O direito à não autoincriminação e a possibilidade do acusado, durante o interrogatório, exercer o silêncio parcial ou seletivo
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXIII, dispõe que o indivíduo, ao ter sua liberdade cerceada, “será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. No mesmo sentido, o Código de Processo Penal prevê, em seu art. 180, que “o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”. Tais dispositivos preveem, então, o denominado princípio à não autoincriminação ou o direito ao silêncio.
Assim, durante a persecução penal, ao ser interrogado, o acusado poderá optar por responder as perguntas que lhe serão formuladas ou se manter silente quanto a estas, decidindo por aquilo que lhe for mais benéfico. Por conseguinte, é possível que o acusado, durante seu interrogatório, exerça o silêncio parcial ou seletivo, respondendo somente aquilo que lhe parecer mais favorável?
Acerca da temática, a 4ª Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça, ao julgar a Apelação Criminal nº 1.0521.20.003455-6/001, por unanimidade, anulou o interrogatório do réu, assim como todos os atos subsequentes do processo de origem, após acolher a preliminar de nulidade sustentada pela defesa, afirmando que o ato do Juízo de indeferir que o agente exerça o silêncio parcial ou seletivo constitui patente cerceamento de defesa.
O mencionado julgado aduziu, in verbis:
APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA TAL FIM – PRELIMINAR – NULIDADE DO INTERROGATÓRIO – CONSTATAÇÃO – DESRESPEITO AO SILÊNCIO PARCIAL OU SELETIVO – CERCEAMENTO DE DEFESA RECONHECIDO – INTERROGATÓRIO E ATOS SUBSEQUENTES ANULADOS – MÉRITO PREJUDICADO – RECURSO PROVIDO. 1. Constatado que não foi permitido ao apelante exercer seu direito constitucional ao silêncio somente quanto às perguntas formulados pelo Juízo e pelo Parquet (silêncio parcial ou seletivo), resta flagrante o cerceamento de defesa e a nulidade do interrogatório e todos os atos subsequentes. 2. Acolhida a preliminar de nulidade do terceiro apelo, com extensão de efeitos aos demais apelantes, prejudicada a análise do mérito e dos demais recursos. (TJMG – Apelação Criminal 1.0521.20.003455-6/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Brum , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 09/08/2023, publicação da súmula em 17/08/2023).
In casu, a Turma Julgadora consignou que, conforme posicionamento adotado pelo augusto Superior Tribunal de Justiça, o direito ao chamado silêncio seletivo é uma garantia do acusado, constituindo sua vedação em nulidade do interrogatório. Vejamos decisão da mencionada Corte de Justiça:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. INTERROGATÓRIO JUDICIAL. SILÊNCIO SELETIVO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 2. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O fato de o juiz conduzir o interrogatório não significa que o réu está impossibilitado de responder apenas a algumas perguntas, em especial às da defesa, fazendo uso assim do silêncio seletivo. De fato, é cediço que quem pode o mais pode o menos. Assim, se é possível não responder a nenhuma pergunta, é possível também responder apenas a algumas perguntas. – Anote-se que o direito ao silêncio é consectário do princípio nemo tenetur se detegere, tratando-se, portanto, de garantia à não autoincriminação. Ademais, é assente que o interrogatório não é apenas meio de prova, mas especial instrumento de autodefesa, competindo, dessa forma, à defesa escolher a melhor estratégia defensiva. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 833.704/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023) – grifo nosso.
No voto condutor, embasando-se no atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, acertadamente o eminente Desembargador Relator defendeu a impositiva necessidade de anulação do processo a partir do interrogatório da acusada, consagrando-se não apenas o direito de permanecer em silêncio, mas o de responder aos questionamentos que lhe interessar.
Decisão: TJMG – Apelação Criminal 1.0521.20.003455-6/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Brum , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 09/08/2023, publicação da súmula em 17/08/2023.
Link para acesso: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0521.20.003455-6%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar