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Erro no faturamento de energia elétrica: o que fazer?

Existe um tema em regulação de energia elétrica que na teoria parece ser facilmente explicado, mas que na prática não é. Por incrível que pareça, esse tema diz respeito aos pleitos de contestação à incorreção no faturamento de energia elétrica.

 

Imagine-se que consumidores cativos, nisso inclusos consumidores residenciais – como eu e você – e empresas de pequeno e médio porte, recebam uma comunicação da distribuidora local dizendo que por algum motivo o faturamento adotado na unidade consumidora estava incorreto.

 

Com isso, a distribuidora lhe informa que cobrará a parcela do consumo incorreto nos próximos meses, no dobro do período de apuração da incorreção, calculando-se o valor devido com base na média de consumo dos meses em que o faturamento estava normalizado.

 

Por exemplo, se a distribuidora identificou que em janeiro, fevereiro e março de 2022 houve faturamento incorreto da unidade consumidora, a diferença da energia medida deverá ser cobrada nos 06 (seis) meses subsequentes. Já o valor da diferença apurada poderá considerar a média do faturamento normal, ou seja, apurado no curso do ano de 2021.

 

Só que esse procedimento não é tão simples assim, porque a distribuidora precisa atender uma série de requisitos presentes na Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/21, cuja inobservância invalidará o procedimento de cobrança.

 

E é aí que vem o detalhe que torna esses casos espinhosos.

 

Quando os processos de incorreção de faturamento chegam na Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, normalmente são distribuídos para a Superintendência de Mediação Administrativa, Ouvidoria Setorial e Participação Pública – SMA. Pela confidencialidade dos dados dos consumidores e da própria natureza da ouvidoria, esses processos são autuados pela ANEEL com acesso restrito.

 

É justamente pela dificuldade de acesso aos dados concretos dos casos que se torna difícil validar uma métrica da solução média endereçada pela Agência a essas divergências de procedimento ou, ainda, de direito material alegado pelo consumidor.

 

Assim, o que eu me proponho neste presente artigo é apresentar as possibilidades de defesa do consumidor nos casos de contestação da incorreção de faturamento apurado pela distribuidora local.

 

Primeiramente, é preciso ver que o procedimento de inspeção do sistema de medição pode ser realizado rotineiramente pela distribuidora, sem a necessidade de prévia notificação ao consumidor na maioria das vezes.

 

O que é absolutamente indispensável é a apresentação do Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI ao consumidor por meio que permita a comprovação de seu recebimento. Assim, o ônus dessa prova é da distribuidora.

 

A bem verdade, o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI equivaleria à espécie de comprovação da materialidade da infração e/ou da irregularidade apurada no sistema de medição. Nos termos do voto-relator que culminou no despacho nº 655/2022, o TOI seria “condição para a fiel caracterização da irregularidade”.

 

A partir da data de recebimento da notificação do procedimento de apuração do faturamento irregular, o consumidor poderá apresentar reclamação à distribuidora no prazo de até 30 (trinta) dias, havendo ainda o direito de ofertar recurso à ouvidoria da distribuidora, no caso do julgamento na primeira instância ser indeferido. Em geral, só após a conclusão desses julgamentos, é que se poderá recorrer a SMA/ ANEEL.

 

A observância desses prazos de trâmite na distribuidora é de fundamental importância pois enquanto estiver pendente o julgamento da reclamação do consumidor, a cobrança do débito a maior estará suspensa.

 

Assim, caso o débito venha a ser cobrado antes desse prazo e a distribuidora inclua o consumidor em mora para fins de corte no fornecimento de energia elétrica, restará configurada a irregularidade da conduta da distribuidora, tornando o procedimento de suspensão no fornecimento ilegal.

 

Neste quesito é importante tomar especial cuidado com a tentativa de impetração de mandado de segurança em relação a eventual contestação judicial do corte de fornecimento de energia elétrica quando não configurada a mora do consumidor, pois pode ser que reste configurada a vedação de que trata o §2º do art. 1º da Lei nº 12.016/09.

 

Como se poderá ler no dispositivo: “não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público”. Assim, nesses casos de agravamento de irregularidade no procedimento de cobrança pela distribuidora, as vias de defesa do consumidor ficam mais comumente a encargo da Ouvidoria Setorial da ANEEL ou, ainda, de ação ordinária na Justiça Comum.

 

Pois bem. Passado o processo de comunicação da cobrança e de defesa do consumidor, tem-se as discussões em torno do memorial de cálculo da cobrança da diferença apurada no erro de faturamento da unidade consumidora.

 

Os julgamentos que chamam a atenção sobre o tema são aqueles nos quais a unidade consumidora possui alguma característica diferencial, tais como a sazonalidade ou outros benefícios tarifários.

 

Nas situações de sazonalidade, a contratação da demanda pela unidade consumidora respeita cronograma mensal, podendo-se, com isso, dizer que a média de consumação da unidade não se mantém constante. Por isso, termina sendo considerado para fins de cálculo da compensação do faturamento a sazonalidade na recuperação do consumo medido incorretamente, tais como no caso objeto do Despacho nº 3445/2021.

 

Outra espécie de julgamento que também chama atenção são os relativos à incorreta classificação da unidade consumidora, a exemplo do caso objeto do Despacho nº 436/2022. Por mais que o sistema de medição em si não apresente incorreções, a lógica de faturamento e de tarifação é alterada a depender da classificação da unidade, cabendo a discussão administrativa sobre a caraterização da unidade para fins de enquadramento na correta classe tarifária.

 

Como se pode ver nos exemplos trazidos acima, nas demandas de consumidores cativos que tratam da incorreção de faturamento de energia elétrica, ajuda bastante ter em mente a legalidade e a conformidade regulatória do procedimento adotado pela distribuidora, bem como a plausibilidade do direito material alegado pelo consumidor.

 

Por mais que cada caso seja diferente a sua maneira, certo é que todos estão parametrizados na regulação setorial da ANEEL. Então, para saber o que fazer em pleitos de contestação de erro no faturamento de energia elétrica, comece procurando na Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/21. É lá que estarão as respostas para a maioria das suas perguntas.

 

 

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Luiza Melcop
Advogada especializada em direito de energia. Associada do escritório Cortez Pimentel Advogados, com foco de atuação na assessoria jurídica consultiva e contenciosa em direito administrativo e regulatório de energia. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

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    1 Comment

    1. Texto objetivo. Parabéns!!!

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