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Área jurídicaDireito Imobiliário

O IPTU e a responsabilidade tributária das construtoras nas promessas de compra e venda não levadas a registro.

Embora as inovações legislativas não resolvam a falta de registro definitivo das Promessas de Compra e Venda, certamente trouxeram significativos avanços para garantir, ao vendedor, o direito de efetivar a transferência do imóvel, evitando permanecer como contribuinte de impostos de um bem que já foi vendido, por vezes, há mais de década.

Por mais que a legislação traga facilitadores, o gargalo da problemática sempre esbarra no fato de o vendedor depender do comprador para arcar com o pagamento dos impostos, cujo adimplemento é necessário para a correta transferência da propriedade.

A despeito dos mecanismos legislativos para compelir o comprador em efetivar a transferência, é preciso dar um passo atrás para reduzir a problemática às construtoras.

O problema é que a falta de registro da escritura pública definitiva da Promessa de Compra e Venda no cartório de imóveis, em regra, implica na responsabilidade do vendedor quanto ao IPTU do bem, podendo inclusive ensejar outras responsabilidades fiscais, como perante a União quando se tratar de imóvel de marinha, por exemplo.

Essa solidariedade decorre do artigo 34 do CTN[i], que prevê a responsabilidade solidária entre o proprietário, o possuidor ou o titular do domínio útil.

Como a propriedade apenas é transferida com o registro cartorário[ii], logo, uma vez não registrada a escritura definitiva, permanece a construtora como proprietária e, via de regra, como contribuinte do IPTU, possibilitando a execução contra si de débitos tributários não pagos pelo comprador e criando um passivo fiscal cada vez maior, cuja responsabilização foi reforçada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 122[iii].

Hoje e, sobretudo em razão da alteração de 2022 da Lei de Registros Públicos[iv], a Adjudicação Compulsória tanto extrajudicial como judicial passou a ser permitida também em prol do vendedor, na hipótese de inércia do comprador quanto à transferência do imóvel, possibilidade que já era jurisprudencialmente aceita, através da chamada Adjudicação Compulsória Inversa.

Muito embora sirva para facilitar, já que a carta de adjudicação substituirá a escritura pública a ser registrada para a compra e venda, essa primeira solução não exime o prévio pagamento dos tributos em aberto, o que mais uma vez pode impedir que a vendedora finalmente consiga transferir o bem, dada a inércia dos compradores.

Por isso surge a necessidade de as construtoras pensarem em meios eficazes e que dependam cada vez menos dos compradores para garantir que o imóvel seja transferido. Ainda que seja impossível esgotar a discussão nesta breve explanação, algumas possibilidades podem ser eficazes e deverão ser observadas conforme o caso.

Se a ideia é não depender do comprador, uma segunda solução que pode ser adotada é, não realizado o registro da escritura definitiva e a transferência no prazo contratualmente previsto, deve-se ao menos averbar a Promessa de Compra e Venda particular na matrícula do imóvel.

Por mais que a averbação não efetive a transferência, há um entendimento de que, quando averbada a Promessa em que conste cláusulas de irretratabilidade e irrevogabilidade, o comprador já tiver sido imitido na posse do bem e o tributo for de exercício posterior à averbação, não seria razoável permanecer a vendedora como responsável tributária. A título de exemplo:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE À EXECUÇÃO FISCAL. COBRANÇA DE IPTU RELATIVO AO ANO DE 2014. DECISÃO QUE REJEITOU A EXCEÇÃO. ILEGITIMIDADE EM RAZÃO DA ALIENAÇÃO DO IMÓVEL EM 2007. PROMESSA DE COMPRA E VENDA AVERBADA ANTES DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. CLÁUSULAS DE IRRETRATABILIDADE E IRREVOGABILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A escritura de promessa de compra e venda averbada no RGI antes da constituição do débito tributário, constando cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, e com imissão do comprador na posse do bem, retira da parte executada a condição de solidariamente responsável pelo pagamento do tributo, já que a ela não mais retornará a propriedade do imóvel gerador do débito tributário, deixando de ser titular do domínio útil ou possuidora do bem, à luz do art. 34 do CTN. 2. Trata-se de hipótese diversa daquela contemplada no Tema Repetitivo nº 122 do Superior Tribunal de Justiça que é aplicável a situações em que o contrato não foi levado a registro. 3. Débitos de IPTU que remontam ao ano de 2014, ou seja, sete anos após a averbação do contrato de promessa de compra e venda, que data de 2007. 4. Ilegitimidade passiva da agravante reconhecida. 5. Recurso provido. (TJ-RJ – AI: 00715809020208190000, Relator: Des(a). ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/05/2021)

 

É claro que se trata de uma hipótese a ser debatida conforme cada caso, mas, se pensarmos um passo ainda mais atrás, outra providência pode ser uma terceira solução: quando da elaboração da Promessa de Compra e Venda, a inserção de negócios jurídicos processuais aptos a facilitarem o caminho da regularização em prol da construtora.

A elaboração de cláusulas específicas moldadas como facilitador do procedimento já é amplamente permitida e possui amparo no artigo 190, do Código de Processo Civil[v]. A modulação de tais cláusulas deverá ser estudada caso a caso, mas, algumas poderão facilitar o procedimento de regularização. A título de exemplo:

 

i) prévia concordância do comprador para a expedição liminar da carta de adjudicação nos casos em que não registrada a escritura definitiva no prazo contratualmente estabelecido pelas partes. – > Por vezes, o imóvel já foi vendido há anos e os precedentes relativizam a urgência necessária ao pleito liminar, indeferindo a tutela no início do processo e causando uma demora até que a sentença de mérito autorize a adjudicação;

ii) prévia indicação de endereço eletrônico para fins de intimações via whatsapp. – > As intimações eletrônicas garantem uma maior celeridade no trâmite dos processos, além de servir como facilitador para a localização dos adquirentes que, as vezes, sequer são localizados, atrasando o procedimento;

iii) para os imóveis situados em Recife, poderá ser pensada cláusula com base na Instrução Normativa n.2, do SETRI, pouco conhecida e que possibilita a vendedora, nela tratada como alienante, a pedir à Procuradoria que o imóvel não transferido pelo comprador seja dado como garantia dos débitos de tributos municipais, retirando eventuais protestos e/ou dívidas ativas inscritas em face da alienante. É possível pensar negócio jurídico processual pelo qual o comprador concorde que o imóvel objeto da venda seja dado em garantia do eventual débito com base na instrução, sem prejuízo, naturalmente, da análise que será realizada pela Procuradoria, conforme prevê a instrução.

 

Além da inserção de diversos negócios jurídicos processuais que podem ser pensados e das soluções sugeridas, é fundamental que as obrigações do comprador estejam claras e objetivas, com a exata visualização do que precisa ser feito para regularizar o bem, já que muitas vezes se trata de uma pessoa física que desconhece a legislação e o procedimento.

Por exemplo, por mais comum que seja no ramo do Direito Imobiliário, não é estranho se deparar com adquirentes que sequer saibam que o seu imóvel é de Marinha e está sujeito às taxas de foro, laudêmio e ocupação que precisam ser regularizadas perante a União.

É preciso, então, que antes de pensar em mecanismos jurídicos capazes de compelir os compradores a efetivarem a transferência do imóvel, as construtoras se resguardem de, passos atrás, se assegurarem de uma Promessa de Compra e Venda clara, adequada e o mais eficaz possível caso aquele instrumento precise um dia ser judicialmente utilizado, seja na esfera tributária ou seja no que se refere à regularização à fórceps do bem.

O direcionamento deve ser de colaborar com o comprador mas, ao mesmo tempo, se resguardar de contar o mínimo possível com a participação dos adquirentes para resolver a regularização, estancando, assim, um passivo tributário decorrente de imóveis já comercializados e que geram uma dívida cada vez maior com o passar dos anos.

 

Notas e Referências:

[i]Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

[ii]Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

[iii]Teses fixadas no Tema repetitivo 122: 1-Tanto o promitente comprador (possuidor a qualquer título) do imóvel quanto seu proprietário/promitente vendedor (aquele que tem a propriedade registrada no Registro de Imóveis) são contribuintes responsáveis pelo pagamento do IPTU;

2-cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do IPTU.

[iv]Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.

§ 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:

[v]Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

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João Azevedo
Pós-graduado em Direito e Mercado Imobiliário pelo Instituto Luiz Mário Moutinho (ILMM). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Advogado.

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