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Reflexões sobre Apuração de Haveres e algumas Especificidades.

Tema dos mais complexos em sua concepção prática, a apuração de haveres desafia o intelecto dos advogados empresarialistas a todo instante, seja no evidente enfrentamento consultivo para elaboração da melhor redação contratual a respeito do método de apuração a ser seguido; seja, posteriormente, em caso de silêncio das partes e do contrato social, compatibilizar, em demanda contenciosa, os artigos 1.031 do Código Civil com o artigo 606 do Código de Processo Civil.

De fato, a lei civil, pela dicção do mencionado artigo, assevera que os haveres do sócio cujo vínculo societário se encerrou serão apurados “com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.”

A “situação patrimonial da sociedade”, no mais das vezes, será o valor constante no Balanço Patrimonial “especialmente levantado” sem que sejam considerados os intangíveis não adquiridos, como a própria marca desenvolvida, conforme Comitê de Pronunciamento Contábil 04 – CPC 04.

Por outro lado, pela redação do Código de Processo Civil, à apuração dos haveres deverão ser observados a avaliação dos “bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída”. Exsurge-se, portanto, a natural e seguinte indagação: os intangíveis, seja de qual natureza for, adquirido ou não, deverá integrar o cálculo para fins de apuração de haveres?

O tema é cheio de peculiaridades e desafios, já que a inclusão de valores de ativos intangíveis poderá se revelar bastante subjetivo com o consequente e inevitável alongamento da discussão sobre o real valor das quotas a serem liquidadas e pagas aos sócios (ou herdeiros, enfim, conforme a hipótese concreta).

São, com efeito, inúmeros os fatores que poderão ensejar a liquidação da quota do sócio: morte, retirada, recesso, exclusão, entre outros; certo também será que haverá hipóteses em que a sociedade prosseguirá com a exploração de sua atividade econômica sem a presença do sócio que dela se desliga, o que acarreta outra discussão de igual importância sobre a apuração de haveres.

Era comum até recentemente – e há quem assim ainda o entenda – que, no silêncio das partes e do contrato social, dever-se-ia aplicar o método de “fluxo de caixa descontado” para alcançar o real valor devido ao sócio cujas quotas foram liquidadas.

Entretanto, a meu sentir, essa forma de visualizar o problema padece de incurável problema: o risco será suportado unicamente por quem continuará na sociedade, ao passo que, para a projeção do “fluxo de caixa descontado”, terá sido utilizado o esforço do quadro social completo.

É dizer, mediante o método de projeção de fluxo de caixa descontado é indispensável se valer do histórico financeiro da sociedade, com o objetivo de trazê-lo a “valor presente” e assim encontrar o valor da quota a ser liquidada com o consequente pagamento. Observe-se que, através dessa premissa, usou-se o histórico de esforços conjuntos dos sócios para projetar o “fluxo de caixa”.  Todavia, como sói ocorre em cálculos futuros, alguém terá de “fazer acontecer” a projeção cujo ônus será exclusivamente de quem ficou na sociedade.

Afigura-se, portanto, incorreta essa forma de apuração de haveres.

Indo mais além: seria extremamente vantajoso a determinado sócio – eivado por sentimentos obscuros e desconhecidos – retirar-se da sociedade quando houver certo histórico favorável ante a presumível crise financeira vindoura, porquanto, através desse método, a projeção terá como fundamento apenas o histórico já trilhado. Não se pense ser questão teórica restrita ao mundo acadêmico, haja vista a recente pandemia, por exemplo. O literata francês Balzac já afirmou em uma de suas obras que “é necessário desconfiar de todos? Devemos temer os amigos, os parentes? Sim! Desconfiem de todos, mas nunca devem transparecer sua desconfiança. Sejam como os gatos: doces, meigos, mas sempre de olho em como escapulir; nem sempre as pessoas honradas conseguem cair de pé”.

Seja como for, de acordo com essa metodologia, o sócio que fica na sociedade suportará o risco sozinho sem que o outro – que irá receber o valor projetado correspondente – tenha de ter correr o risco de “transformar em realidade” a projeção matemática desenvolvida por contador/economista confortavelmente alojado em seu escritório renomado, na mesa de madeira de origem tropical com coloração castanho-avermelhada, com café servido por especializado barista e ar-condicionado entre 18 e 20 graus.

A experiência prática demonstra, como dito, a incorreção desse caminho.

Seja como for, a celeuma chegou ao fim em data recente, para boa parte da doutrina e da prática forense, já que o Superior Tribunal de Justiça ao verificar essas incongruências julgou e determinou que, nas hipóteses de dissolução parcial da sociedade, dever-se-á simular a liquidação total dos ativos “a preço de saída” como se “dissolução total fosse”.

Será, portanto, imperioso simular a venda dos ativos – sem os intangíveis não adquiridos – a preço de mercado em venda não forçada (isso é, sem redução expressiva do preço), para que se alcance o valor patrimonial da sociedade e, com isso, os haveres do sócio que deixa a sociedade.

O método de fluxo de caixa descontado é bastante utilizado, corretamente, em operação de M&A, onde o investidor ou, enfim, aquece que irá adquirir, ou pretende adquirir, participação societária, irá refletir se a sociedade, após receber determinados aportes, terá o retorno financeiro previsto consoante seu apetite para o risco.

Essa métrica, contudo, não me parece a mais acertada quando se tratar de dissolução parcial de sociedade com a consequente apuração de haveres, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, deverá seguir o caminho da simulação da dissolução total a preço de saída dos ativos.

 

Forte abraço a todos.

 

Colunista

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Otávio de Oliveira
LL.M em Direito Societário pelo Insper/SP. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Sócio Fundador do Escritório Buonora & Oliveira Advocacia. Julgador no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PE. Presidente da Comissão de Direito Empresarial de Olinda. Administrador de Fundo de Investimento Internacional. . Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, da Associação Brasileira de Direito Processual Civil - ABDPro e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo - ANNEP. . Advogado.

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