Coluna do EstudanteFora da caixa

Gestão de Espectro (Spectrum Management)

Por Otávio Henrique Baumgarten Arrabal

Graduando em Direito pela FURB

 

As múltiplas prestações de serviços[1] atinentes a telecomunicações pressupõem uma organizada distribuição e manipulação da fração de um bem público (Art. 157, Lei Geral de Telecomunicações [LGT]) ônticamente «intangível, escasso e finito»[2], qual seja as faixas de radiofrequência do espectro eletromagnético (ou também dito como espectro radioelétrico)[3].

O papel do exercício de eficiência e racionalidade pela Administração Pública cuja atuação em infraestruturas está bastante vinculada a entes técnico-reguladores[4] – integrantes[5] na esfera indireta da referida Administração, manifestando funções de atividade administrativa específicas como é o caso do setor de telecom – é bastante esperado pelos players atuantes no respectivo mercado, eis que tais agentes econômicos também apresentam obrigações relativas à eficiência (Art. 160, LGT)[6]:

“Se os usuários transmitirem ao mesmo tempo na mesma frequência e suficientemente próximos uns dos outros, eles tipicamente causarão interferências que podem inutilizar os sistemas de ambos. […]. O principal objetivo do gerenciamento de espectro é maximizar o valor que a sociedade obtém do espectro de rádio, permitindo o maior número possível de usuários eficientes, garantindo ao mesmo tempo que a interferência entre diferentes usuários permaneça gerenciável.”[7]

As políticas de cunho regulatório voltadas ao espectro – elemento de «características técnicas [technische Eigenschaften]»[8] peculiares – sendo elas baseadas em técnicas de «comando e controle»[9] ou em modernas teorias (ou seja, «a maneira [the way] em que o espectro é gerenciado [is managed] tem evoluído com o tempo»[10]), cumprem ou ao menos deveriam cumprir com uma «reunião de vontades»[11] de Estado (públicas, de envergadura constitucional) e de vontades mercadológicas (privadas), eis que «a coordenação do espectro [Frequenzkoordinierung] é necessária a nível nacional e internacional»[12]:

“Spectrum policies sobre radiofrequência são baseadas nas visões de mundo dos tomadores de decisão. Em geral, nos países democráticos, a alocação de recursos escassos, redes de atendimento e mercados é moldada segundo vox populi, vox Dei e argumentum ad populum: o entendimento público comum e as construções coletivas […] orientam a política de telecomunicações. A maneira e o estilo com que as administrações regulam recursos escassos e riscos incertos dependem dos valores, objetivos e políticas dos tomadores de decisão das administrações.”[13]

Em suma, a alocação planeada em torno do spectrum management «exige muitas vezes um cuidadoso equilíbrio dos interesses e prioridades envolvidos»[14], levando-se em consideração a «forma justa [équitable], eficiente e no interesse público»[15].

A chegada e o estabelecimento da quinta geração[16] de comunicações móveis (5G)[17] e as propostas de gerações subsequentes bem elucidam as necessidades de ocupação eficiente nas faixas de espectro, “onde” até então eram destinadas[18] a específicas aplicações de gerações “passadas” ainda em operação, ou a outras aplicações presentes a exemplo das satelitais. Isto mostra que, dentre os setores regulados que operam em rede[19], «o dinamismo se apresenta como uma característica bastante especial das telecomunicações»[20].

Se o dinamismo é fator de destaque, a complexidade «das estratégias utilizadas ou em análise para a promoção mais eficiente e efetiva do uso do espectro e para o aumento de sua disponibilidade em potencial»[21] também há de aparecer como fator destacado. Reitera-se, neste ponto, o argumento tecido pelo professor Guilherme Pereira Pinheiro: «Uma boa administração e regulação dos recursos do espectro constitui, dessa forma, condição imperativa para a integração de facto da pessoa na sociedade»[22].

 

Notas e Referências:

[1] “Os serviços de telecomunicações são, atualmente, muito variados.” (Sundfeld. Pareceres. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2013. p. 209). Tais serviços, considerados como um todo, constituem o “conjunto de atividades suficientes à oferta de telecomunicação […].” (Aranha. Direito das telecomunicações e da radiodifusão. Edição do Autor, 2021. p. 253)

[2] Cfr.: (i) “É o espaço utilizado para comunicações à distância por meio da propagação de ondas hertzianas sem solução de continuidade ou orientação [guía] artificial […] incluída nos limites onde o país exerce sua jurisdição, que constitui um bem de domínio público, intangível, escasso e finito.” (Lamadrid. Espectro radioeléctrico. In: Bustamante/Rodríguez (coords.). Diccionario jurídico. Cidade do México: Tirant lo Blanch, 2023. p. 643 [tradução livre]); (ii) “A sua particular natureza jurídica mereceu a sua consideração como domínio público, como propriedade administrativa, uma vez que é afetada pela utilidade pública, tal como res communis omnium definida por García de Enterría, sendo também um bem extra commercium.” (Tobajas. El sector telefónico. Valencia: Tirant lo Blanch, 2016. p. 241-242 [tradução livre])

[3] Cfr.: (i) “[…] a radiofrequência é a faixa do espectro eletromagnético onde é possível a radiocomunicação, sendo o espectro de radiofrequências um recurso limitado e administrado pela ANATEL, que estabelece políticas regulatórias com claro viés concorrencial. Até mesmo a aquisição desse bem [rectius, a aquisição de direitos de uso sobre este bem por intermédio de atividade administrativa de ente regulador, eis que o bem em si mesmo é res fora do comércio – observação minha] passa pela elaboração de processos competitivos cuidadosamente elaborados pelo regulador, sempre levando-se em consideração aspectos de uso eficiente e rivalidade. As evoluções tecnológicas e de serviço são definidas pelos leilões organizados pela Agência, eventos com regras e requisitos para participação e realização de investimentos para roll-out mínimo.” (Excerto de resposta pública de agente econômico a ofício exarado pelo CADE em Ato de Concentração. SEI CADE 1170257, p. 10); (ii) “O espectro de radiofrequência, além de bem público, é, também elemento imprescindível para a operação do serviço público de telefonia móvel. […]. Ademais, é pacífico na doutrina que o espectro de radiofrequência é um bem cada vez mais reclamado, inclusive, para novas tecnologias do setor de telecomunicação ainda incipientes.” (Campilongo. Parecer. SEI ANATEL 7141458, p. 7); (iii) “É inegável que a Agência detém competência legal para disciplinar e administrar o uso do espectro de radiofrequência no país. Cabe a ela fazer opções de caráter técnico-discricionário, definindo a melhor maneira de ocupar o espectro. Está, portanto, dentro de seu raio legítimo de atuação adotar medidas para tornar o uso desse recurso natural mais vantajoso para os interesses da população e do país.” (Sundfeld/Câmara. Parecer. SEI ANATEL 3974769, p. 20)

[4] “Em sua dimensão institucional, o processo de transição jurídica do setor de telecomunicações caracterizou-se sobretudo pela transferência de competências pertencentes à administração tipicamente centralizada […] em favor de órgãos especializados ou agências reguladoras autônomas que, mesmo sob a figura da desconcentração administrativa, foram atribuídas por lei competências especializadas […].” (Arroyo/Tagle. Reforma constitucional de telecomunicaciones. Cidade do México: Tirant lo Blanch, 2019. p. 29 [tradução livre])

[5] Cfr.: (i) “A liberalização da atividade econômica não pôs termo à necessidade de intervenção pública para garantir a proteção do interesse geral na atividade. Como se observou, muitos serviços foram classificados como de interesse geral. A liberalização, porém, neutralizou os tradicionais instrumentos de intervenção pública em defesa do interesse geral.” (Pascual. Regulación económica: la actividad administrativa de regulación de los mercados. Valencia: Tirant lo Blanch, 2020. p. 25 [tradução livre]); (ii) Marques Neto. Parecer. SEI ANATEL 4126292

[6] “Vale destacar também que a ANATEL dispõe de mecanismos para fiscalizar a utilização eficiente do espectro, […]. A título exemplificativo, quando da análise de pedidos de prorrogação de direitos de uso de radiofrequência, a ANATEL promove análises detalhadas para avaliar a utilização eficiente do espectro.” (Excerto de resposta pública de agente econômico a ofício exarado pelo CADE em Ato de Concentração. SEI CADE 1170257, p. 11)

[7] Cave/Doyle/Webb. Essentials of Modern Spectrum Management. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 3 [tradução livre]

[8] Expressão utilizada em Bumke. Frequenzvergabe nach dem Telekommunikationsgesetz: Unter besonderer Berücksichtigung der Integration ökonomischer Handlungsrationalität in das Verwaltungsverfahren. Berlim: Duncker & Humblot, 2020. [ebook]

[9] Com amparo na realidade norte-americana e europeia, Cfr. a seguinte passagem: “A abordagem dominante para o gerenciamento do espectro antes da chegada da liberalização era conhecida como comando e controle. […]. Comando e controle pareciam deslocados em um mundo onde o uso do espectro sustentava setores de alto crescimento, como mobile e computação, e a liberalização do mercado do espectro parecia uma opção mais atraente.  O princípio-chave da liberalização do espectro é que os usuários devem pagar pelo espectro da mesma forma que pagariam para usar qualquer outro ativo, como terra ou combustível. Há então um incentivo para usar o espectro de forma eficiente, portanto, deve fluir para os usuários que podem entregar o que os economistas chamam de maior valor socioeconômico.” (Sims/Youell/Womersley. Understanding spectrum liberalization. Boca Raton: Taylor & Francis CRC, 2015. [ebook] [tradução livre])

[10] El-Moghazi/Whalley. The International Radio Regulations. Suíça: Springer, 2022. p. 10 [tradução livre]

[11] Assim como eu havia afirmado em texto anterior intitulado “Direito regulatório-setorial das telecomunicações”, em relação a «composição de forças».

[12] Bumke. op. cit. [ebook] [tradução livre]

[13] Madjar. Radio spectrum policies. Nova Jérsei: Wiley, 2016. [ebook] [tradução livre]. Outra perspectiva deste contexto é a que afirma que “a existência de um caso de intervenção governamental depende em grande parte do ponto de vista político e filosófico de cada um. Alguns consideram que o papel do governo é intervir e regular muitos aspectos da economia nacional. Alguns querem que o governo permaneça fora do negócio de regulação e permita que as forças do mercado determinem vencedores e perdedores.” (Esmailzadeh. Broadband Telecommunications Technologies and Management. Nova Jérsei: Wiley, 2016. [ebook] [tradução livre]).  Cfr., também, o seguinte: “por considerações de bem comum/interesse público [Gemeinwohlerwagungen] e demais disposições juridicas, não se pode utilizar isoladamente um conceito de eficiência puramente definido economicamente. Isso significa que a determinação de qual serviço é usado com qual frequência não pode ser deixada exclusivamente para particulares que tomam decisões com base em considerações econômicas.” (Bumke. op. cit. [ebook] [tradução livre]).

[14] Tshiyembe. Droit international des espaces et des télécommunications. Paris: L’Harmattan, 2014. [ebook] [tradução livre]

[15] Tshiyembe. op. cit. [ebook] [tradução livre]

[16] Tais gerações são frutos, também, de densos trabalhos coletivos a partir da padronização técnica (technical standards). Cfr.: (i) “Como muitos fabricantes de infraestrutura de rede competem globalmente por pedidos de operadoras de rede de telecomunicações, a padronização de interfaces e procedimentos é necessária. Sem os padrões, que são definidos pela União Internacional de Telecomunicações (ITU), não seria possível fazer chamadas telefônicas internacionalmente, e as operadoras de rede estariam vinculadas ao fornecedor que inicialmente selecionaram para a entrega de seus componentes de rede.” (Sauter. From GSM to LTE-Advanced Pro and 5G. Nova Jérsei: Wiley, 2021. [ebook] [tradução livre]); (ii) “Sem regras comummente acordadas para as comunicações dentro [within] e entre [between] sistemas de telecomunicações, com funcionalidades e interfaces, as chamadas end-to-end entre devices de operadores e países não seriam possíveis. Os padrões são, portanto, projetados em todos os níveis, tanto nacional quanto internacionalmente.” (Penttinen. Standardization and Regulation. In: Penttinen (ed.). The Telecommunications Handbook. Nova Jérsei: Wiley, 2015. [ebook] [tradução livre])

[17] “Em termos de expansão de ativos de espectro, o mobile cellular tem sido o setor de telecomunicações líder nas últimas três décadas, bem como em receitas e utilidade para a população, tanto consumidora quanto empresarial. […]. Os conceitos técnicos do 5G estão em desenvolvimento desde meados de 2012 [até mesmo antes – observação minha], desencadeados pelas condições da indústria global de equipamentos de telecomunicações.” (Forge. The realpolitik of spectrum in the global economy. In:  Sims. (ed.). The debates shaping spectrum policy. Boca Raton: Taylor & Francis CRC, 2021. [ebook] [tradução livre])

[18] Para um estudo interessante que envolve destinação, Cfr. Marques Neto. Parecer. SEI ANATEL 5463982

[19] “O certo é que, atualmente, regulação e conformidade andam de mãos dadas em quaisquer modelos regulatórios, com especial estrelato no seio das teorias da regulação apoiadas em normas e pressões sociais, aqui definidas como de incentivos intrínsecos, a partir de uma rede interdependente de influências recíprocas entre mecanismos regulatórios e atitudes dos regulados em alianças produtivas.” (Aranha. Manual de direito regulatório. Edição do Autor, 2019. p. 63)

[20] Kneips. Deregulierung und die Dynamik des Wettbewerbs in der Telekommunikation: Einführungsreferat. In: Oberender (ed.). Die Dynamik der Telekommunikationsmärkte als Herausforderung an die Wettbewerbspolitik. Berlim: Duncker & Humblot, 2015. [ebook] [tradução livre]

[21] Cfr. Flanagan. Spectrum Management. In: Walden. Telecommunications Law and Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2009. [tradução livre]

[22] A teoria processual administrativa aplicada à regulação do espectro radioelétrico. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 6, n. 1, p. 160

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