Área jurídicaDireito à saúde: SUS e Planos de SaúdeSaúde

SUS deve fornecer terapias conforme ciência ABA para o tratamento do autismo

A saúde é direito de todos e dever do Estado. A sua prioridade é evidente nos preceitos fundamentais da Constituição Federal, especificamente, nos seus arts. 1º, III, 3º, IV, 5º, caput, e 6º.

Trata-se de garantia fundamental de eficácia plena, de modo a tornar real o direito à vida, sendo dever do Estado assegurar o acesso à saúde pública, por força do art. 196 da Constituição Federal.

Além disso, o ECA também regula os direitos à vida e à saúde, e garante aos seus beneficiários a primazia de receberem proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, a prioridade de atendimento nos serviços públicos, a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente, àqueles que necessitarem, medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas necessidades específicas.

A ciência ABA, que é a análise do comportamento aplicada, vem sendo muito utilizada no tratamento de crianças com autismo por trazer ótimos resultados ao paciente. Contudo, por se tratar de uma terapia intensiva e multidisciplinar tem um alto custo para a maioria das famílias.

O SUS tem a obrigação de fornecer a terapia ABA para crianças com transtorno do espectro autista, pois consiste em um tratamento que faz parte das políticas públicas do SUS. Assim como os planos de saúde, do setor privado de saúde, também têm essa obrigação. A terapia ABA encontra-se incorporada no SUS desde 2016, por meio da Portaria nº 324, de 31 de março de 2016, atualizada pela Portaria Conjunta nº 7, de 12 de abril de 2022, e possui eficácia reconhecida, de modo que o Estado não pode se furtar de fornecê-la.

O dever de fornecimento da terapia ABA existe quando resta comprovada a imprescindibilidade da terapia, bem como a inexistência de tratamento correlato efetivo fornecido pelo SUS, devendo haver prescrição por profissional especializado.

A escolha da terapia mais adequada, dentre elas a ABA, incumbe ao profissional que acompanha a pessoa com autismo, em conjunto com a sua família, não havendo que se falar em necessidade de prévio esgotamento de outras terapias alternativas.

Ademais, não há dúvidas sobre o descabimento da alegação da reserva do possível, princípio este que não pode servir como obstáculo à concretização dos direitos fundamentais à vida e à saúde.

Sobre a teoria da reserva do possível, o Ministro Herman Benjamin já fez algumas considerações no seguinte sentido: “A teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, tem sido utilizada constantemente pela administração pública como escudo para se recusar a cumprir obrigações prioritárias. Não deixo de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada” (AgRg no REsp 1107511/RS. Agravo Regimental no Recurso Especial 2008/0265338-9. Órgão Julgador: T2 – Segunda Turma. Data do Julgamento: 21/11/2013).

Não há como isentar de responsabilidade determinado ente federado quando se fala em atendimento do direito à saúde, apegando-se no ressarcimento financeiro, uma vez que os entes públicos têm à disposição mecanismos de compensação.

A jurisprudência tem afastado os argumentos relacionados à falta de previsão orçamentária e a denominada “reserva do possível”, pois estas justificativas dificultam a implementação de políticas públicas determinadas pela própria Constituição.

Portanto, toda pessoa com autismo tem direito de ter o seu tratamento integralmente fornecido pelo SUS. Não é apenas quem tem acesso e pode pagar um plano de saúde que tem direito ao tratamento multidisciplinar para o autismo.

É muito provável que você pense: “mas o SUS não tem disponível as terapias”.

Neste caso, não havendo disponibilidade na rede pública, o SUS deve arcar com o custeio na rede privada de todo o tratamento multidisciplinar. Além disso, assim como funciona para os planos de saúde, o SUS também não pode limitar as sessões de terapia.

Se o SUS não consegue oferecer uma rede de atendimento suficiente e apta, ele deve custear o tratamento de forma particular. Mas para esta efetivação, na maioria dos casos, é preciso judicializar para ter acesso ao seu direito, haja vista que omissões deliberadas do Estado são frequentes e até hoje não foram estruturadas as devidas políticas públicas para garantir o tratamento especializado dos que precisam.

Portanto, se você já tem um laudo e pedido médico em mãos, no entanto, o SUS da sua região não possui o tratamento solicitado, é possível ir em busca da efetivação do direito recorrendo ao Poder Judiciário.

 

 

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Mariana Kozan
Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil. Bacharela em Direito pela Unioeste (2017). Capacitada em Planos de Saúde pela Escola de Direito da Saúde. Participante da Oficina de Formação em Biodireito, Bioética e Direitos Humanos da UFU. . Advogada atuante em direito da saúde, em defesa dos usuários do SUS e Planos de Saúde. Conciliadora no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

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