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Novo marco regulatório dos Assessores de Investimentos: o que muda com as Resoluções nº 178 e 179 da CVM?

*Imagem de Claude LorrainPort Scene with the Villa Medici

 

Durante os últimos anos a atividade de assessoria de investimentos tem ganhado cada vez mais espaço no mercado brasileiro. Segundo Anuário de 2021 da Associação Nacional das Corretoras de Valores (ANCORD), o número de agentes autônomos no país saltou de cerca de 5 mil em 2017 para aproximadamente 17 mil em 2021; números que demonstram a proporção de importância que tal atividade tem tomado.

Esse fenômeno está inegavelmente alinhado à maturação e democratização do mercado de capitais brasileiro, que a cada ano tem ganhado mais adeptos, inclusive com recorde de CPFs cadastrados em dezembro de 2022 (mais de 5 milhões, segundo a B3)[1].

Atenta à importância dos agentes autônomos nessa facilitação de acesso, a CVM, em mais uma medida acertada de sua atual gestão, publicou em 13 de fevereiro de 2023 as Resoluções nº 178 e 179, que introduziram um novo arcabouço regulatório atinente à atividade dos agentes autônomos de investimentos (AAI), que agora passam a ser denominados assessores de investimentos (AI).

Após um longo processo de audiência pública iniciado ainda em 2021, a CVM trouxe uma série de novas regras aos assessores de investimento, concedendo maior liberdade e responsabilidade aos regulados no exercício das suas atividades e, ao mesmo tempo, mais transparência aos investidores.

Dentre as principais novidades, destacam-se:

(i) o término da imposição de exclusividade dos assessores a um único intermediário[2];

(ii) a flexibilização na adoção de tipos societários – os escritórios de assessores não precisam mais obrigatoriamente adotar a forma de sociedade simples;

(iii) a admissão de sócios capitalistas em escritórios de assessores;

(iv) a criação da figura do “diretor responsável”;

(v) o detalhamento das responsabilidades dos intermediários;

(vi) maior transparência aos investidores, incluindo a obrigação de assinatura de “termo de ciência” que detalhe o objetivo da atividade dos assessores, sua forma de remuneração e potenciais conflitos de interesse;

(vii) o fim da exigência do objeto social exclusivo – os assessores pessoa jurídica passam a poder exercer, por meio da mesma sociedade, atividades complementares relacionadas aos mercados financeiros, securitário, de previdência e capitalização (com exceção às atividades conflitantes);

(viii) obrigação de envio de extrato trimestral aos investidores, constando a remuneração direta e indireta auferida pelos intermediário em razão dos investimentos realizados, inclusive discriminando a parcela correspondente à remuneração dos assessores de investimento.

Grande parte das novas regras entram em vigor em 1º de junho de 2023, mas algumas, como o envio do extrato trimestral, a indicação da forma de remuneração dos intermediários nas suas páginas na internet e o envio/assinatura do “termo de ciência” pelos investidores somente passam a ser exigíveis a partir de 02 de janeiro de 2024.

A intenção do presente texto, além de pincelar as principais novidades trazidas pelas resoluções, é tecer breves e iniciais comentários sobre os seus impactos para os assessores, escritórios de assessoria e, claro, os investidores.

De maneira geral, acredita-se que as inovações trarão flexibilidade e modernização ao modelo anteriormente existente, de forma que todos os players envolvidos tendem a “ganhar” com a medida da CVM.

O primeiro ponto de destaque é o parágrafo §3º do artigo 3º da Resolução 178, que parece ter expressamente encerrado uma incerteza que pairava sobre as funções dos AIs: a atividade do assessor abrange a recomendação de investimento, desde que a recomendação seja compatível com as políticas, regras e procedimentos específicos dos intermediários referentes ao dever de verificação da adequação do investimento ao perfil do cliente. Essa função já era desempenhada na prática, tendo em vista a dificuldade em se estabelecer os limites entre a prestação de informações sobre produtos e a efetiva recomendação destes. Havia anteriormente uma zona cinzenta quanto à atuação dos assessores, que agora parecem ter a prerrogativa mais clara de poder recomendar investimentos.

Outro ponto que merece destaque é o fim da exclusividade dos assessores. Abre-se a possibilidade para que os assessores (tanto pessoa jurídica, quanto pessoa natural) atuem como prepostos de mais de um intermediário, caso a relação contratual entre eles assim permita – ou seja, o fim da obrigação de exclusividade não significa que ela irá acabar de fato. De todo modo, a medida pode ampliar a concorrência entre as corretoras e, assim, a liberdade/poder de barganha dos assessores de investimento – a exclusividade, caso contratada, possivelmente terá seu preço, enquanto antes se tratava de uma obrigatoriedade. Mas fato é que o mercado já está, de certa forma, “adaptado” à exclusividade, motivo que nos faz pensar que a abertura regulatória possivelmente não trará efeitos tão perceptíveis na prática – ou, talvez, trará de modo mais latente apenas aos novos escritórios de assessores a serem constituídos daqui para frente.

Os assessores pessoa jurídica, que antes deviam obrigatoriamente ser constituídos como sociedades simples, agora poderão ser constituídos como sociedades empresárias (por exemplo, sociedades empresárias limitadas e, em especial, as anônimas), com flexibilização para que sócios pessoa jurídica possam também fazer parte da sociedade. Tal medida confere liberdade para que os assessores de investimento pessoa jurídica[3] possam estruturar arranjos societários mais sofisticados, compatíveis com um sistema já há muito testado – o das sociedades anônimas. O arcabouço jurídico das anônimas, que inclui a jurisprudência pátria sobre, oferece maior segurança jurídica a temas sensíveis, como abuso de poder de controle, direitos e abuso de minoritários e deveres fiduciários dos administradores, ao passo que apresenta leque de soluções mais refinadas para outros assuntos, como planos de stock option, phantom shares, e a subscrição de ações com ágio – mantendo-se isenção fiscal para a companhia[4].

 

Nesse contexto, há o surgimento de uma nova figura: o sócio investidor/capitalista dos escritórios de assessores, que poderão contribuir com injeção de recursos na sociedade que venham a permitir sua expansão e desenvolvimento. Ponto de atenção é que esses sócios capitalistas (isto é, sócios não registrados/credenciados como assessores de investimento pessoa física ou jurídica) não poderão atuar diretamente na prestação do “serviço fim” de assessoria de investimento, definido no art. 3º da Resolução 178[5], ou seja: sócios capitalistas não poderão, por exemplo, captar clientes para os escritórios de assessoria. A vedação do art. 26, inciso IV, “b”, deverá ser fiscalizada pelo diretor responsável e eventual violação a tal regra poderá ensejar questionamentos pela CVM.

 

Além disso, pela Resolução 178, passa a ser permitida a contratação, por escritórios de assessoria, de assessores pessoa física por meio de contrato de trabalho; ou seja, vínculo celetista. Antes os assessores deviam necessariamente se tornar sócios dos escritórios (ou prestar serviços a esses), o que, na prática, tratava-se muitas vezes de uma mera formalidade que viabilizava a contratação de assessores empregados – que se tornavam “sócios de 1 quota”. A partir do novo marco regulatório, os assessores pessoa física poderão manter relação com os escritórios de assessoria da mesma forma que outras empresas: como celetistas, prestadores de serviços ou sócios/acionistas.

 

A nova previsão possibilita a criação e reorganização de planos de carreira internos dos escritórios, fator que também representa possibilidade de melhor estruturação da atividade dos assessores. O melhor modelo, claramente, dependerá das especificidades de cada escritório, sendo necessária uma análise casuística dos fatores societários e tributários adequados para cada realidade[6]. Cabe registrar, por exemplo, que atualmente os assessores, por serem sócios dos escritórios, são geralmente remunerados por distribuição de dividendos – que, até então, são isentos de tributação de renda. Acontece que novas contratações de assessores, a partir de junho de 2023, poderão ser realizadas por contrato de trabalho (regime celetista), fazendo incidir os descontos de imposto de renda e contribuição ao INSS[7].

 

Já em relação ao objeto social, os assessores de investimento constituídos sob forma de pessoas jurídicas não precisarão mais ter exclusivamente a atividade de assessoria de investimento em seu objeto, passando a poder exercer também atividades relacionadas ao mercado financeiro, de capitais, securitário, de previdência e capitalização, desde que tal atividade não seja conflitante o exercício da assessoria. Conforme o §1º do artigo 7º da Resolução 178, são exemplos de atividades conflitantes a (i) administração de carteira de valores mobiliários; (ii) consultoria de valores mobiliários; e a (iii) análise de valores mobiliários.

 

A inovação tende a fazer com que os escritórios de assessores de investimentos não mais tenham que criar outros CNPJs com fins de segmentar as atividades – situação atualmente muito comum. A nova determinação permite que as atividades não conflitantes sejam consolidadas em uma só sociedade, facilitando questões de estruturação societária e trazendo economia de custos organizativos – por exemplo, elaboração de contratos sociais ou acordos de sócios.

 

Dentre as principais inovações, temos, ainda, a criação da figura do “Diretor Responsável”, ao qual foi dedicada seção específica no capítulo V da Resolução 178. Em síntese, caberá ao diretor responsável de cada escritório de assessoria de investimentos a (i) prestação das informações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado; (ii) responder eventuais pedidos de informações da CVM ou entidade credenciadora; (iii) verificar a compatibilidade entre políticas, regras, procedimentos e controles internos dos diferentes intermediários na hipótese de prestação de serviços sem relação de exclusividade; e (iv) atuar de forma auxiliar, coordenada e subsidiária ao intermediário em relação à fiscalização dos escritórios de assessoria, especialmente no que diz respeito à observância das políticas, regras e procedimentos aplicáveis aos assessores pessoa física contratados, prevenção do exercício da atividade de assessoria por pessoa não registrada e preservação do sigilo de dados e informações de clientes.

 

De modo geral, o diretor responsável provavelmente será um sócio administrador dos escritórios de assessoria cujas responsabilidades de fiscalização serão mais amplas. Cabe notar que a criação dessa figura não deverá resultar em custos de contratação extra para os escritórios, visto que não foi exigida uma qualificação técnica específica para ocupar o cargo, mas apenas a obrigação de agir com probidade, boa fé e ética profissional, empregando “todo cuidado e diligência esperados de um profissional em sua posição”. A indicação do diretor responsável será obrigatória a todos os assessores pessoa jurídica, sejam eles sociedades simples ou empresária.

 

Por fim, é preciso destacar a série de regras presentes nas Resoluções 178 e 179 que tratam da divulgação aos clientes (investidores) da estrutura de remuneração dos assessores e intermediários e alertá-los quanto a possíveis situações de conflito de interesses. Por exemplo, citem-se a: (i) obrigatoriedade de assinatura, pelos clientes, de “termo de ciência”, cujo conteúdo mínimo deverá seguir anexo presente na Resolução 178 e tratará do regime de atuação dos assessores de investimento, seus limites, vedações e potenciais conflitos de interesses; e (ii) obrigação de envio de extrato trimestral aos clientes consolidando a remuneração auferida direta e indiretamente pelo intermediário no período.

A maior transparência na relação de assessoria de investimento aos clientes foi uma das matérias mais caras à CVM na edição de tais Resoluções, já que a falta de regulação dos serviços dos ex-agentes autônomos cedia espaço para uma atuação conflitada destes sem que os seus clientes tivessem uma visualização clara da situação. Casos de assessores que fazem indicações de investimento no mínimo duvidosas, em privilégio a seus próprios interesses de remuneração, não são raros, tendo a CVM, portanto, atentado a essa zona cinzenta e procurado, por meio de tais regras de disclosure, manter um ambiente mais transparente de relacionamento entre clientes e assessores de investimento.

A primeira impressão das novidades regulatórias é de que elas representarão mecanismos de impulsão da atividade de assessoria de investimento no Brasil, que, em verdade, já vinha em uma crescente. As novas regras ao mesmo tempo que conferem maior liberdade para os regulados, exigem as responsabilidades inerentes a tal liberação: ganham os assessores, os escritórios de assessoria, as corretoras e, mais importante, os clientes investidores – logo, todo o mercado.

 

*Esse artigo foi escrito em coautoria com João Vítor Codelo, advogado com atuação nas áreas de Direito Societário, Fusões e Aquisições (M&A), Governança Corporativa e Mercado de Capitais. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.

 

Notas e Referências:

[1] https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/5-milhoes-de-contas-de-investidores.htm

[2] Segundo a Resolução CVM 35 de 2021, intermediário é “a instituição habilitada a atuar como integrante do sistema de distribuição, por conta própria e de terceiros, na negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados de valores mobiliários”. Por exemplo, exercem a atividade de intermediários corretoras como a XP Investimentos e o BTG Pactual.

[3] Os assessores de investimento pessoa jurídica são popularmente conhecidos como os “escritórios” de assessores.

[4] O Decreto-Lei Nº 1.598/77 estipula que: “Art 38 – Não serão computadas na determinação do lucro real as importâncias, creditadas a reservas de capital, que o contribuinte com a forma de companhia receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de:    I – ágio na emissão de ações por preço superior ao valor nominal, ou a parte do preço de emissão de ações sem valor nominal destinadas à formação de reservas de capital”.

[5] Art. 3º A atividade do assessor de investimento abrange: I – prospecção e captação de clientes; II – recepção e registro de ordens e transmissão dessas ordens para os sistemas de negociação ou de registro cabíveis, na forma da regulamentação em vigor; e III – prestação de informações sobre os produtos oferecidos e sobre os serviços prestados pelos intermediários em nome dos quais atue.

[6] Como já acontece em outras sociedades, é possível que os grandes escritórios passem a contar com um plano de carreira que se inicie, entre os assessores mais juniores, com o modelo CLT e, conforme haja uma projeção na carreira, esse assessor venha a tornar-se sócio efetivo da sociedade – e não meramente um “associado” ou “sócio absolutamente minoritário”.

[7] A novidade, inclusive, pode levantar riscos trabalhistas. Isso porque poderão existir assessores que desempenham as mesmas funções que tenham regime de contratação diferentes – sócios e celetistas. A situação pode ensejar reclamações trabalhistas por parte dos assessores “absolutamente minoritários” pleiteando equiparação aos celetistas, bem como todos os seus reflexos – pagamento de horas extra, férias, décimo terceiro salário e etc.

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Daniel Magalhaes
Advogado com atuação nas áreas de direito societário, fusões e aquisições (M&A), pré-contencioso e mercado de capitais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (FDR/UFPE). Visiting Student na George Washington University – School of Business (EUA). Certificado em Management pela Montgomery College (EUA). Membro Efetivo da Comissão de Direito Societário e Mercado de Capitais do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (IBRADEMP).

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