Início da jornada: o que deve mover os atores do Tribunal do Júri?
Olá, amigos do Juridicamente!
É com muita alegria e satisfação que inicio esta coluna, cuja finalidade é compartilhar minha vida no Tribunal do Júri, ao longo de mais de uma década de atuação como advogado, promotor e juiz-presidente.
Não obstante já ter exercido as três funções junto à Tribuna encantada, a coluna vai se restringir, preponderantemente, às minhas reminiscências de “jovem” Promotor do Júri do Ministério Público Potiguar. Foram 196 plenários ao longo de 8 anos de atuação.
Basicamente passei minha juventude debatendo o direito à vida. Lá na Tribuna aprendi o verdadeiro significado da palavra saudade: a presença constante da ausência de quem se ama.
Minha paixão pelo Tribunal do Júri começou quando ainda era criança. Meu pai era Juiz de Direito no Estado de Pernambuco e, muitas vezes, me levava para assistir aos julgamentos. Destacava sempre a função de cada um dos que falavam ao longo da sessão. Não sabia meu velho que ali despertava em mim uma das minhas maiores paixões da vida.
Ao sair da Faculdade de Direito fiz meu primeiro júri como advogado. Por ironia do destino, na cidade de Natal/RN, onde anos depois tomaria posse como Promotor de Justiça. Enfrentei um dos maiores tribunos do Júri Potiguar: Augusto Flávio Azevedo. Tempos depois, tornou-se meu colega e amigo. É, sem dúvida, um dos melhores oradores da Tribuna. Resultado do meu primeiro júri: réu condenado de forma unânime. Naquele tempo ainda eram abertos todos os votos. “Perdi” de sete (7) a zero (0). Voltei pra casa desanimado. O que teria feito de errado? Minha oratória foi treinada, meu discurso foi harmônico. O que me faltou? Pensava.
Depois descobri: faltou verdade nas minhas palavras; faltou sentir, ter convicção naquilo que estava defendendo. Faltou brilho nos olhos e crença na inocência do meu constituinte. Ao final do Júri, Augustão, como é conhecido pelos colegas, olhou-me e disse: “o doutor é um jovem advogado brilhante, mas no Júri é necessário mais que o conhecimento técnico-jurídico, há que se pôr a alma; deixar que as palavras saiam do coração. O doutor falou bem, eloquente, mas não botou o coração”. Lembro-me até hoje de cada palavra!
Mas como poderia defender com a alma alguém que sabia ser culpado? Só se põe a alma naquilo em que se acredita. Somente os cínicos defendem com verdadeira paixão as iniquidades e injustiças. Aquilo não era pra mim, pensei!
Então, veio meu segundo júri. Sustentei a legítima defesa. O fiz com paixão. Acreditava que meu constituinte havia atuado utilizando os meios disponíveis e necessários para repelir, proporcionalmente, agressão atual e injusta contra seu direito à vida. Lembrei-me do Promotor Augusto: há que se pôr o coração, doutor!
As cordas do meu coração tintilavam de energia. A absolvição era a medida de justiça e o porto ao qual queria chegar. Minha voz e emoção eram, respectivamente, o barco e o vento que me levariam ao cais seguro e justo da absolvição. Coloquei minha alma em ação. Finalizei a tréplica de forma poética. Convidei os jurados a não embarcarem no ressonar do pedido de injusta condenação. Pedir-lhes que reconhecessem que o réu, ao matar, exerceu seu direito de continuar vivo, pois condená-lo seria retirar-lhe o direito sagrado de defesa, sem o qual a vida não vale a pena ser vivida. Resultado do júri: absolvição.
Daquele dia em diante, resolvi que somente aceitaria fazer júris quando acreditasse na tese que defenderia na Tribuna. Percebi, no entanto, que não poderia sobreviver daquela advocacia. Não era fácil angariar mensalmente acusados inocentes ou que não mereciam a aplicação da justa sanção penal.
Olhava para os Promotores do Júri e sentia aquela ponta de inveja: como deveria ser bom estar na Tribuna para defender a vítima, que, geralmente, é inocente ou, pelo menos, teve sua vida ceifada de forma injusta. Decidi, então, fazer concurso para Promotor de Justiça.
Todavia o destino não nos pertence, e o primeiro concurso em que tomei posse foi o de Juiz de Direito do Estado da Bahia. Minha primeira e inesquecível comarca: Chorrochó. Na primeira semana de atuação: três júris antecipadamente marcados pelo colega que me antecedeu. O juiz noviço não fugiu do combate. Acreditava eu que sabia tudo de júri. Afinal, havia feito mais de 10 plenários como advogado. Nada me surpreenderia. Ledo engano!
Fruto da imaturidade que, no mais das vezes, contamina todos o neófitos. Já nos ensinou Nelson Rodrigues, ao ser indagado sobre qual conselho daria aos jovens, disse o gênio: envelheçam com urgência! A frase dispensa maiores comentários. É genial na sua integralidade. E se concretizou mais uma vez comigo.
A soberba da juventude me bateu à porta: não sabia fazer corretamente a quesitação. Liguei para meu velho pai, não atendeu. Lembrei de um processo de Homicídio que estava aguardando minha decisão de admissibilidade recursal. Corri para o gabinete. Abri os autos, procurando alguma luz, enquanto todos aguardavam: advogados, promotor, jurados, servidores e o público. Folheando os autos processuais, encontrei uma quesitação: a copiei. Caia como uma luva para o caso que estava sob julgamento.
Voltei para o plenário garboso, fingindo ser um prócere jurídico, como se nada tivesse acontecido. Mas, por dentro, a vergonha de não saber fazer a quesitação inquietava meu ser. Pensei: fiz 10 júris e nunca pensei em entender a lógica da quesitação!
Passei dias pensativo, angustiado, quis até desmarcar os demais júris. Todavia, iria passar o resto da vida fugindo do júri? indagava-me! Neste momento, entendi a lição do meu grande Professor: no Júri, há que se pôr a alma em qualquer função que se vá desempenhar. Sem colocar a alma, não se alcança a essência do Júri.
Pouco mais de um ano após meu ingresso na Magistratura, veio a nomeação para o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte. Seria, finalmente, Promotor do Tribunal do Júri. Na Tribuna da sociedade já cheguei pondo minha alma.
E é sobre isto que versará esta coluna: como coloquei minha alma na Tribuna do Júri Potiguar. Convido-os a acompanhar minha jornada, que se findou em abril de 2022, mas que me acompanhará pelo resto dos meus dias, pois dediquei à Tribuna da sociedade o melhor da minha alma, com paixão, e os melhores dias da minha juventude.
Espero que minhas reminiscências auxiliem os jovens promotores, juízes e advogados. Oxalá, consiga tocar a alma de algum Tribuno. A primeira lição, não é minha, é de Augusto: no júri, há que se pôr a alma!