Presidente da Comissão de Direito da Tecnologia e da Informação (CDTI) da OAB/PE. Pesquisa: 1) estruturas históricas acerca da automação do trabalho; 2) os modelos históricos de responsabilização civil e as legislações atuais sobre intermediários tecnológicos; 3) processos decisórios da técnica multissetorial no ambiente da governança da Internet e no âmbito institucional (público e privado). Estuda a vida e obra de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.

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