Invasão da Ucrânia e seus Reflexos
Como escrever sobre Direito Tributário quando o mundo está de ponta-cabeça? Prolonguei esta edição o quanto pude, pois confessadamente não achei a motivação para escrever. Não há introdução apropriada para o que estamos presenciando no mundo neste momento. Não se trata de um conflito localizado (que já é comportamento condenável aos piores extremos). Estamos de frente a uma tentativa de extinção de um país – algo que não se vê nessa escala desde a segunda guerra mundial.
Para além da Ucrânia (por óbvio) é especialmente penoso para os países próximos. Como pensar em investimento, negócios e tributos quando se sai na rua, mesmo aqui na Bélgica (onde resido) e se ouve: “parte de minha família não consegue fugir de casa”; “será que a Europa vai entrar em guerra de novo?”.
Assim, abandono neste post qualquer tentativa jocosa e deixo meus sinceros votos de recuperação e perseverança a todos os residentes da Ucrânia e seus familiares, colegas de profissão ou não, cujas vidas foram penosamente alteradas pela incomensurável [e outros tantos superlativos] situação que ora os abalam. É com o máximo de empatia e preocupação que sigo adiante neste texto – que não necessariamente será sobre o Direito Tributário, por mais que tudo acabe com repercussões fiscais.
Indo diretamente ao ponto:
A Rússia invadiu militarmente a Ucrânia. Vários países e regiões, incluindo UE, EUA, Japão, Canadá, Austrália e Reino Unido impuseram diversas sanções à Rússia como resposta à escalada do conflito, especialmente nas últimas semanas, quando tomou rumo para o pior.
As medidas mais recentes (até o momento em que este post foi escrito) visam tanto instituições financeiras quanto indivíduos proeminentes e vão desde o congelamento de ativos, controles de exportação e proibições de financiamento até a remoção de certos bancos russos da rede SWIFT, efetivamente desconectando-os do sistema financeiro internacional. A evidente consequência econômica é a queda da moeda e o fechamento do país (Rússia) a diversas relações além-fronteiras. O mercado rapidamente se recolhe para o lado conservador e das comodities (razão pela qual a IBOVESPA parece se sustentar).
A própria OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em publicações dos dias 24 e 25 de fevereiro de 2022, fechou as portas para a Rússia em muitos aspectos[1]. A organização anunciou que estaria “reconsiderando sua cooperação com a Rússia” e que iria tomar as medidas necessárias para fechar o escritório da OCDE em Moscou e parar todos os convites para a Rússia em níveis ministeriais e nos órgãos onde está listada como convidada.
Já que estamos falando de OCDE, na boa contramão da Rússia, o Brasil recebeu em 25/01/2022 o “reconhecimento de bom progresso”[2] suficiente para iniciar as discussões sobre a sua acessão à organização (i.e. OCDE). Roteiros individuais serão preparados para cada país que, juntamente com o Brasil, pretender aderir à organização. Porém não divaguemos muito. |
Do ponto de vista global[3] espera-se perturbação no mercado de petróleo e combustíveis, o que poderia elevar os preços e causar séria inflação. Preços de comodities como grãos e trigo (foco de exportação da Ucrânia e Rússia) também se elevam, juntamente com o preço da energia em alguns países da Europa (largamente dependentes do provimento de gás advindo da Rússia). Tudo num momento em que o globo estava lentamente se reerguendo da “fase COVID”. Por que isso é relevante? Porque Direito Tributário é diretamente relacionado às nuances políticas.
O que quero dizer é: A expectativa, de um ponto de vista político-fiscal, é que as jurisdições contrabalancem esse efeito através dos pacotes de incentivo e recuperação (novos ou antigos). Os ministros das finanças da União Europeia, por exemplo, recentemente lançaram um pronunciamento conjunto a respeito do conflito,[4] onde se comprometem a mitigar os efeitos da crise. Concordaram coletivamente em utilizar qualquer espaço de manobra fiscal para aliviar o choque econômico da guerra na Ucrânia e as novas sanções contra a Rússia. Muitos estados membros da UE, como Bélgica, Espanha e Polônia, tomaram medidas para proteger os consumidores do aumento dos preços da energia, baixando temporariamente os impostos sobre alguns combustíveis e tipos de energia e oferecendo subsídios para energia doméstica.
Isso mostra como algumas das implicações fiscais mais importantes não sejam verdadeiramente fiscais. Claro, isso não significa que o mundo parou. Poderia bem gastar alguns parágrafos aqui para falar da imposição Russa de imposto de exportação sobre seus grãos em Jun/2021 e a sua consequente redução agora, por conta do conflito. Ou que o pacote de mais de dois trilhões de dólares em reformas fiscais de Joe Biden continua estagnado nos EUA. Ou que a OCDE passou o mês de fevereiro recebendo consulta pública a respeito dos Pillars I & II. Entretanto, penso que o momento reclama outro foco. Todo o resto vem depois.
Como ajudar agora?
Ukraine Crisis Relief Fund – GlobalGiving
UKRAINE CRISIS | International Committee of the Red Cross (icrc.org) |
Notas e Referências:
[1] A Rússia participa de 26 órgãos da OCDE e três projetos nos quais tem o status de Membro, Associado ou Participante. Além disso, a Rússia está incluída nos Planos de Participação de 17 outros órgãos da OCDE.
[2] Estes documentos reafirmam os objetivos da Convenção fundadora da OCDE, à qual novos membros devem aderir, e estabelecem os valores compartilhados pelos membros da OCDE, incluindo a preservação da liberdade individual, os valores da democracia, do Estado de direito e da proteção dos direitos humanos, e o valor de economias de mercado abertas, comerciais, competitivas, sustentáveis e transparentes.
[3] Informação segundo a Reuters, disponível em: https://www.reuters.com/markets/europe/how-russian-ukraine-conflict-might-hit-global-markets-2022-01-21/. Acessado em 28/02/2022.
[4] Comunicado official disponível aqui: https://s3.amazonaws.com/pdfs.taxnotes.com/2022/2022-6379_SupportDoc_WTDDocs_EU0225n.pdf. Acessado em 28/02/2022.