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Reexame necessário e a sentença de improcedência na Ação Civil Pública que visa à proteção de direito individual homogêneo

Conforme estabelece o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, sendo omissa a lei, o juiz pode valer-se dos princípios gerais do direito, dos costumes e da analogia.

A Lei 7.347/1985 disciplina a ação civil pública e não cuidou do instituto do reexame necessário, o que exige do magistrado, com amparo em outras normas do ordenamento jurídico, avaliar no caso concreto se realizará ou não a remessa dos autos ao segundo grau de jurisdição.

Cediço que o artigo 19 da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular) é repetidamente aplicado por analogia nas ações civis públicas cuja sentença é de carência da ação ou improcedência do pedido.

Lado outro, ainda que a sentença tenha julgado procedente o pedido, se for proferida contra a União, os Estados, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público, será aplicado o artigo 496 do Código de Processo Civil, que determina o reexame necessário.

No que tange à aplicação analógica do artigo 19 da Lei da Ação Popular, deve o magistrado observar, além do resultado da sentença (carência ou improcedência), a natureza do direito objeto da ação (difuso ou coletivo) a fim de alcançar o desígnio da norma.

O referido dispositivo da Lei da Ação Popular visa proteger o direito ou interesse difuso ou coletivo, não sendo aplicável quando a ação civil pública ou outra ação coletiva for utilizada para a proteção de direito individual homogêneo.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais não conheceu da remessa necessária feita nos autos de nº 1.0000.15.092833-1/002, sendo apresentado pela Turma Julgadora fundamentos diversos para o não conhecimento.

A Relatora e o Segundo Vogal entenderam que não era hipótese de reexame necessário porque o artigo 19 da Lei da Ação Popular somente é aplicado analogicamente na ação civil pública por ato de improbidade administrativa julgada improcedente.

A Primeira Vogal acompanhou a Relatora em sua conclusão – não conhecimento da remessa necessária –, todavia, apresentou fundamento diverso. Entendeu a Primeira Vogal que:

a) o desígnio da norma prevista no artigo 19 da Lei 4.717/1965 é a proteção de direitos ou interesses difusos ou coletivos;

b) que o referido dispositivo é aplicado às ações civis públicas com amparo no método da analogia;

c) que o caso concreto visava a proteção de direito individual homogêneo;

d) que a defesa coletiva de direito individual homogêneo não atrai a aplicação analógica do multicitado artigo 19 da Lei da Ação popular.

Eis a ementa do referido julgado do qual não constou o fundamento diverso do voto proferido pela Primeira Vogal:

 

EMENTA: AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA PARA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONCURSO PÚBLICO – ADEQUAÇÃO DE PROVAS – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE – REMESSA NECESSÁRIA – APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI DA AÇÃO POPULAR – NÃO CABIMENTO – REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. 1. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, era possível a aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular, para determinar o duplo grau de jurisdição das sentenças de improcedência proferidas em ação civil pública por improbidade administrativa. 2. Tratando-se de ação civil pública visando à adequação de provas de concurso público, sem fundamento na lei de improbidade administrativa, não há falar em aplicação analógica da Lei n. 7.417/65 para conhecer da remessa necessária. 3. Remessa necessária não conhecida. (TJMG – Remessa Necessária-Cv 1.0000.15.092833-1/002, Relator(a): Des.(a) Maria Inês Souza, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/10/2023, publicação da súmula em 16/10/2023)

 

No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o Ministério Público Estadual, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, ajuizou ação cautelar preparatória de ação civil pública visando a anulação da prova dissertativa integrante da primeira fase de concurso da Polícia Militar.

O caso é de utilização da ação civil pública para a defesa coletiva de direitos individuais homogêneos, não atraindo a aplicação por analogia do artigo 19 da Lei 4.717/1965 porquanto o escopo da referida norma é a proteção de direitos e interesses difusos e coletivos.

O julgado revela a importância de se fazer distinção entre direito coletivo e a tutela coletiva de direito individual homogêneo, a qual foi tão bem disposta na clássica obra do saudoso Ministro Teori Albino Zavascki: Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos.

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Glaucia Chiaradia
Mestre em Direito Empresarial. Assistente Judiciário (2009-2014) e Assessora Judiciária (2014 em diante) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

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