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Será que a Inteligência Artificial escreverá sentenças “em breve”?

Os canais de notícias jurídicas e as mídias sociais foram bombardeadas durante a semana com matérias acerca da declaração do Min. Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que a “inteligência artificial poderá escrever sentenças em breve”.

Não se trata de um tema novo. Ao contrário, muitos doutrinadores têm debatido o tema do uso de Inteligência Artificial no processo judicial sob o presente viés. E não restam dúvidas que os avanços tecnológicos têm demonstrado que a capacidade de processamento de dados dos sistemas tecnológicos é imensurável, o que permite vislumbrar um sistema de IA processando dados e elaborando uma minuta de sentença de acordo com todos os elementos visuais exigidos de uma sentença.

O Min. Barroso sempre foi um entusiasta do uso de novas tecnologias no processo judicial. E não é por menos: Os números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acerca dos processos em tramitação é estrondoso[1]. O uso da IA para “despachar” o grande volume de processos parados com toda certeza ajudaria a reduzir os números assustadores.

Por outro lado, vejo algumas preocupações com a afirmação do Excelentíssimo Ministro: Em um primeiro momento, há a percepção de que se fala na substituição da figura do magistrado pelo uso de sistemas de IA, o que retoma ao debate da transparência algorítmica. Como já abordei em outra oportunidade, a falta de transparência algorítmica ainda é algo que assombra os sistemas tecnológicos no Brasil. Quando se fala em transparência e accountability, deve-se atentar para o fato que a mera produção de uma minuta de sentença, constando um Relatório, uma Fundamentação e um Dispositivo não respeita o disposto no art. 489 do Código de Processo Civil. Os elementos acima são visuais e apenas reproduzem todo o trabalho hermenêutico realizado pelo magistrado através do debate e análise processual, sendo que tal análise não foi – ou não deveria ser – mecânica.

O Magistrado, ao proceder na análise do processo, atenta-se ao que foi saneado no processo, ao que foi delimitado pelas partes no curso da demanda. A IA considerando as inúmeras informações constantes nos mais diversos bancos de dados, ao analisar um processo, pode-se deparar com inúmeras legislações e inúmeras decisões aplicáveis a um determinado caso. Talvez o caso que ela entenda como aplicável não é o que mais seja compatível com a delimitação do processo.

Claro, o Magistrado pode, também, incorrer em erros. E pode sentenciar um processo de forma mecânica. O que se busca demonstrar diz respeito ao perigo de referir que a IA irá efetuar todo o trabalho do magistrado com a tendência de substitui-lo. A própria hermenêutica sempre atentou que sua atividade não se trata de uma reprodução, uma vez que sua atividade é produtiva e que, assim, a relação sujeito-objeto é substituída pelo círculo hermenêutico[2].

Diante disso, a figura do juiz natural, prevista constitucionalmente[3], não deve ser substituída por uma IA natural. A ideia do juiz natural está ligada ao devido processo legal[4] e não poderá ser substituída. Assim, resta claro que a ideia de substituição da figura do juiz pela utilização da IA está totalmente descartada.

Por isso, foi tão feliz a constatação do presente Ministro que o uso da IA depende da supervisão humana. A IA não é boa ou ruim, as suas respostas são trazidas a partir da análise de dados fornecidos por um banco de dados, ou seja, a inferência das suas decisões depende dos dados que foram produzidos e armazenados por seus usuários. E que dados a humanidade anda produzindo? Ainda há muito preconceito e discursos discriminatórios sendo reproduzidos no ambiente virtual e são os dados produzidos através destas falas que estão sendo alimentos os bancos de dados utilizados por IAs.

Não se busca repudiar o uso de sistemas de IA no processo judicial. Muito pelo contrário, a IA, por si só, é uma ótima ferramenta de automatização e de dinamização de tempo processual, uma vez que analisa de forma célere uma quantidade massiva de dados, o que é humanamente impossível. Mas como a pressa é inimiga da perfeição, ela pode analisar tais dados de forma equivocada ou atribuir resultados errôneos para aqueles dados processados.

Concluindo-se, muito se fala sobre a questão da substituição do juiz por um sistema de IA sendo que tal hipótese deve ser descartada. A IA é uma ótima ferramenta, um instrumento auxiliar do magistrado para elaboração de minutas e de automatização de procedimentos, não um sistema com o objetivo de substituir o julgador. A IA pode ser – e será – utilizada para auxiliar na elaboração de despachos e de minutas, mas através da supervisão humana, como bem ressaltado pelo Min. Barroso. Assim, o juiz não será substituído e o trabalho hermenêutico do julgador deverá continuar. E terá que ser melhorado, uma vez que, a partir da implementação de sistemas inteligentes no processo judicial, não há mais argumentos para justificar a ausência de análise de dados, os quais serão fornecidos de forma sistematizada e organizada pela IA e irão contribuir para uma solução processual mais efetiva e adequada.

 

Notas e Referências:

[1] Vide relatório Justiça em Números do CNJ.

[2]    STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: Decido conforme minha consciência? 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 75.

[3]     Art. 5º, XXXVII: não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIII: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

[4]     LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

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Alana Engelmann
Mestra em Direito Público pela Unisinos. Especialista em Novo Processo Civil pela Unisinos. Pesquisadora junto a Escola de Processo da Unisinos. Conselheira da Subseção de Sapiranga da OAB/RS. Presidente da Comissão Especial de Direito Processual Civil da Subseção de Sapiranga da OAB/RS. Membra efetiva do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Associação Brasileira Elas no Processo.

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