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TJSP – O uso exclusivo de bem suscetível à partilha e o direito à indenização

Uma das questões mais interessantes quando uma união de um casal acaba é aquela referente ao destino dos bens amealhados durante o período de convivência. Tal questão parece ser simples à luz da fria letra da lei, mas as nuances do cotidiano conseguem sempre aclarar contextos mais complexos.

Uma indagação que costuma aparecer é a seguinte: seria devido aluguel (a título indenizatório) ao cônjuge que é privado da utilização de algum bem? É certo que a separação fática do casal em si faz com que parte dos bens já sejam destinados a cada cônjuge, mas enquanto não realizada a partilha, em tese, todos os bens são de ambos, sendo excepcional (pelo menos legalmente) o uso exclusivo por apenas um destes. Todavia, na prática, o que ocorre é uma divisão informal dos bens, o que leva a uma regra totalmente oposta àquela do ordenamento, qual seja, cada cônjuge acaba por usar exclusivamente dos bens que com ele ficaram.

É justamente por esse motivo que surge o direito, quase que ínsito à separação, de pedir indenização pela privação do uso do bem. Como exemplo, trago o julgado da semana, na qual foi fixada indenização (similar a valor locatício), pelo uso exclusivo de imóvel. Nem o fato de o filho dos ex-cônjuges habitar no imóvel junto de um destes fez com que o dever de indenizar o cônjuge privado do uso fosse extinto, em clara contrariedade ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Info 695 – Resp 1.699.013-DF – a curiosidade é que no caso do STJ era o homem que habitava no imóvel, e não a mulher). Portanto, ainda que seja utilizado para moradia da prole, o cônjuge que usa exclusivamente de imóvel não partilhado tem de indenizar o excluído do uso, pelo menos para o relator do recurso comentado neste texto.

No acórdão é feita exceção pontual para o fato de ser prevista a habitação do filho do casal no imóvel como parte do pagamento de alimentos. Segundo o relator, nesse caso, poderia ser dispensado o pagamento de indenização. Com a devida vênia, parece que andou mal o relator, uma vez que uma coisa é a dívida indenizatória por uso exclusivo do cônjuge, relação obrigacional apenas entre os ex-cônjuges e outra bem diferente é o dever de pagar alimentos que os pais têm com sua prole, obrigação essa que verte no fluxo exclusivamente entre o genitor e sua prole. Inclusive o trinômio elementar para fixação de valor de pensão alimentícia é composto por requisitos que sequer tangenciam a condição econômica do ex-cônjuge que habita com o infante, são eles: possibilidade financeira do alimentante, necessidade do alimentando e proporcionalidade.

Por fim, no mesmo acórdão ficou estampado que o mesmo direito não cabia à ex-esposa naquilo relacionado ao carro que era dos cônjuges, uma vez que esta não teria se insurgido em um primeiro momento processual (inicial ou contestação, a depender do polo) ao uso exclusivo do automóvel do casal por parte do ex-marido. Afora um “fumus” de machismo no acórdão, uma vez que ao homem foi garantido o direito e à mulher negado em idêntica situação de direito material, o que se pode ver é a necessidade de se estar atento logo após a separação e de se tomar as medidas cabíveis processuais para resguardar seu interesse no momento oportuno, no caso, seria a apresentação tempestiva de intuito em se ver ressarcida pelo uso exclusivo do automóvel por parte do varão.

 

Dados do processo interpretado já formatados para citação:

(TJSP;  Apelação Cível 1017482-27.2021.8.26.0577; Relator (a): Alexandre Coelho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos – 3ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 19/07/2022; Data de Registro: 19/07/2022)

Ementa do processo interpretado:

APELAÇÃO – AÇÃO DE DIVÓRCIO, CUMULADA COM GUARDA, VISITAS, ALIMENTOS E PARTILHA – Anterior pedido consensual de divórcio, em que prevista a guarda compartilhada do filho menor e a partilha da dívida comum, relativa à aquisição do imóvel – Guarda compartilhada que goza de preferência legal e que não é contraindicada no caso concreto – Regime de visitação paterna adequado – Dívida contraída durante o casamento e que se presume em benefício da família – Obrigação de a mulher pagar pelo uso exclusivo do imóvel, ainda que o filho nele resida – Uso exclusivo do automóvel pelo varão – Ausência de pedido de indenização – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO

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Paulo Schwartzman
Mestrando em Estudos Brasileiros no IEB/USP. Pós-graduado em Direito Civil pela LFG (Anhanguera/UNIDERP), em Direito Constitucional com ênfase em Direitos Fundamentais e em Direitos Humanos pela Faculdade CERS, em Direito, Tecnologia e Inovação com ênfase em Direito Processual, Negociação e Arbitragem pelo Instituto New Law (Grupo Uniftec). Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Assessor de magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo desde 2016. . Colunista semanal no Jornal Jurid e articulista no Migalhas. . Adepto da interdisciplinaridade, possui como cerne de sua pesquisa uma abordagem holística de temas atuais envolvendo o Brasil, o sistema jurídico e o ensino.

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