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Plano de saúde e o dever de fornecimento de quimioterapia oral

Dentre os tratamentos oncológicos estão as quimioterapias, que podem ser endovenosas, geralmente administradas no ambiente hospitalar, ou orais, que podem ser administradas no ambiente domiciliar, tendo em vista que consistem em comprimidos.

Os planos de saúde comumente negam a cobertura das quimioterapias orais valendo-se das mais diversas justificativas, como a ausência de obrigatoriedade de cobertura de tratamentos domiciliares.

Outras justificativas utilizadas pelos planos de saúde para negar o fornecimento deste tratamento estão relacionadas à ausência de previsão no rol da ANS, ao não preenchimento de alguma diretriz de utilização (DUT) ou até mesmo ao argumento de que se trata de medicamento off-label (fora da bula).

Nenhuma destas recusas indevidas merecem prosperar, como veremos abaixo.

De acordo com o artigo 12, inciso I, “c” e inciso II, “g”, da Lei nº 9.656/98, é obrigatória a cobertura para tratamentos antineoplásticos ambulatoriais e domiciliares de uso oral e procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer.

A recente Lei nº 14.454/22 introduziu o § 13 no art. 10 da Lei nº 9.656/98, de acordo com o qual é possível a cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS desde que haja prescrição médica, que exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico (inciso I) ou que existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais (inciso II).

O rol da ANS é defasado e não se atualiza na mesma velocidade das descobertas médicas, portanto, se a lei garante o direito do paciente ao tratamento quimioterápico prescrito, não é o rol da ANS que será um impeditivo para isto, ainda mais quando não há substituto terapêutico e existe amparo técnico para a prescrição.

Nesse sentido, precisa a lição do autor Francisco Loureiro quando explica que: “É rigorosamente irrelevante que a ANS não tenha ainda catalogado o medicamento ou o tratamento ministrado ao paciente pelo médico que o assiste. Entre a aceitação da comunidade científica e os demorados trâmites administrativos de classificação, não pode o paciente permanecer a descoberto, colocando em risco bens existenciais. Evidente que não pode um catálogo de natureza administrativa contemplar todos os avanços da ciência, muito menos esgotar todas as moléstias e seus meios curativos usados pela comunidade médica com base científica” (Planos e Seguros de Saúde in Responsabilidade Civil na Área da Saúde, Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, Ed. Saraiva, Série GVlaw, 2007, p. 308).

Muitas vezes os tratamentos, sejam eles quimioterapias, radioterapias ou exames específicos como o PET-CT, encontram-se previstos no rol da ANS para determinados tipos de câncer, mas não para outros. Contudo, mesmo fora do rol de procedimentos da ANS, a justiça entende que o paciente tem direito de acesso ao tratamento e medicação respaldado na prescrição médica e comprovadas evidências científicas.

Não é demais dizer que a pessoa que se encontra em tratamento oncológico vivencia uma doença grave e não pode estar submetida a um mero rol de procedimentos estáticos que não consegue acompanhar a evolução da medicina.

Além disso, em algumas situações, o plano informa que está negando a cobertura em razão do tratamento ser experimental ou por ser tratamento off-label.

Esta é apenas mais uma tentativa do plano de saúde de justificar negativas indevidas, já que experimental não tem qualquer relação com tratamento off-label. Experimental é tudo aquilo que não tem qualquer evidência científica de que pode ser eficaz ao caso clínico, já o tratamento off-label refere-se àqueles casos em que não há indicação na bula, mas existe respaldo científico para que se indique o tratamento para doença diversa.

Este tipo de recusa também é indevida, de modo que recentemente a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que uma operadora de plano de saúde deve custear tratamento com medicamento prescrito pelo médico para uso off-label (ou seja, fora das previsões da bula).

Por fim, os planos de saúde também podem alegar que o contrato não cobre a quimioterapia, seja porque se trata de contrato antigo não adaptado ou que possui alguma particularidade que, em tese, não lhe dá o direito de acesso ao tratamento quimioterápico oral.

Quando o plano de saúde alega a ausência de obrigatoriedade de cobertura por razões contratuais é preciso analisar a validade da cláusula contratual que excluiu de cobertura medicamentos prescritos para serem utilizados “fora do regime de internamento hospitalar”.

Estas alegações são comuns nos contratos mais antigos e não adaptados à Lei 9.656/1998. As regras estabelecidas na Lei 9.656/98 restringem-se aos contratos de plano de saúde celebrados após sua vigência, mas a abusividade de cláusula contratual prevista em contratos firmados em datas anteriores pode ser aferida com base no Código de Defesa do Consumidor.

Nestes contratos, a solução da controvérsia demanda maior esforço interpretativo, devendo-se analisar as cláusulas limitativas de cobertura de acordo com os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, dos princípios gerais do direito das obrigações, do princípio da função social do contrato, além da filtragem constitucional, conforme o princípio da dignidade da pessoa humana.

Já para os contratos regidos pela Lei 9.656/1998, essa controvérsia tem solução por meio da aplicação do já mencionado art. 12, inciso I, alínea c, da referida lei, que determina a cobertura de “tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral”.

Portanto, se o médico que te acompanha prescreveu determinada quimioterapia oral, saiba que o seu plano de saúde tem o dever de custear, ainda que ele apresente negativa com justificativas que agora você já sabe que são indevidas.

Colunista

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Mariana Kozan
Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil. Bacharela em Direito pela Unioeste (2017). Capacitada em Planos de Saúde pela Escola de Direito da Saúde. Participante da Oficina de Formação em Biodireito, Bioética e Direitos Humanos da UFU. . Advogada atuante em direito da saúde, em defesa dos usuários do SUS e Planos de Saúde. Conciliadora no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

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