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Sobre a prova de ofício pelo árbitro: uma crítica

Vamos considerar um exemplo em que um tribunal arbitral, por iniciativa própria, determine a produção de uma prova, como uma perícia técnica. Essa possibilidade, aliás, encontra respaldo legal na Lei de Arbitragem.

Vejamos:

Art. 22. O árbitro ou o tribunal arbitral pode tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que considerar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. (grifo nosso)

 Há algumas questões que merecem reflexão. A dinâmica do processo, seja ele judicial ou arbitral, baseia-se no princípio do ônus da prova: a parte que alega fatos carrega a responsabilidade de comprová-los e, consequentemente, deve solicitar ao árbitro a admissão dos meios de prova apropriados para esse propósito; caso contrário, não terá êxito.

Ora, esse ônus é um aspecto intrínseco à viabilidade do direito e ao processo arbitral escolhido e instituído para sua proteção. Se o desfecho da disputa depender da iniciativa das partes, cada uma com sua legitimidade e interesse, então a responsabilidade pela prova deve acompanhar essa condição, já que a validação dessa mesma iniciativa está ligada à prova. No entanto, se o tribunal arbitral tem a iniciativa de apresentar ou produzir provas para confirmar os fatos discutidos na arbitragem, o princípio do ônus da prova é enfraquecido: os árbitros se sobrecarregam com a obrigação de buscar e providenciar as evidências, deixando de ser uma responsabilidade da parte interessada, seja ela requerente ou requerida.[1].

Na prática como será possível exercer o contraditório acerca de uma prova produzida pelo próprio tribunal?

Indubitavelmente, ao reduzir o ônus da prova da parte, a estrutura jurídica interna do direito buscado no juízo arbitral também passa por mudanças: ele deixa de ser um direito individual e é, de certa forma, absorvido por um interesse do órgão de decisão. Esse interesse é o único que pode justificar o poder probatório do árbitro.

Apesar da disposição na Lei de Arbitragem quanto à possibilidade dos árbitros determinarem a prova de ofício (art. 22), os regulamentos institucionais geralmente regulam a questão no sentido de que caberá ao Tribunal Arbitral deferir as provas que julgar úteis, necessárias e pertinentes, assim como definir a forma de sua produção.[2].

Frente à ausência de requerimento, seja no termo de arbitragem ou em qualquer outro momento processual referente à necessidade de produção de prova pericial, não se pode deferir ou indeferir algo que não foi solicitado, uma vez que apenas às partes cabe o ônus da prova..

Na verdade, acerca da produção de prova de ofício pelo julgador comenta-se:

(…) quando o juiz ordena prova à míngua de requerimento da parte, só pode haver cinco resultados possíveis: 1) prova de fato constitutivo do direito do autor; 2) prova de fato impeditivo do direito do autor; 3) prova de fato extintivo do direito do autor; 4) prova de fato modificativo do direito do autor; 5) prova de nada. Ora, se o juiz tem dúvida somente sobre a existência do fato constitutivo do direito do autor, o único beneficiário real da prova de ofício é o autor, porquanto os resultados (2), (3), (4) e (5) revelam dilação probatória inútil: posto que favoreçam o réu, há tempos a demanda já poderia ter sido rejeitada por ausência de provas. Esse mesmo raciocínio se aplica à hipótese em que o juiz tem dúvida geral (ou seja, dúvida tanto sobre o fato constitutivo quanto sobre o fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor). Por sua vez, se o magistrado tem dúvida sobre a existência do fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor, o único beneficiário real da prova de ofício é o réu, uma vez que os resultados (1) e (5) revelam dilação probatória inútil: embora favoreçam o autor, há tempos a demanda já poderia ter sido julgada procedente. Em suma: a prova ex officio iudicis sempre favorece a parte que tinha o ônus de provar, mas não provou[3]. (grifo nosso).

Como fica claro, a produção de prova é uma responsabilidade; se uma das partes não a cumprir, isso não pode resultar em prejuízo para quem não tinha esse ônus.

Nesse contexto, os árbitros não têm dever de produzir prova alguma e, caso isso seja ordenado pelo tribunal, sempre favorecerá a parte que tinha a obrigação de provar algum direito ou fato, mas não o fez. Isso acarreta um risco evidente para a integridade do procedimento arbitral; há um potencial risco de beneficiar uma das partes, o que, em última instância, pode levar à violação do devido processo arbitral e à anulação da sentença.

Certamente, há vozes autorizadas que discordam há muito tempo do posicionamento atual, baseando-se nos poderes instrutórios e na instrumentalidade do processo. A percepção defendida aqui é essencialmente garantista e possui um viés preventivo, sugerindo uma prática que evita incidentes e demandas anulatórias.

Em tempos tão desafiadores quanto os que enfrentamos, no que diz respeito à confiança no próprio instituto e diante dos debates que envolvem a imparcialidade dos árbitros, é necessário refletir se a produção de prova de ofício pelo árbitro é, atualmente, uma abordagem acertada.

 

Notas e Referências:

[1] Cf. Araujo. André Luiz Maluf de. PENSANDO SOBRE OS LIMITES DA PROVA DE OFÍCIO NO PROCESSO CIVIL disponivel em https://emporiododireito.com.br/leitura/71-pensando-sobre-os-limites-da-prova-de-oficio-no-processo-civil

[2] Cite-se, por exemplo o regulamento da CAM-FIESP, art. 10.4. CAM-CCBC, art. 27.1;

[3] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. Tese (Doutorado em Direito Processual Civil) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo: 2016, p. 124-125.

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Alberto Maia
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Arbitragem e de Processo Civil da Unicap. Advogado e Árbitro. Membro da Lista de árbitros da Câmara de Arbitragem Especializada CAMES e da CMAA ACIF. Fundador do Grupo Marco Maciel de Mediação e Arbitragem (GMMA) da Unicap. Colaborador do Grupo de Estudos em Direito Administrativo CNPq/UNICAP. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem da OAB/PE, da Associação Brasileira de Direito Processual -ABDPro e da Associação Brasileira dos Estudantes de Arbitragem. ABEArb e da Iniciativa de Novos Arbitralistas da INOVARB-AMCHAM. Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CJA – CBMA).

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