Carta de um civilista aos Reis Magos
Na Espanha e no México, existe um arraigado costume de celebrar o Dia dedicado aos Santos Reis (que levaram presentes ao Menino Jesus) com a troca de presentes; o que costuma ser realizada aqui no Brasil na véspera do Natal. É um dia muito aguardado também pelas crianças, que costumam escrever aos Santos Reis solicitando presentes; tradição que foi substituída no Brasil e em outros países com a tradicional cartinha endereçada ao Papai Noel.
Aproveitando a proximidade do dia 06 de Janeiro, aproveito para escrever minha primeira cartinha aos Santos Reis.
Queridos Reis Magos: eis os insólitos pedidos de um modesto professor de direito civil, residente na Província de Pernambuco. Não permitais que o novo Presidente da República siga o costume de seus antecessores (inclusive dele mesmo) de realizar alterações no Código Civil por meio de medida provisória. Código Civil é coisa séria, nobres Reis. A vida em sociedade exige um mínimo de segurança e estabilidade que se manifesta no Direito como a demanda pela Codificação, para que se regule os comportamentos sociais de forma ordenada.
Que nossos alunos não cometam a marota irresponsabilidade de estudarem direito civil em livros “esquematizados” ou “facilitados”, majestades. Como já disse Wesley Safadão, ilustre frequentador da Farofa da Gkay: “Tu quer ser amor ou tu quer ser esquema?” Até ele sabe que este negócio de esquematizar não dá certo, meus Reis!
Se quer um relacionamento sério com o direito civil, é necessário “investir” na relação. Passar longas horas contemplando séculos de doutrinas; olhar com atenção para as peculiaridades das categorias civilísticas; enfim, se é amor verdadeiro, deve perdurar toda uma vida.
Prezado Rei Baltazar: bens sabes que o Direito Civil é como o elefante que tu montaste na viagem até Belém; é nobre, majestoso e tem reconhecida memória. Preservai-o dos sórdidos mercenários, que desatam a inventar teses descoladas da realidade apenas para vender mais livros e pareceres!
Grande Rei Gaspar: o Direito Civil também é tal como o camelo que te levou até o Menino Deus. Graças a sua capacidade de acumular séculos de tradição, é capaz de atravessar longos e áridos desertos. Os oásis estão cada vez mais distantes uns dos outros. A vegetação outrora abundante em tratados e glosas, agora parece se resumir a grama cada vez mais rala dos princípios, infestadas dos escorpiões do TikTok. O veneno de tais ferrões age cada vez mais rápido, e pode ser mortal para as mentes muito jovens.
Caríssimo Rei Melchior: o Direito Civil também é como o majestoso cavalo que te levou até a famosa gruta. Talvez aquele prodigioso cavalo fosse um dos gloriosos antepassados de Rocinante, que dá nome a nossa coluna. Tão grande pode ser a simbiose entre o Direito Civil e o Homem, que se pode até pensar de que se trata de um único ser. Contudo, se se tornam antagonistas o Direito Civil também é capaz de se voltar contra o homem e de matá-lo a pisoteadas. É vital colocar o Direito Civil a serviço do homem. Mas, isto deve ser feito com delicadeza e bom senso; sem ignorar a natureza das coisas. Um cavalo não é um gato, e nem um cachorro. Direito Civil também não é Direito Penal, e nem muito menos é Direito Constitucional.
Santos Reis: que possamos encontrar novos oásis em 2023. Se não for pedir demais, olhe com atenção para esta nossa listinha:
1.Que Karina Nunes Fritz e Vera Jacob de Fradera continuem a nos ensinar sobre as atualidades do direito alemão e comparado;
- E que Judith Martins-Costa, Otávio Luiz Rodrigues Júnior e Torquato Castro Júnior continuem lançando seus olhares críticos sobre o estatuto epistemológico do Direito Civil Contemporâneo;
- Que Rodrigo Xavier Leonardo, Larissa Leal, Dante Ponte, Rafael Azevedo, Atalá Correia e Tula Wesendonck permaneçam lançando luzes sobre o direito contratual;
- Que Rafael Peteffi, Efren Porfírio, Silvano Flumignan, Carlos Eduardo Silva e Souza, Adisson Leal e Nelson Rosenvald sigam refletindo sobre a responsabilidade civil a luz do ideal de justiça corretiva;
- Que Alfredo Flores, Ignácio Poveda Velasco, Alessandro Hirata, Bernardo Moraes, Eduardo Marchi e Humberto Carneiro Filho continuem nos ensinando as Histórias do Direito Civil e preciosas lições de Direito Romano;
- Que Renata Oliveira, Adriana Correa, Ana Cláudia Brandão, Débora Gozzo e Maria do Carmo Lencastre mantenham-se sensíveis às questões do direito médico e da saúde;
- Que Regina Beatriz Tavares da Silva, Eduardo de Oliveira Leite, Caio Morau, Roberta Drehmer, Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery sigam nos ensinando boas lições de direito de família;
- Que Roberto Paulino Junior, Bruno Borgarelli, Vitor Kümpel e Maria Vital da Rocha prossigam pontificando sobre direito das coisas e sobre as coisas do direito;
- Que Gustavo Haical, Marcos Bernardes de Mello e Roberto Campos Gouveia Filho sigam a partir e para além do pensamento de Pontes de Miranda;
- E que João Maurício Adeodato, Aurélio Boaviagem, José Luiz Delgado, José Gediel e Artur Stamford sigam nos inspirando na pesquisa e na docência.
E que 2023 seja um ano melhor do que 2022!