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A necessidade de interpretação da tese firmada em repetitivo… TJGO no IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000

A necessidade de interpretação da tese firmada em repetitivo: o caso de matrícula de alunos cursando o terceiro ano do ensino médio e a tese firmada pelo TJGO no IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000.

 

Por Guilherme Sarri Carreira[1]

 

Sumário: I. Introdução: a tese firmada no IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000. II. Hipótese 1 – Alunos efetivamente cursando o terceiro ano do ensino médio. III. Hipótese 2 – Alunos cursando o segundo ano do ensino médio. IV. Hipótese 3 – Alunos que prestaram o vestibular cursando o segundo ano do ensino médio e que são convocados para matrícula quando estão cursando o terceiro ano do ensino médio. V. A necessidade de interpretação do precedente e a superação da subsunção. VI. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

 I. Introdução: a tese firmada no IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000.

Em decorrência da existência de diversos recursos tratando da mesma temática e havendo divergência no âmbito interno do próprio Tribunal de Justiça de Goiás referente à possibilidade de matrícula de estudante no ensino superior, sem concluir o ensino médio, houve a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas para que o tribunal uniformizasse o seu posicionamento e, por consequência, firmasse uma tese jurídica sobre o tema, a qual, a partir de então, seria de observância obrigatória (art. 927, III e 985, todos do CPC/15).

Após regular tramitação do incidente, o tribunal de justiça firmou a seguinte tese sobre o tema: “É autorizado o ingresso de aluno em curso de graduação sem a conclusão definitiva do ensino médio, desde que cursando o terceiro ano deste último curso, devendo comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, sob pena de perda da matrícula e, consequentemente, do ano letivo cursado junto à Instituição de Ensino Superior.”

            Não obstante o entendimento firmado, verifica-se que os problemas continuaram, notadamente porque a tese fixada não foi capaz de solucionar todos os impasses decorrentes desta temática, o que tem dado azo a decisões conflitantes e, o mais curioso, é que são decisões que se valem da mesma tese para, ora deferir o ingresso no ensino superior, ora para indeferir.[2]

Assim, a questão que se coloca é: a tese firmada em um IRDR é uma norma pronta e acabada ou, da mesma forma que o texto de lei, demanda um processo interpretativo?

Para responder a esta pergunta, primeiro é necessário apontar algumas situações envolvendo a aplicação da tese, donde será possível verificar o problema que ora se coloca e a necessidade de interpretação da tese fixada.

 

II. Hipótese 1 – Alunos efetivamente cursando o terceiro ano do ensino médio.

A primeira situação que se coloca são daqueles alunos que efetivamente estão cursando o terceiro ano do ensino médio e são aprovados no vestibular, notadamente naqueles vestibulares que ocorrem no meio do ano.

Nestes casos, não parece haver nenhuma dúvida quanto a aplicação da tese, já que esta, de maneira muita clara, diz que  “é autorizado o ingresso de aluno em curso de graduação sem a conclusão definitiva do ensino médio, desde que cursando o terceiro ano deste último curso, devendo comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, sob pena de perda da matrícula e, consequentemente, do ano letivo cursado junto à Instituição de Ensino Superior.”

            Logo, por se tratar de aluno cursando o terceiro ano deste último curso, viável o deferimento da tutela jurisdicional para determinar a matrícula no ensino superior, competindo a ele comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, pois, caso reprovado, haverá a perda da matrícula.

Note-se que nesta situação hipotética a tese fixada no IRDR é capaz de resolver o problema de maneira muito simples, pois a situação fática se amolda com perfeição ao enunciado linguístico estabelecido pela tese, não exigindo do intérprete (aplicador) maiores digressões interpretativas, embora não se possa ignorar que, ainda nestes casos chamados de simples (“easy cases”), exista processo interpretativo.

 

III. Hipótese 2 – Alunos cursando o segundo ano do ensino médio.

A segunda situação que ora se coloca são daqueles alunos que, cursando o segundo ano do ensino médio, são aprovados no vestibular e procuram o Poder Judiciário para obter uma decisão judicial que obrigue à Instituição de Ensino Superior a efetuar a sua matrícula, uma vez que o edital do vestibular, em consonância com a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, exige, no ato da efetivação da matrícula, a certidão de conclusão do ensino médio.

Nestes casos parece não haver dúvida de que não se deve determinar a matrícula no ensino superior, uma vez que a tese firmada no referido IRDR, de maneira expressa, diz ser “autorizado o ingresso de aluno em curso de graduação sem a conclusão definitiva do ensino médio, desde que cursando o terceiro ano deste último curso, devendo comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, sob pena de perda da matrícula e, consequentemente, do ano letivo cursado junto à Instituição de Ensino Superior.”

Ora, se o aluno não se encontra cursando o terceiro ano do ensino médio, por uma interpretação a contrario sensu chega-se a conclusão de que não é autorizado o seu ingresso junto à Instituição de Ensino Superior, o que, aliás, é reforçado pela parte final da tese, que diz que o aluno deve comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, sob pena de perda da matrícula e, consequentemente, do ano letivo cursado junto à Instituição de Ensino Superior.

Assim, é clarividente que se o aluno estiver cursando o segundo ano do ensino médio e vier a ser aprovado no vestibular, não será possível o seu ingresso no ensino superior, cuja conclusão se extrai de uma interpretação a contrario sensu da tese fixada, que diz de maneira expressa que o aluno deve estar cursando o terceiro ano e deve, ao final do ano letivo, comprovar a sua aprovação.

Note-se, de todo o modo, que da mesma forma que na hipótese 1, a tese fixada no incidente foi objeto de interpretação para excluir os alunos aprovados no vestibular que estão cursando o segundo ano do ensino médio, não sendo, pois, uma norma pronta e acabada

 

IV. Hipótese 3 – Alunos que prestaram o vestibular cursando o segundo ano do ensino médio e que são convocados para matrícula quando estão cursando o terceiro ano do ensino médio.

Por fim, uma terceira hipótese se faz necessário, que é aquela do aluno que, cursando o segundo ano do ensino médio, presta o vestibular e, apesar de aprovado, só vem a ser chamado nas últimas listas de convocação, momento em que se encontra cursando o terceiro ano do ensino médio. O que fazer nestes casos? Aplica-se ou não a tese firmada no IRDR?

Por incrível que pareça, esta tem sido uma situação até comum, notadamente nos vestibulares de medicina, cujas convocações para matrícula começam em novembro/dezembro e se estendem até fevereiro/março do ano seguinte, o que gera uma complexidade, já que se o aluno é convocado nas primeiras listas, ele não estará sequer matriculado no terceiro ano, ao contrário daquele aluno que, apesar de aprovado no vestibular, não obteve uma boa classificação e, por isso, só veio a ser chamado nas últimas convocações, quando, efetivamente, se encontra cursando o terceiro ano do ensino médio.

Analisando a tese fixada, a primeira resposta que dela se poderia obter é a seguinte: se o aluno foi convocado nas primeiras listas e não está cursando o terceiro ano, ele não pode ingressar no ensino superior; agora se ele foi convocado nas últimas listas e no momento da convocação ele está efetivamente matriculado no terceiro ano do ensino médio, o ingresso no ensino superior há de ser deferido.

Veja que a resposta citada no parágrafo anterior parte de uma interpretação literal e quase cega da tese firmada no IRDR, que diz que “É autorizado o ingresso de aluno em curso de graduação sem a conclusão definitiva do ensino médio, desde que cursando o terceiro ano deste último curso, devendo comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, sob pena de perda da matrícula e, consequentemente, do ano letivo cursado junto à Instituição de Ensino Superior.” Ora, se o aluno está cursando o terceiro ano, ele ingressa. Se no ato da convocação ele ainda está no segundo ano, não há o que se fazer. Enfim, esta conclusão resulta da ideia de que a tese é uma norma pronta e acabada e aplicada por simples subsunção.

Todavia, seria esta a melhor decisão? Será mesmo que a tese firmada, ao dizer do aluno “cursando o terceiro ano” do ensino médio quer dizer que basta estar matriculado no terceiro ano, pouco importando o momento em que ele foi aprovado no vestibular? Será que esta interpretação não viola o princípio da isonomia, ao viabilizar o ingresso do aluno aprovado no segundo ano que só veio a ser chamado no ano seguinte, quando comparado com o aluno aprovado no mesmo vestibular mas que veio a ser chamado quando ainda cursava o segundo ano?

Para responder a estas indagações, necessário proceder uma análise do julgamento que embasou a tese, já que suas razões de decidir podem nos ajudar a interpretar a tese firmada em sede deste IRDR, o que, infelizmente, não costuma acontece em terras brasileiras, pois é como se a tese firmada ganhasse vida própria e se desprendesse do caso que deu azo a sua fixação, ou, dito de outra forma, é como se a tese firmada no IRDR fosse uma norma pronta e acabada que sequer demandaria interpretação.

Assim, procedendo uma análise dos fundamentos que embasaram a tese firmada no IRDR, chama-nos a atenção o seguinte trecho do voto do relator, que, dada sua importância, merece transcrição:

 

“Neste delinear e expostos tais fundamentos, tenho que o ingresso do discente em curso superior, após prévia aprovação em processo seletivo e em fase final de conclusão do ensino médio, é perfeitamente aceitável, posto que reunidos os requisitos necessários à plena formação acadêmica.

Ora, a antecipação, por curto período de tempo, do ingresso do estudante no ensino superior, em nada viola o espírito da lei, sendo ilegítima qualquer interpretação estritamente formal das disposições da LDB (Lei nº 9.394/96), sem a realização do processo de “filtragem constitucional”, visto que a Carta Magna constitui o indissociável fundamento de validade de tal diploma normativo.”

 

Note-se que do voto do relator é possível perceber a sua preocupação com o estágio em que o aluno se encontra, tanto que ele, expressamente, menciona “em fase final de conclusão do ensino médio” e também diz em “antecipação, por curto período de tempo”, o que acaba por afastar as hipóteses de alunos que prestaram o vestibular quando estavam cursando o segundo ano do ensino médio e que só foram convocados quando matriculados no terceiro ano.

Veja que nestes casos não se pode dizer que o aluno está em “fase final de conclusão do ensino médio”, já que ele ainda tem todo um ano letivo para cursar, da mesma forma que não é possível compreender que haverá uma “antecipação, por curto período de tempo”, pois, repita-se, ainda há todo um ano letivo para cursar.

Dessa forma, embora conste da tese firmada que “é autorizado o ingresso de aluno em curso de graduação sem a conclusão definitiva do ensino médio, desde que cursando o terceiro ano deste último curso, devendo comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, sob pena de perda da matrícula e, consequentemente, do ano letivo cursado junto à Instituição de Ensino Superior”, a interpretação que se deve dar a esta tese é a de que o cursando o terceiro ano significa que o aluno, quando prestou o vestibular e foi aprovado, já estava no terceiro ano do ensino médio, excluindo assim às hipóteses de alunos que foram aprovados no vestibular quando estavam cursando o segundo ano do ensino médio e só foram chamados quando já matriculados no terceiro ano.

Esta interpretação, vale destacar, é a interpretação que se coaduna com as razões de decidir do IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000, e também é a interpretação que atende ao princípio da igualdade, pois admitir o ingresso do aluno que prestou o vestibular no segundo ano e que só veio a ser chamado no terceiro ano seria dar um tratamento privilegiado quando comparado com aquele aluno que também prestou o vestibular no segundo ano, foi aprovado e por estar bem classificado veio a ser chamado quando ainda cursava o segundo ano do ensino médio. Ora, não se pode “premiar” aquele que não conseguiu uma boa classificação e “punir” o aluno bem classificado e que foi chamado nas primeiras convocações.

Portanto, da tese firmada no IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000 deve-se excluir às hipóteses de alunos que prestaram o vestibular quando estavam cursando o segundo ano do ensino médio, ainda que tenham sido convocados só no ano seguinte, quando matriculados no terceiro ano do ensino médio, pois, repita-se, está hipótese não foi abarcada pela tese firmada.

 

V. A necessidade de interpretação do precedente e a superação da subsunção.

Frente ao que foi exposto, é possível afirmar que a tese firmada em IRDR, assim como os demais provimentos obrigatórios do art. 927 do CPC/15, não é uma norma pronta e acabada, devendo, pois, ser objeto de interpretação.

Aqui é importante se valer das premissas pós-positivistas, notadamente das lições de Friedrich Müller[3], que afirma existir uma diferença entre texto e norma, sendo que a norma é o resultado da interpretação do texto.

Dessa forma, a norma deixa de ter um caráter semântico e abstrato e passa a ser o resultado concreto de um processo interpretativo, daí porque sempre demanda a existência de um caso concreto, seja ele real ou fictício, restando assim superada a visão de norma jurídica típica do positivismo kelseniano, no qual o conceito de norma era colocado no plano semântico e abstrato.

Friedrich Müller foi o responsável pelo conceito de norma no pós-positivismo, sendo que sua teoria não busca acabar com o positivismo (antipositivista) mas, ao contrário, corrigir alguns dos equívocos desta teoria do direito, basicamente aplicando as conquistas e inovações filosóficas advindas do giro linguístico e superando a concepção de que a decisão judicial é mero ato de vontade ou uma operação mecânica de caráter silogístico, com bem adverte Georges Abboud e Marcos Araújo Cavalcanti, que resumem a obra de Müller nos seguintes termos:

 

De forma resumida, a obra de Friedrich Müller é fundamental para expor que a superação do positivismo (que nunca deve ser um fim em si mesmo) precisa passar ao menos pelos seguintes enfrentamentos: (a) a norma não pode mais ser reduzida ao seu texto; (b) o ordenamento jurídico positivo sem lacunas é uma verdadeira ficção puramente artificial; (c) a solução dos casos jurídicos não pode mais pretender ser realizada pelo silogismo, porquanto a decisão de cada caso deve ser estruturada e construída a partir dos dados linguísticos (programa da norma) e extralinguísticos (âmbito da norma), a fim de se alcançar a norma decisória do caso concreto (não há norma em abstrato – sem problema a se solucionar não há norma); (d) em suma, o pensamento pós-positivista não pode mais partir de uma cisão ficcional entre o jurídico e a realidade, ou seja, o pós-positivismo supera e transcende a clássica distinção entre questão de fato e de direito.[4]

 

Colocado estas premissas, convém agora trazer alguns esclarecimentos sobre a diferença de texto e norma e sobre a superação do método subsuntivo.

Como foi dito, a norma não se confunde com o texto normativo, sendo a aquela o resultado de um processo interpretativo, frente a um caso concreto, seja real ou fictício (processo concretizador).

Para tanto, e valendo-se novamente dos ensinamentos de Müller, é possível afirmar que a teoria estruturante é formada com base no programa normativo e no âmbito normativo, sendo que o primeiro é composto dos elementos linguísticos, enquanto que o segundo é formado pelos elementos não linguísticos, ou seja, pelos aspectos da realidade social, sendo que ambos estruturam a concretização da norma jurídica.

Dessa forma, pode-se afirmar que o programa normativo corresponde ao texto legal (texto de lei, texto de súmula, ratio decidendi, tese firmada, etc.) e existe abstratamente, enquanto que o âmbito normativo corresponde aos elementos da realidade social e só existe concretamente, sendo que a norma jurídica depende deste processo concretizador, de modo que não há norma jurídica sem atividade interpretativa.

Assim, partindo desta premissa pós-positivista, não é possível afirmar que a tese jurídica firmada, por exemplo, no IRDR, consiste em uma norma jurídica pronta e acabada, aplicável por simples subsunção.

Na verdade, a tese jurídica firmada no repetitivo, assim como o texto de lei, o texto de uma súmula, nada mais é do que um enunciado linguístico, sendo que a atribuição de sentidos a este texto depende deste processo concretizador, de modo que não há condições de se valer da subsunção, pois este método depende da existência de uma norma jurídica pronta e acabada, o que não existe no paradigma pós-positivista.

Logo, é possível concluir que a aplicação dos precedentes judiciais, incluindo aí a tese firmada em sede de repetitivos (IRDR, RE ou REsp repetitivo) depende deste processo concretizador, não sendo viável a aplicação por simples subsunção, pois, como dito, não existe norma pronta e acabada, já que esta depende do processo concretizador, que, por sinal, é interpretativo.

Dessa forma, pode-se afirmar que a correta aplicação do precedente firmado em sede de repetitivo (IRDR, RE e REsp repetitivo) passa, necessariamente, pela compreensão de que a tese fixada não consiste em uma norma jurídica pronta e acabada, mas, ao contrário, consiste em um texto, ou seja, um enunciado linguístico, assim como o é texto de lei, o texto da súmula, etc., inserindo-se, pois, no âmbito do programa normativo, sendo que a norma jurídica só será extraída deste processo de concretização, que passa, inclusive, pela interpretação da própria tese. Em outras palavras, a tese só pode ser vista como um ponto de partida no processo decisório e nunca um ponto de chegada.[5]

Nessa linha de ideias, vale finalizar com a ressalva sobre a incidência do art. 10 do CPC neste processo de aplicação do precedente judicial, o que restou positivado no §1º do art. 927 do CPC.[6]

Ora, se a correta aplicação do precedente depende deste processo concretizador, nada melhor do que ouvir as partes nesta tarefa interpretativa, até porque novos argumentos podem surgir, inclusive com a distinção ou superação do precedente. Logo, o contraditório substancial, com a oitiva prévia das partes na aplicação do precedente, só tende a enriquecer a sua correta aplicação no direito brasileiro. [7]

 

VI. Conclusão.

Partindo de uma visão pós-positivista, pode-se concluir que a tese firmada em sede de repetitivo (IRDR, RE e REsp repetitivo) não consiste em uma norma jurídica pronta e acabada, aplicável por simples subsunção. Na verdade, a tese fixada, assim como o texto de lei ou o texto de uma súmula, nada mais é do que um enunciado linguístico, sendo que a atribuição de sentidos a este texto depende do processo concretizador, conforme teoria estruturante de Müller.

Em outras palavras, como a tese jurídica fixada não se trata da norma jurídica, não há condições de se valer da subsunção, pois este método depende da existência de uma norma pronta e acabada, o que não existe no paradigma pós-positivista, de modo que a tese fixada não pode ser vista como ponto de chegada, mas sim como um ponto de partida.

Assim, a aplicação da tese fixada em sede de repetitivo depende de um processo concretizador, o que restou clarividente na questão envolvendo a tese firmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás no IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000, donde, segundo concluímos, não pode alcançar os estudantes que  prestaram o vestibular quando estavam cursando o segundo ano do ensino médio, ainda que tenham sido convocados só no ano seguinte, quando matriculados no terceiro ano, pois esta hipótese não foi abarcada pela tese, conclusão esta que só foi possível de se chegar após a realização deste processo concretizador que, necessariamente, passa pela compreensão de que a tese é um enunciado linguístico que precisa ser interpretado, não sendo, pois, uma norma pronta e acabada, aplicada por subsunção.[8]

Por fim, ainda neste processo de aplicação da tese jurídica fixada, é fundamental a observância ao art. 10 do CPC/15, já que este dispositivo legal viabiliza o amplo debate entre as partes e o órgão julgador a respeito da aplicação da tese, de modo a atender o contraditório substancial e, por conseguinte, o devido processo legal.

 

Notas e Referências bibliográficas:

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______. (Coord.).  Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.

[1] Juiz de Direito no Estado de Goiás. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela PUC-SP (COGEAE). Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor da UNICERRADO (Centro Universitário de Goiatuba) da  ULBRA (Itumbiara) e da ESMEG (Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás). Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO). Doutorando no IDP.

[2] A propósito, no Processo n.º 5069487.39, em tramitação na Comarca de Itumbiara-GO, o juiz de primeiro grau indeferiu a liminar amparado na tese firmada no referido IRDR. Irresignado com a decisão, houve a interposição do Agravo de Instrumento (Processo n.º 5072197-32.2024.8.09.0087), cujo relator, monocraticamente, deu provimento ao recurso para reformar a decisão e, para tanto, se valeu da mesma tese firmada no IRDR 5506253.98.2021.8.09.0000.

[3] MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. 2ª ed. rev., atual e ampl.. São Paulo: RT, 2009.

[4] ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araújo. Interpretação e aplicação dos provimentos vinculantes do Novo Código de Processo Civil a partir do paradigma do pós-positivismo. REpro 245.São Paulo: RT, julho, 2015, p. 359.

[5] ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araújo. Interpretação e aplicação dos provimentos vinculantes do Novo Código de Processo Civil a partir do paradigma do pós-positivismo. REpro 245.São Paulo: RT, julho, 2015, p. 370-375.

[6]  Art. 927 (…) §1° Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo. (…) Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

[7] ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araújo. Interpretação e aplicação dos provimentos vinculantes do Novo Código de Processo Civil a partir do paradigma do pós-positivismo. REpro 245.São Paulo: RT, julho, 2015, p. 373.

[8] A propósito, no julgamento do Agravo de Instrumento (Processo n.º 5072197-32.2024.8.09.0087), cujo relator, monocraticamente, deu provimento ao recurso para reformar a decisão proferida no Processo 5069487.39, o que se verificou foi a aplicação da tese por simples subsunção, como se fosse uma norma pronta e acabada, pois o relator entendeu que como o aluno já estava cursando o terceiro ano, pouco importando o momento em que ele prestou o vestibular, ele poderia então ingressar no curso superior, o que, no nosso entender, não se mostra correto, pois a interpretação da tese firmada no referido incidente exclui esta situação, como já foi colocado.

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