AdministrativoÁrea jurídicaDireito Administrativo em Evolução

Govtechs, Licitações e Contratos Administrativos: como a inovação pode impactar o nosso dia a dia? Parte 2

Introdução

Na série de colunas intituladas “GOVTECHS, LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: como a inovação pode impactar o nosso dia a dia?” são tratados pontos que relacionam Administração Pública, inovação por meio de contratações governamentais e os efeitos na vida de cada um de nós, cidadãos que interagimos, recorrentemente, com o Poder Público.

Na Parte 1, já publicada no Juridicamente, foram analisados o conceito de inovação no setor público, seus principais meios de implementação, e os objetivos estatais ao fomentar práticas inovadoras (Silva, 2024).

Na Parte 2, ora apresentada, o estudo recai sobre a inovação nas licitações e contratos administrativos por meio das GovTechs, que são empresas, sobretudo startups, que aliam tecnologia, processos de trabalho e soluções ágeis, com o propósito de inovar na gestão pública, promovendo economia de recursos, incremento na qualidade dos serviços prestados, sustentabilidade nas contratações, dentre outros benefícios.

Em seguida, serão apresentados alguns tipos de produtos oferecidos à Administração Pública pelas GovTechs e os resultados de sua adoção na prestação de serviços públicos na cidade do Recife, identificando avanços e obstáculos a serem superados, integrando a Parte 3 da análise.

É um tema relevante sob os aspectos social, jurídico e econômico, pauta do dia quanto são abordados possíveis caminhos para a inovação na seara pública.

 

Govtechs como estratégia para a implementação de um Governo Digital

Nos últimos anos, a transição digital foi acelerada, exigindo que os governos aprimorem seus sistemas, centralizem suas atividades nos usuários, desenhem políticas públicas que utilizem a tecnologia existente, fomentem o desenvolvimento de novas ferramentas e promovam a colaboração entre os diversos atores envolvidos: sociedade, governo, iniciativa privada, academia e demais parceiros. Sem esquecer da complicadíssima, mas fundamental, integração entre as esferas federal, estadual, distrital e municipal.

No âmbito federal, tem sido realizado um trabalho considerável no tocante à adoção de tecnologia, com o intuito de oferecer um serviço público de qualidade e simplificado, mediante um incremento na automação de serviços e no monitoramento de sua prestação, tornando a gestão mais transparente por meio do chamado “Governo Digital” (Brasil, 2024).

Para que essa transformação seja viabilizada, ao longo dos anos, tem sido produzido um arcabouço normativo que disciplina esse processo.

A Lei da Inovação Tecnológica  (Lei n.° 10.973/2004 alterada pela Lei n.° 13.243/2016) é muito relevante ao estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, promovendo atividades científicas e tecnológicas como estratégias para o desenvolvimento econômico e social, com consequente redução das desigualdades regionais;  incentivando a cooperação e interação entre os entes públicos e privados; e direcionando o poder de compra do Estado para fomento à inovação (Brasil, 2004; Brasil, 2016).

Outro marco em relação ao tema é a Lei do Governo Digital (Lei n.° 14.129/2021), que prevê instrumentos que promovem desburocratização, modernização, fortalecimento e simplificação da relação do Poder Público com a sociedade, mediante serviços digitais, acessíveis; plataforma única do acesso às informações e aos serviços públicos;  participação social no controle da Administração Pública; apoio técnico aos estados e municípios para implantação e adoção de estratégias que visem à transformação digital da atuação administrativa; proteção aos direitos dos usuários da prestação digital de serviços públicos (Brasil, 2021c).

Para que o Governo Digital se tornasse uma realidade, foi lançada a “Estratégia de Governo Digital – EGD 2020-2023” (EGD), organizada em princípios, objetivos e iniciativas que norteiam a transformação governamental por meio da tecnologia. Os Decretos n.º 10.332/2020, n.° 10.996/2022 e n.° 11.260/2022, disciplinam as medidas a serem tomadas, conferindo publicidade ao plano estratégico junto à Administração Pública e à sociedade.

A EGD é formada por um conjunto de projetos estratégicos relacionados à evolução da transformação digital do governo federal, com o intuito de reconquistar a confiança dos brasileiros, por ser uma gestão centrada no cidadão “[…] que busca oferecer uma jornada mais agradável e responde às suas expectativas por meio de serviços de alta qualidade” (Brasil, 2020; Brasil 2022).

Os referidos Decretos traçam algumas iniciativas, com prazo de efetivação, para que se construa uma plataforma para novos negócios, dentre os quais se destacam: criar uma dinâmica de integração entre os agentes públicos de transformação digital e o ecossistema de inovação GovTech; sistematizar e disseminar conhecimentos sobre compras públicas de inovação, centrados no marco legal das startups (Brasil, 2020; Brasil, 2022).

Zapata (2023), define o Sistema GovTech como um modelo em que os governos colaboram com as startups, pequenas e médias empresas e outros atores que utilizam a inteligência de dados, tecnologias digitais e metodologias inovadoras para desenvolver soluções de problemas públicos.

Considerando a relevância do marco legal das startups e do empreendedorismo inovador para o adequado desenvolvimento do estudo, adiante, serão destacados alguns pontos da Lei Complementar n.° 182/2021.

 

Startups, desenvolvimento e inovação na prestação de serviços públicos

O cerne deste estudo, como dito anteriormente, é demonstrar como a contratação de GovTechs pode fomentar a inovação e impactar a prestação de serviços à sociedade. Para tanto, é preciso enxergar além dos objetivos tradicionalmente almejados pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos (n.° 14.133/2021), quais sejam, a seleção da proposta mais vantajosa e a garantia da isonomia entre os licitantes (Brasil, 2021b).

O procedimento licitatório pode ser um indutor de práticas de mercado saudáveis (Ferraz, 2023), que têm impacto social imediato ou futuro. Em seu artigo 11, a mencionada Lei prevê que as contratações públicas também devem almejar o desenvolvimento nacional sustentável e a inovação.

No tocante à inovação, merece destaque a Modalidade Especial de Licitação para Aquisição de Soluções Inovadoras, em seu artigo 13, com consequente celebração do Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), disciplinada no artigo 14 (Brasil, 2021a), e utilizada, preferencialmente, para a contratação de startups, com vistas a fomentar esse formato de empresa.

O artigo 13, § 4º, prevê critérios de julgamento que podem ser adotados durante a realização do procedimento licitatório: o potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a Administração Pública; o grau de desenvolvimento da solução proposta; a viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução; a viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos; e a demonstração comparativa de custo e benefício da proposta em relação às opções funcionalmente equivalentes (Brasil, 2021a).

Quanto ao contrato, a Lei detalha quais são as cláusulas necessárias, no artigo 14, §1º: as metas a serem atingidas para que seja possível a validação do êxito da solução inovadora e a metodologia para a sua aferição; a forma e a periodicidade da entrega à Administração Pública de relatórios de andamento da execução contratual; a matriz de riscos entre as partes; a definição da titularidade dos direitos de propriedade intelectual das criações resultantes do CPSI; e a participação nos resultados de sua exploração (Brasil, 2021a).

Nesse modelo, as startups poderão ser remuneradas por preço fixo; preço fixo mais remuneração variável de incentivo; reembolso de custos sem remuneração adicional; reembolso de custos mais remuneração variável de incentivo; ou reembolso de custos mais remuneração fixa de incentivo, a depender das regras estabelecidas no edital da licitação. Há um explícito incentivo à eficiência e a necessária avaliação dos resultados, pois estão atrelados à remuneração.

Vistas as normas necessárias para que se transite com segurança jurídica pelas contratações mencionadas, serão analisados, na Parte 3, alguns produtos produzidos por startups para a prestação de serviços públicos na cidade do Recife, com o intuito de observar como o poder compra tem sido utilizado para fomentar a inovação, bem como, os principais gargalos a serem superados nesse processo.

Até breve!

 

Notas e Referências:

BRASIL. Lei Complementar n.° 182, de 1° de junho de 2021. Institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador; e altera a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp182.htm. Acesso em: 17 jun. 2024. a

BRASIL. Lei n.º 14.133, de 1° de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 18 jun. 2024. b

BRASIL. Lei n.° 14.129, de 29 de março de 2021.  Dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital e para o aumento da eficiência pública e altera a Lei nº 7.116, de 29 de agosto de 1983, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, a Lei nº 12.682, de 9 de julho de 2012, e a Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14129.htm. Acesso em: 17 jun. 2024. c

BRASIL. Decreto n.º 10.332, de 28 de abril de 2020 (alterado pelos Decretos nº 11.260/2022 e 10.996/2022). Institui a Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Decreto/D10332.htm. Acesso em: 16 jun. 2024.

BRASIL. Lei n.º 13.243, de 11 de janeiro de 2016. Dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação e altera a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13243.htm – art2. Acesso em: 18 jun. 2024.

BRASIL. Lei n.º 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências, 2004. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.973.htm.  Acesso em: 18 jun.2024.

BRASIL. Portal de Compras do Governo Federal (PCGF). Compras homologadas em 2023. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br. Acesso em: 15 jun. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Jornada de Compras Públicas de Inovação.  Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2022. Disponível em:  https://portal.tcu.gov.br/data/files/CF/47/FE/D5/BC3348102DFE0FF7F18818A8/Jornada%20de%20Compras%20Publicas%20de%20Inovacao.pdf. Acesso em: 15 jun. 2024

FERRAZ, Luciano. Procedimento para contratação de startups pela administração pública. In: Conjur. https://www.conjur.com.br/2023-set-21/interesse-publico-procedimento-contratacao-startups-administracao/. Acesso em: 18 jun. 2024.

SILVA, Roberta Cruz da. Govtechs, Licitações e Contratos Administrativos: como a inovação pode impactar o nosso dia a dia? Parte 1. In: Juridicamente – compartilhando ideias e experiências. Disponível em:

https://juridicamente.info/govtechs-licitacoes-e-contratos-administrativos-como-a-inovacao-pode-impactar-o-nosso-dia-a-dia-parte-1/. Acesso em: 19 abr. 2025.

ZAPATA, Enrique; ROGERSON, Annys; MBAYO, Horlane; ILDA, Kate; TRIM, Kirst; FUENTES, Pablo; ESCALATA, Jorge; Pasquarelli, Walter. (2023, September). Índice Govtech de ciudades Iberoamericanas 2023. Distrito Capital: CAF- Banco de desarrollo de América Latina y el Caribe. Disponível em: https://scioteca.caf.com/handle/123456789/2130 . Acesso em: 16 jun. 2024.

Colunista

Avalie o post!

Incrível
1
Legal
0
Amei
0
Hmm...
0
Hahaha
0
Roberta Cruz da Silva
Doutora em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestre e Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora da Universidade Católica de Pernambuco (graduação e especialização); e da pós-graduação do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Autora e coautora de diversos artigos científicos e livros jurídicos. Pesquisadora do Grupo GEDA/UNICAP/CNPQ. Advogada.

    Você pode gostar...

    Leave a reply

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *