Aula 19 – A Tutela Provisória no CPC – 13ª. Parte: regramento geral (arts. 294-299), a postulação na tutela provisória – Final
Como adiantado na aula passada, temos para hoje o problema da concessão de ofício da tutela provisória.
Nosso último problema dentro da temática referente à postulação na tutela provisória.
A inserção dele no contexto, mais amplo, desta última dá-se porquanto a possibilidade de concessão de ofício de algo, no fundo, é uma forma de desnecessidade da postulação. Não a única forma, claro, pois que, ao menos, existe como tal também a previsão de pedidos implícitos.
Precisamos compreender, antes de emitirmos qualquer juízo categórico sobre o ponto, duas questões:
i) o sistema processual vigente prevê a possibilidade de tutela provisória de ofício?
ii) prevendo ou não, é lícita essa possibilidade?
Tomemos por ponto de partida a seguinte afirmação: “ao contrário do CPC anterior (caput do art. 273, acima de tudo), o CPC vigente não prevê o pedido de tutela provisória (ou melhor, a necessidade de um), especialmente no âmbito da tutela de urgência, aqui por força do caput do art. 300″.
Daniel Mtidiero é quem assim defende com mais força, provavelmente.
Por outro lado, podemos dizer que – embora não haja previsão (da necessidade) do pedido – não há (não expressamente) autorização para o deferimento de ofício.
Isto muito embora se defenda que, quando o caput do art. 300, CPC, dispõe que a “tutela de urgência será concedida”, ele está a prever o deferimento de ofício.
E, disto, tem-se que a tutela será concedida desde que, conforme a letra do dispositivo em análise, estejam presentes os pressupostos necessários para tanto, e, entre eles, não se encontra o pedido.
Não há, por outro lado, texto expresso dispensando-o.
Por isso, concluindo a primeira questão, podemos, num juízo de verossimilhança, dizer que – no mínimo – é duvidosa a previsão da autorização para a concessão de ofício da tutela provisória.
Já quanto à segunda questão, é irrelevante saber se há, ou não, tal previsão; o que importa é saber se a possibilidade de ela existir é lícita.
Nesse sentido, quais são os argumentos que são colocados contra a possibilidade da tutela provisória de ofício:
i) quebra da imparcialidade;
ii) violação ao chamado princípio da inércia;
iii) desestruturação do sistema de responsabilidade civil por fato processual.
Por outro lado, os argumentos que são colocados em favor dessa possibilidade sintetizam-se no aspecto da justiça processual e, observando a questão sob outro prisma, da eticidade processual.
Talvez um ponto de partida adequado para começarmos a confrontação desses dois lados contrapostos seja o seguinte:
“a imparcialidade judicial está no mesmo nível de outros princípios processuais, como o suposto princípio da justiça”.
Enfim, é preciso saber se, para “fazer justiça”, o juiz pode, de algum modo, quebrar a imparcialidade?
Ou, em oposição, se a imparcialidade é algo como que um superprincípio, estruturante de todo o sistema?
Tentando solucionar essa imbrincada questão, e de um modo bastante resumido, precisamos atentar para o seguinte: as garantias processuais existem para que, em determinado caso, sejam aplicadas. Para tanto, é necessário que os fatos que baseiam o caso sejam valorados conforme as regras que as preveem.
Em suma, é preciso que alguém diga, por exemplo, se, na causa em exame, o contraditório está, ou não, sendo observado, se a decisão proferida se encontra, ou não, fundamentada etc.
E, diante disso, qual é a garantia oponível àquele que tem o poder dizer que as demais garantias estão sendo observadas, a garantia de que ele não é um interessado na causa?
Trata-se, sem dúvida, da garantia da imparcialidade, fundamento do juiz natural.
Nesse sentido – ao menos aparentemente – a imparcialidade funciona como uma supergarantia (um superprincípio, nalguma medida), por quê?
Porque é indispensável que aquele que tenha o poder de dizer que as outras garantias estão sendo observadas seja alguém sem interesse na causa.
E, dentro da ideia de imparcialidade, há o aspecto subjetivo (que tem a ver com a pessoa em si do juiz, sua consciência, digamos assim), mas também há o aspecto objetivo, chamado de impartialidade.
Significa que “o juiz não pode praticar atos próprios de parte, pois as funções de juiz e parte são incompatíveis”.
Ora, pedir (ou requerer ou, amplamente, postular) é um ato próprio de parte, o mais próprio inclusive.
Então, resta-nos dizer que não cabe ao juiz fazer aquilo que somente é possível de ser feito por intermédio de pedido.
Os demais argumentos contra a possibilidade do deferimento de ofício são consequências deste em análise.
Resta, porém, o outro lado: e a justiça processual e a eticidade processual”, como ficam?” Poder-se-ia dizer.
A pergunta que deve ser feita é a seguinte: “em nome de uma justiça e de uma (suposta) ética, é possível deixar de lado a imparcialidade”?
Se o for, notadamente quanto a essa ideia de justiça, deixar-se-á de ter um juiz para se ter, em verdade, um fiscal, um inquisidor, uma espécie de superego da sociedade (Ingeborg Maus).
E daí vem: qual é a diferença entre, diante de um processo instaurado, deferir de ofício a tutela provisória e dar início ao próprio processo para que, ato contínuo, seja deferida a tutela?
A diferença é meramente de grau; não de substância.
Se formos levar a questão da justiça processual em considerações, independentemente dos limites, que são, em verdade, as garantias, temos de ir até o fim, e, ao menos imediatamente, esse até o fim é a autorização para se iniciar o próprio processo de ofício.
Quanto à questão da eticidade processual, é de se perguntar:
i) somente é ético o juiz que “faz justiça”?
ii) e, mais que isso, observar as garantias processuais não é, exatamente, agir eticamente?
Então, concluindo, a possibilidade de concessão de ofício de uma medida, inclusive se em tutela provisória, não é compatível com o sistema constitucional vigente, com a (super)garantia da imparcialidade.
Mas há o seguinte: com a aparência de um deferimento de ofício, encontram-se previsões que, em verdade, são de acolhimento parcial do que foi postulado. É o caso, por exemplo, da contramedida prevista no p. 1o. do art. 300, CPC.
É a famosa caução (contra)cautelar.
Uma tutela de garantia por excelência.
Cujo beneficiário é o réu da ação, aquele contra quem se pede a tutela provisória.
Daí, aparentemente, quando o juiz condiciona a tutela requerida à prestação de uma caução por quem requer e em favor da parte adversa, ele estaria a deferir em favor desta última uma tutela provisória de ofício.
Não é isso, todavia: o que se tem é um acolhimento parcial do pedido. Uma espécie de procedência em parte.
Ou seja, concede-se o que se requerer, mas não como um todo.
Isto porque a procedência parcial não é algo meramente numérico(quantitativo); é também qualitativo.
Nosso próximo ponto – ainda dentro dos aspectos (normativos) gerais da tutela provisória – será o referente à competência para a tutela provisória, uma análise, acima de tudo, do art. 299, CPC.
Isto na próxima aula.
Até lá.