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O contexto histórico da Pessoa com Deficiência

As últimas postagens da coluna Voz e Vez da Pessoa com Deficiência ficaram responsáveis por abordar e discutir sobre o voto da pessoa com deficiência intelectual. Apenas com o intuito de contextualização, a Lei nº 13.146/2015 trouxe importantes alterações na teoria das incapacidades adotada pelo ordenamento jurídico e no instituto da curatela, cujo objetivo foi contribuir para a emancipação da pessoa com deficiência.

A partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o sujeito curatelado é considerado relativamente incapaz, tendo apenas os atos patrimoniais/negociais restritos e não abarcando aqueles tidos como pessoais. Por este modo, o direito ao voto passa a ser devidamente efetivado para a pessoa com deficiência intelectual sob o manto da curatela, uma vez que o referido instituto não afasta de imediato a participação eleitoral.

Findadas as discussões sobre as mudanças promovidas pela Lei Brasileira de Inclusão, cumpre arguir sobre demais políticas públicas que são ou que podem ser aplicadas na busca pela inclusão social plena. A participação democrática é deveras importante para o exercício da cidadania, concretizando o viés inclusivo para o grupo hipossuficiente em foco. Todavia outros campos da sociedade são importantes para o desenvolvimento do ser humano, o que faz que a total integração da pessoa com deficiência na comunidade seja premente para o cumprimento dos princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Isonomia.

Os próximos textos serão responsáveis por abordar a educação – no caso, o ambiente escolar – e o trabalho, os quais formam importantes instrumentos para a emancipação da pessoa com deficiência. Embora a educação preceda via de regra o trabalho na vida do sujeito, começar-se-á por esse último por conta da coletânea de textos exigir a abordagem em mais postagens do que a primeira. Portanto, as publicações seguintes irão abordar sobre o trabalho da pessoa com deficiência e as ações afirmativas existentes para a inserção e a manutenção no mercado.

Além disso, a presente coluna irá ousar ao discutir sobre eventual aplicação do teletrabalho como política pública de inserção dos membros do grupo hipossuficiente em tela no mercado de trabalho, apresentando pontos negativos e positivos sobre a discussão. Mister se faz evidenciar que tal temática consiste em objeto de estudo do colunista que assina, havendo, inclusive, publicações de trabalhos acadêmicos em eventos, livros e periódicos.

Entretanto, antes de qualquer exposição sobre o tema alhures, far-se-á necessário traçar breve escorço histórico sobre a pessoa com deficiência no contexto social. Mister se faz esclarecer que a abordagem será mundial e abarcará as nações ocidentais, haja vista ter influenciado a sociedade brasileira. O objetivo é demonstrar a importância de políticas públicas que fomentem o ingresso e a continuidade dos membros dessa classe de seres humanos no mercado de trabalho diante da visão de improdutividade que circundava à época – e de certa maneira permanece até os dias atuais –.

Ab initio, apresenta-se que a visão que sempre predominou é de que o sujeito com deficiência era visto como uma falha, um fardo que era carregado pela comunidade. Embora carentes de registros históricos, é possível encontrar nos poucos vestígios arqueológicos a presença do grupo hipossuficiente desde os primórdios da humanidade. No período pré-histórico – permeado pelas crenças no sobrenatural para as explicações de acontecimentos cotidianos –, a pessoa com deficiência era considerada como possuidora de espíritos malignos ou castigada pelos deuses por erros cometidos per si ou por seus familiares.

Além disso, como as tribos eram nômades e buscavam frequentemente locais com recursos e com condições melhores de sobrevivência, a classe de indivíduo em tela era vista como fardos. Por este modo, vigorava a prática da eliminação ou do abandono em lugares inóspitos destes sujeitos. Isto também ocorreu no período da Antiguidade, inclusive naquelas tidas como as principais: Atenas, Esparta e Roma.

A primeira – considerada como o berço da civilização ocidental e famosa pelo desenvolvimento intelectual – era adepta das condutas retromencionadas. Nessa esteira, quando não eliminavam os filhos nascidos com alguma deficiência, os pais colocavam os recém-nascidos em vasilhas de argila e os abandonavam. Ressalta-se que essa prática era até mesmo estimulada por grandes pensadores da época, conforme indicam Anacleide Adami et al (2006, p. 104):

 

No caso do nascimento de um bebê com alguma deficiência, era o próprio pai quem deveria matá-lo. O extermínio de crianças com deficiências era tão comum que, mesmo os maiores filósofos da época estavam de acordo com tal costume. Platão afirmou: “no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-os morrer (…) quanto às crianças doentes e às que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto” (Platão in Silva, p. 124). Quanto a Aristóteles, seu pensamento pode ser assim resumido: “quanto, a saber, quais as crianças que se deve abandonar ou educar, devesse haver uma lei que proíba alimentar toda criança disforme” (Aristóteles in Silva, 1986 p. 124).

 

Tal visão não divergia da cidade-Estado grega Esparta, especialmente por estar impregnada com o ideal de culto à perfeição física e a filosofia bélica adotada. Por ser civilização marcada pela ideologia beligerante, a política era voltada para o aprimoramento e a expansão militares, não comportando indivíduos considerados como inaptos para integrar as fileiras do exército. Diante disso, a criança recém-nascida devia ser apresentada a um conselho formado por anciões para que fosse avaliada e, caso considerada fraca ou constatada alguma deformidade, era abandonada ou eliminada pela família.

Há ligeira melhoria no tratamento dispendido à pessoa com deficiência com o surgimento – e posterior dominação – do Cristianismo, uma vez que alterou o modo de pensar da sociedade sobre a presença deste sujeito: deixa de ser visto como endemoninhado e passa a ser considerado como filho de Deus e digno de cuidados. Por conta desse viés, a Igreja Católica cria asilos, hospitais e demais instituições para cuidar do grupo em comento, propiciando moradia e alimentação. Apesar de tal mudança paradigmática, ainda não há o ideal de inclusão, visto que tal comportamento segregava tais sujeitos em confinamentos, evitando toda e qualquer forma de contato com a sociedade.

Isto só se altera com a Idade Moderna, principalmente pela impulsão do renascimento cultural e cientifica que primava pela busca do conhecimento. Outrossim, destaca-se o crescimento do movimento empírico, que incentivava a realização de experimentos para percepção da aplicação teórica no mundo real. Oriunda das pesquisas empíricas a compreensão de que a deficiência era manifestação biológica, facilmente compreendida anatomicamente, afastou-se totalmente a ligação sobrenatural.

O embrião da inclusão social somente evolui e delineia um corpo após as duas Grandes Guerras Mundiais, cujo aprimoramento foi possível apenas com a conjugação de fatores sociais que modificaram a mentalidade das pessoas. Tais fatores imprescindíveis foram os conflitos bélicos e a Revolução Industrial.

No caso do primeiro, a inexperiência e a alta demanda aliadas às condições precárias de trabalhos colaboraram com a ocorrência e o aumento de acidentes que, na maioria das vezes, mutilavam os empregados e com o surgimento de doenças profissionais. Por sua vez, as guerras contribuíram para a evolução do conceito de inclusão social devido ao fato de que inúmeros combatentes retornavam mutilados dos campos de batalhas e encontravam dificuldades na reinserção social, pois eram considerados como improdutivos e, consequentemente, eram marginalizados.

Percebe-se que ambos fatores foram primordiais para mudança na mentalidade por conta do anseio capitalista que crescia e exigia o aumento vertiginoso na produção de bens. Ademais, em relação às guerras, a necessidade de fabricação em massa de armamentos, munições e outros aparatos bélicos exigiam a presença de toda e qualquer pessoa que tivesse condições de integrar as fileiras de montagem integral.

Por sua vez, o pós-guerra consolida a premência pela inclusão social da pessoa com deficiência pela necessidade de o Estado reabilitar os indivíduos que condições de se tornarem produtivos novamente e habilitar aqueles que pudessem vir a serem considerados aptos com o intuito de que pudessem laborar para garantirem a própria subsistência, desincumbindo do dever de arcar com todos os gastos.

Por conseguinte, insta argumentar que a exposição histórica alhures permite a conclusão de que a primeira fase da inclusão social da pessoa com deficiência surge com o interesse de o Estado se desonerar das obrigações de garantir a subsistência desse grupo hipossuficiente, tornando-o produtivo. Entretanto, a ampliação e a evolução para subir mais um degrau na inclusão social plena perpassa pela dignidade da pessoa humana, principalmente após os efeitos deletérios do nazifascismo que promoveu o genocídio de classes de seres humanos específicos por conta do preconceito entranhado no âmago sociedade.

 

Referências:

ADAMI, Anacleide Sobral et al. Aspectos históricos da pessoa com deficiência. Educere et Educare: revista de educação, v. 1, n. 1, p. 103-108, jan/.jun. 2006.

FUZETTO, Murilo Muniz. A tutela constitucional aos interesses das pessoas com deficiência. Monografia de conclusão de Curso de Direito, Presidente Prudente: Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo, 2015. 76f.

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Murilo Muniz Fuzetto
Doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Bacharel em Direito e Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Toledo Prudente Centro Universitário. . Supervisor de Prática Profissional na Toledo Prudente, auxiliando nas disciplinas de Estágio Supervisionado I (meios autocompositivos de solução de conflitos) e de Estágio Supervisionado II (arbitragem). . Advogado. Sócio do escritório Fuzetto & Zago Advocacia e Consultoria.

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