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O DIREITO AO VOTO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – SEGUNDA PARTE

O período das eleições marca a vitória da democracia em nosso país, haja vista a existência de instrumentos que ecoam a participação do povo brasileiro nos rumos do país através da escolha daqueles que serão seus representantes nos próximos anos. As eleições de 2022, além de consagrar o princípio democrático, trouxe importantes avanços em distintos segmentos.

É imperioso ressaltar que o presente texto não tem o condão de discorrer sobre os programas políticos das campanhas, as ideologias e as propostas governamentais apresentadas pelos candidatos do pleito, tampouco comentar um ou outro acontecimento durante a corrida eleitoral. O viés é unicamente discursar sobre as medidas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral no que toca ao voto da pessoa com deficiência.

Diante disso, cumpre trazer à baila o objetivo da postagem anterior dessa coluna, cuja finalidade foi traçar as considerações gerais sobre a participação política do grupo hipossuficiente em voga nas escolhas de seus representantes políticos – especialmente após as alterações da Lei nº 13.146/15 (Lei Brasileira de Inclusão ou, ainda, Estatuto da Pessoa com Deficiência) –.

Sem pretender escoar todo o tema novamente, mister se faz trazer rápida contextualização sobre a primeira parte, a qual fora apresentada anteriormente. Diante das mudanças provocadas, o Estatuto da Pessoa com Deficiência esvaziou o rol do artigo 3º do Código Civil – restando apenas a menoridade de 16 (dezesseis) anos como hipótese de incapacidade absoluta – e restringiu o instituto da curatela unicamente aos atos patrimoniais da vida civil do sujeito, determinando que o curatelado será relativamente incapaz.

Dessa forma, os atos existenciais ficam livres para que sejam praticados pelo próprio sujeito curatelado. Com isso, o planejamento familiar, a escolha de determinado curso e tantas outras escolhas pessoas ficam a cargo do indivíduo irrestritamente, via de regra. Inclusive o voto, segundo o artigo 85 da Lei nº 13.146/15.

Logo, é possível concluir que a curatela não suspenderá o voto da pessoa com deficiência salvaguardada pelo instituto da curatela, pois a única causa, prevista constitucionalmente, é a incapacidade absoluta – a qual subsiste somente para o caso da menoridade de 16 (dezesseis) anos, conforme mencionado alhures – e que o próprio ordenamento jurídico, por meio de dispositivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência, garante a excepcionalidade de referido instituto que não recairá sobre os atos existenciais, fazendo menção expressa no artigo 85 da Lei nº 13.146/15 sobre o voto.

Por este modo, frisa-se que as eleições de 2022 promoveram avanços para as pessoas com deficiências, uma vez que corroborou e ampliou direitos e garantias conquistados. Através da Resolução nº 23.659/21 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – cujo intento era dispor sobre a gestão do cadastro eleitoral e sobre os serviços eleitorais que lhe são correlatos –, houve a solidificação de políticas públicas para o amplo acesso da pessoa com deficiência intelectual a se tornar cidadão.

Ab initio, a referida resolução preceitua em seu artigo 1º, IV, que adota como uma de suas outras diretrizes para definir a gestão do cadastro eleitoral e a prestação dos serviços eleitorais a expansão e especialização dos serviços eleitorais com vistas ao adequado atendimento a pessoas com deficiência e grupos socialmente vulneráveis e minorizados.

Em seguida, merece atenção o artigo 14 da Resolução nº 23.659/21 do TSE. Já no caput, há a disposição de que é direito fundamental da pessoa com deficiência, inclusive a que está protegida pelo manto da curatela ou sujeita ao instituo da tomada de decisão apoiada – a implementação de instrumentos que promovam seu alistamento e o exercício de seus direitos políticos em igualdade de condições com as demais pessoas.

Veja-se que está assegurado o compromisso de criar e/ou aperfeiçoar mecanismos que propiciem o alistamento eleitoral e o exercício do voto do sujeito com deficiência, ainda que curatelado ou colocado sob a tomada de decisão apoiada. Tanto está plasmado tal comprometimento que o §2º do citado artigo 14 prevê a possibilidade de escolha – no ato de alistamento, transferência ou revisão – de local de votação que permita sua vinculação a seção eleitoral com acessibilidade dentro da zona eleitoral.

Ainda, permitiu a indicação, no prazo estipulado pela Justiça Eleitoral para cada pleito, de local de votação diverso daquele em que está sua seção de origem, no qual prefere exercer o voto, desde que dentro dos limites da circunscrição do pleito devido a premência de ambiente plenamente acessível, bem como eleger pessoa de sua escolha como acompanhante para prestar auxílios durante o ato de votar, ainda que não tenha requerido antecipadamente ao juízo eleitoral.

É interessante expor que, sobre o primeiro – qual seja a indicação no prazo estipulado do local da votação –, caso não tenha sido feito o requerimento, o eleitor com deficiência ainda poderá informar ao mesário suas limitações, para que a Justiça Eleitoral providencie as soluções adequadas no momento.

Por sua vez, destaca-se que o acompanhante – que deverá ser autorizado pelo presidente da mesa após avaliar sua imprescindibilidade – não poderá estar a serviço da Justiça Eleitoral, de partido político ou de federação de partidos e que, além de ingressar na cabina de votação, poderá até mesmo digitar os números para a pessoa com deficiência.

Traçados tais pontos sobre a resolução combalida, cumpre repisar trecho da publicação anterior da coluna Voz e Vez da Pessoa com Deficiência quando aventou-se a possibilidade de buscar medidas excepcionalíssimas judicialmente para restringir determinados atos existenciais da vida civil, como é o caso do voto. O curatelado sem quaisquer condições de discernir e de exprimir sua vontade pode sofrer prejuízos oriundos dessas restrições. Como o instituto por si só tem o condão de proteger os interesses, é justo que, apenas quando imprescindíveis, medidas restritivas sejam impostas para evitar ou diminuir eventuais efeitos deletérios.

No caso da pessoa com deficiência intelectual, aplica-se à mesma lógica: estando curatelada e não possuindo capacidade de autodeterminação – comprometimento de suas habilidades cognitivas, isto é, de seu discernimento –, determinadas limitações de atos existenciais podem ser estabelecidas judicialmente.

Referente ao voto, além de referida possibilidade, elenca-se que a Resolução nº 21.920/04 – aplicável a todas deficiências (física, sensorial, mental e intelectual) –traz em seu bojo a isenção das pessoas com deficiência de sanções caso seja impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais. Diante disso, mediante requerimento – pessoal ou por seu representante legal ou por procurador constituído – devidamente instruído com os documentos que atestam a deficiência, poderá solicitar ao juízo eleitoral a expedição de certidão de quitação eleitoral, com prazo de validade indeterminado.

Embora existam críticas sobre a resolução alhures, a presente publicação unicamente registrará a viabilidade de eximir aqueles sem condições de exercer sua cidadania e que, portanto, não devem sofrer as sanções previstas legalmente diante do descumprimento ser por impossibilidade ou onerosidade em demasia para votar, até pela própria ineficiência estatal de concretizar o direito à acessibilidade para a pessoa com deficiência exercer a sua cidadania.

Por fim, exalta-se que, mesmo que longe da inclusão plena, a República Federativa do Brasil vem aprimorando constantemente seus mecanismos para que oportunizem cada vez mais a participação ativa das pessoas com deficiência. Visando àquelas com limitação intelectual que não retiram sua capacidade de autodeterminação, a Resolução nº 23.659/21 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) buscou encerrar distintas discussões existentes após o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, reafirmando a garantia do voto à pessoa com deficiência intelectual, ainda que resguardada pelo manto protetor da curatela ou submetida ao auxílio oportunizado pela tomada de decisão apoiada.

 

Referências:

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO; MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Cartilha pessoas com deficiência e as eleições. Centro de Apoio Operacional (CAO) – Pessoa com Deficiência. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/w/lan%C3%A7ada-cartilha-que-esclarece-sobre-direitos-das-pessoas-com-defici%C3%AAncia-nas-elei%C3%A7%C3%B5es. Acesso em 16 de nov. de 2022.

DIAS, Joelson; JUNQUEIRA, Ana Luísa; ANDRADE, Bruno. O direito à acessibilidade nas eleições. Consultor Jurídico-CONJUR. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-abr-04/direito-eleitoral-direito-acessibilidade-eleicoes. Acesso em 16 de nov. de 2022.

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Murilo Muniz Fuzetto
Doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Bacharel em Direito e Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Toledo Prudente Centro Universitário. . Supervisor de Prática Profissional na Toledo Prudente, auxiliando nas disciplinas de Estágio Supervisionado I (meios autocompositivos de solução de conflitos) e de Estágio Supervisionado II (arbitragem). . Advogado. Sócio do escritório Fuzetto & Zago Advocacia e Consultoria.

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