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Os Vícios Contratuais no Código Civil Brasileiro Sob a Sombra do Código de Defesa do Consumidor

Introdução

Costuma-se fazer – sempre que necessário – na aplicação prática do Direito Privado, sobretudo na realização direta da prestação jurisdicional ao cidadão comum, uma escolha que implica em maiores facilidades e menores riscos. Daí a celeridade e a simplicidade, ainda que ali não sejam considerados com a importantíssima roupagem da principiologia, encontram na busca pela eficácia um caminho natural, seguido pelos operadores do Direito em todos os níveis.

É irrefutável que por tal perspectiva a Instrumentalidade das Formas seja a trilha basilar. O Cidadão provocará, guiado pelo seu advogado, a instância mais “fácil” e “menos dispendiosa” que sirva ao seu pleito na exata medida da não interferência no andamento normal da vida e, tampouco, o leve às digressões que de alguma maneira o transtorne além da média dos fardos diários. Não há qualquer interesse, nesta provocação do judiciário, com o rito, com a gênese jurídica dos institutos ou intenções teleológicas dos legisladores, o “usuário” do judiciário busca a resolução, celeridade e o baixo custo. O patrocinador da causa também. Para ambos, em pragmática suma, pouco importa o aprofundamento da discussão acerca da legitimidade dos diplomas ou a precisa dissecação da identidade dos códigos e princípios. Debalde a coreografia, desde que se toque a música correta.

        O rito, os institutos, os diplomas e princípios, no entanto, contam. 

        Têm força de determinação de resultados.

A ênfase em aparente obviedade solidifica-se na observação moderna de alguns equívocos revelados, no que toca ao Direito Privado, mormente na resolução das demandas judiciais pertinentes aos vícios contratuais e a consequente responsabilidade civil advinda deles.

Para muitos operadores incautos dos nossos dias o Código do Consumidor (1990) inaugurou os vícios – sobretudo os redibitórios – e, sobrepõe-se em fundamentação ao Código Civil de 2002, e ainda, o que é mais grave, esquecem que em quase nada importa a data da gênese legal ou da publicação, o que é relevante, nessa especial aplicabilidade da Lei é a “maturidade” dos conteúdos normativos.

O Código de Defesa do Consumidor é espécie na generalidade de um Código de Direito Privado estaiado no Direito Latino mais depurado pelo tempo e equilibrado pelo uso – especialmente depois da adoção da Teoria Unicista do Direito Privado – apesar da denominação simplificada, para alguns, de Código Civil Brasileiro. 

O espanto maior lido em algumas sentenças e pedidos avulta-se na constatação das acepções invertidas, como se o Código Civil fosse remédio subsidiário e não a Lei principal ou o texto pelo qual o direito fundante é transmitido. O Código de 2002 parece um alquebrado esqueleto anacrônico, na visão dessas deduções rasas e precipitadas. Entende-se até o porquê na necessidade da simplificação já aludida neste preâmbulo, todavia não é imperceptível a perda da qualidade da resolução que acaba por afetar o Direito e a almejada realização da Justiça.

Pode-se tentar demonstrar o perigo dessa tábula rasa em relação a tal inversão da hierarquia do direto positivado. 

  • O vicio contratual nos CDC e no CC   

Não seria conveniente, dado a ocasião e forma, trazer uma análise mais detalhada a começar pelo vício de maior relevância e gravidade para o contrato que é o de consentimento.

Limitar-se-á a abordagem aos defeitos ocultos nas coisas, como parâmetro de discussão, vícios que implicam em redibição.

Observe-se o texto da norma que primeiramente define o conceito do tal vício no Código Civil (art. 441) “A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.” Em definitivo a definição do vício redibitório é de grande simplicidade, aborda elementos: (i) Coisa Recebida; (ii) Contrato Cumulativo; (iii) Vícios ou defeitos ocultos que torne a coisa imprópria ao uso ou com menor valor.

Os artigos seguintes (442 a 446) desenvolvem o detalhamento com a base na trilha do 441, fixando prazos e procedimentos pertinentes.

O Código de Defesa do Consumidor, que tem, como é sabido de todos, uma verve de defesa ao consumidor avivada na proteção do hipossuficiente, o conceitual situa-se mais amplamente na responsabilidade pelo vício, ou seja, deixa a coisa em um segundo plano para focar na figura do fornecedor ou fabricante, responsável pela coisa viciada. Note-se nesse diapasão: 

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (grifamos)

 O CDC não modifica ou conceitua a questão dos vícios, uma vez que, para isso, existe o conceitual solidificado no Código Civil o que segue fiel à definição doutrinária e a do código anterior (1916). O Código do Consumo de 1990, centra-se objetivo no elemento de natureza processual na linha da “ação” de pedir a reparação, mas, por isso mesmo, não se deve definir nenhum parâmetro de análise conceitual com base na lei do consumo, visto que, a norma é compensatória – na reparação – e foge ao âmago da justa equidade do Código Civil.  

O Código de Defesa usa elementos como a Inversão do Ônus da Prova, a Solidariedade Compulsória entre o fornecedor e o fabricante; a Responsabilidade Civil Objetiva; entre outros, mirando elementos ágeis e modernos na consecução da justiça em relação à parte consumidora, ou seja, mais uma vez, elementos de natureza meramente processuais modificam o rito, engendram um contrapeso em desfavor da superioridade econômica, contudo não é “normativo” no sentido estrito do termo, nem – tampouco – fonte autônoma da prestação jurisdicional.

Corrobora com esse sentido pragmático do CDC o desdobramento dos vícios quantitativos ou qualitativos, quando, do ponto de vista normativo do CC a quantidade e qualidade, se ocultos, são vícios sem diferença ou necessidade de particularização. 

  • Normas em Colisão (?) 

Com propriedade a Doutrina é quase unanime em não apontar conflitos, entre o CDC e o CC na definição de vícios redibitórios, muito pelo contrário, os mostram em complemento, contudo, analisando o uso indiscriminado do Código de Defesa do Consumidor em esquecimento total aos conceitos solidificados do Código Civil – como se esse não existisse – corre-se grande risco. O cotidiano – no mundo comercial especialmente – mostra que esses conflitos acabam por se fixarem em desfavor do pequeno empresário que, para cobrar as suas dívidas, é munido apenas de ritos ordinários do cumprimento das obrigações; todavia, ao ser cobrado pelo consumidor, enfrenta a incisiva parcialidade ágil e protetiva do Código Consumerista. 

O risco de concentrar o fato na reparação, ou seja, definir a “punição” sem ao menos entender o conceito do vício, arrebata a equidade, a proporcionalidade, a razoabilidade e a – até mesmo – a justiça, para longe da resolução da lide. 

Considerações Finais 

Aponta-se perigoso, no mínimo, um procedimento sem a verificação basilar da natureza das normas. O operacional cotidiano do Direito nas causas das relações de consumo torna-se, a cada dia, mais superficial e tendenciosamente simplificado. Os operadores buscam, como dito no início, economia e celeridade, que, não se pode contestar, são bons fitos a serem perseguidos, todavia, há riscos que não se admitem necessários. Trazendo o Direito, como sistema harmônico normativo, ao total desequilíbrio.

A falta de entendimento ou a não observação em sistémica harmonia da legislação leva, em última e radical instância, a uma reação que trabalha no sentido da burla ou na formação de grupos de pressão no sentido obtuso de exterminar ou anular a eficácia da Lei. 

Nota-se a mesma deformação em questões que se confundem entre o conceitual de Relação de Consumo e Obrigações de Meio e Resultado no tocante, principalmente, aos serviços prestados por profissionais liberais. Outras, ainda, geram-se por conflitos na funâmbula classificação dos bens de consumo, bens duráveis e consumíveis, mas, tais alusões devem ser alvos de posterior e mais acurado estudo.

A discussão do provocado aqui, todavia, melhor que surja como incentivo à prospecção mais aprofundada dos Institutos e Diplomas e contribua com o combate ao nivelamento do Direito Privado pela superficial ótica do pragmatismo monetário unidirecional em prejuízo da Justiça.

Fontes:

BENJAMIM, Antônio Herman Vasconcelos. O conceito jurídico de consumidor. Revista dos Tribunais, São Paulo:1988

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.

BRASIL Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União: Brasília DF, 11 de setembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República.

CARVALHO, João Andrades. Código de Defesa do Consumidor – Comentários- Doutrina- Jurisprudência. 1. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 2000.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. ver., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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Joaquim Rafael
Mestrando em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Especialista em Direito Processual pela Universidade Potiguar - RN. Professor da Faculdade Imaculada Conceição do Recife (Ficr). Articulista de vários periódicos científicos e literários. Advogado Militante.

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