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Contornos Jurídicos dos “Compromissos” Celebrados pela Administração Pública: um estudo a partir da “Nova” Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (NLINDB) e sua regulamentação

Na coluna anterior, intitulada “Administração Pública Dialógica, Eficiência e Formalismo Moderado: em busca da efetivação da supremacia do interesse público sobre o privado por meio da consensualidade” [1], iniciamos a discussão sobre consensualidade na Administração Pública e vislumbramos, como um caminho para a estruturação da consensualidade, já presente em outros contextos administrativos [2], os “compromissos” celebrados pela Administração Pública a partir da edição do art. 26 da Lei 13.655/2018. Pois bem, continuaremos a análise tratando desse dispositivo e de sua regulamentação.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB – Decreto-lei 4.657/1942) sofreu o acréscimo de artigos relevantes para o Direito Público com a edição da Lei 13.655/2018, fazendo jus à nomenclatura de “Nova” Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (NLINDB). Os artigos 20 a 30, recém inseridos, tratam de princípios que norteiam as atividades nas esferas administrativa, controladora e judicial.

Segundo Ferraz (2018, s/p) [3] há três sustentáculos do novel texto legal que merecem ênfase:

[…] (a) o da eficiência, a garantir que iniciativas administrativas pioneiras e inovadoras continuem a ser desenvolvidas sem que sejam aniquiladas, a priori, por concepções e convicções de controle da administração pública, dissociados das respectivas consequências práticas; (b) o da segurança jurídica, à medida em que o administrador público passa a gozar de um quadrante mais bem definido de responsabilidades e possibilidades de defesa (inquinam-se condutas praticadas com dolo ou erro grosseiro); (c) o da consensualidade, que propõe a utilização e a priorização do consenso — como técnica de solução de conflitos e eliminação de controvérsias (destaque nosso).

 

No presente estudo, será abordado o viés da consensualidade, por meio da análise do artigo 26 da NLINDB, que trata da possibilidade de celebração de “compromisso” entre a autoridade pública e interessados, com o intuito de eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa. O dispositivo mencionado foi regulamentado pelo Decreto 9.830/2019, que também será analisado.

Trata-se de um passo extremamente relevante em prol da Administração Pública dialógica, em busca de uma atuação pautada pela eficiência, sem olvidar a supremacia do interesse público, que como é sabido, pode ser concretizada por meio da negociação, superando a visão ultrapassada da necessária impositividade.

Inicialmente, faz-se necessária a transcrição do artigo sob análise:

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo:

I – buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;

II – (VETADO);

III – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral;

IV – deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

§ 2º (VETADO).

 

Estudiosos do tema, como Guerra e Palma (2018, p. 140) [4], afirmam que o artigo é um permissivo genérico para que a Administração Pública, independentemente de lei ou regulamento específico, celebre “compromissos”. Ademais, também promove uma negociação mais transparente, eficiente e justa.

A consensualidade no âmbito administrativo, segundo Voronoff e Lima (2019, s/p) [5] pode ser classificada em horizontal e vertical, de acordo com os seguintes critérios:  a) A consensualidade horizontal trata de situações em que o Poder Público não utiliza o seu poder de império, de impositividade, mas atua seguindo preceitos do direito privado, como se fosse um particular, o que permitiria uma maior flexibilidade para negociações, como por exemplo, quando a Administração celebra um contrato de seguro; e b) Na consensualidade vertical, o Poder Público usufrui de suas prerrogativas, utiliza seu poder de império, mas sem olvidar que há caminhos legais para a negociação.

Há exemplos interessantes citados por Voronoff e Lima (2019, s/p) [6], como as sanções disciplinares aplicáveis a servidores públicos, que nos casos de menor potencial ofensivo, e desde que observados os requisitos legais, podem ser substituídas por Termos de Ajustamento de Conduta (TAC); ou ainda os casos de desapropriação de bens privados; e até contratos administrativos tradicionais, tão lembrados por suas cláusulas exorbitantes, pró Fazenda Pública, mas que não impedem a negociação. Ressalte-se, inclusive, que a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (14.133/2021) confere especial atenção à consensualidade.

Feitos os esclarecimentos iniciais, vamos ao exame do artigo 26 da NLINDB e de sua regulamentação.

 

Alcance da expressão “compromisso” no artigo 26 da NLINDB

Conforme exposto anteriormente, inclusive com a transcrição literal do dispositivo, o artigo 26, caput, da NLINDB adota a expressão “compromisso” ao se referir à possibilidade de celebração de acordos pelo Poder Público, com o objetivo de eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público.

Segundo Peixoto (2021, p. 72) [7], a nomenclatura escolhida para designar a possibilidade de autocomposição não permite qualquer espécie de interpretação restritiva quanto às formas de solução de controvérsias. Seguindo essa linha, que considera a existência de um ambiente propício à celebração de acordos, em sentido amplo, cite-se o Enunciado n. 21 do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), que confere a seguinte interpretação ao dispositivo: “Os artigos 26 e 27 da LINDB constituem cláusulas gerais autorizadoras de termos de ajustamento, acordos substitutivos, compromissos processuais e instrumentos afins, que permitem a solução consensual de controvérsias” (IBDA, 2019) [8].

Ainda no entendimento de Peixoto (2021, p. 73) [9], “O art. 26 da LINDB atua como uma espécie de cláusula geral para a realização da autocomposição pela Administração Pública, ampliando os limites e possibilidades da negociação do direito material pelos entes públicos”.

O dispositivo legal, portanto, além de tratar, de forma genérica, das possibilidades de acordo, também estabelece parâmetros, ao disciplinar os requisitos procedimentais para que se ajuste o “compromisso”. A medida é salutar, tem o intuito de conferir segurança jurídica quando da tomada de decisão por meio da autocomposição.

 

Abrangência do artigo 26 da NLINDB sob três ângulos 

É necessário, neste ponto, tratar da abrangência conferida ao artigo 26 da NLINDB, considerando, para tanto, três diferentes ângulos de observação:

    1. Qual o alcance da expressão “direito público”, presente no caput do artigo?
    2. Apenas a expedição de “licença” pode ser alvo de “compromisso”?
    3. Somente as autoridades da Administração Pública, em sentido estrito, podem celebrar compromisso?

Em verdade, os três questionamentos se inter-relacionam. Conforme será exposto a seguir.

Há entendimentos no sentido de que a expressão “direito público” deve ser vista como sinônimo de “direito administrativo”, ficando a ele restrito. Corroborando essa visão, ressalte-se que o artigo 26 menciona a “licença”, típico ato administrativo, como passível de “compromisso”, além de estabelecer que compete à “autoridade administrativa” celebrá-lo. Essa conjunção de fatores conferiria um caráter mais restrito ao artigo 26. Adotando essa linha de raciocínio, tem-se a análise realizada por Andrade (2019, pp. 129-130) [10].

Embora haja estudiosos como Andrade, que apresentem uma interpretação mais restritiva, acredita-se que não é esse o alcance almejado pelo dispositivo. O artigo 26 da NLINDB adota a expressão “direito público”, que como é de amplo conhecimento, envolve áreas jurídicas diversas, como a tributária, a ambiental, e não somente o direito administrativo. Sobre o tema, preleciona Sundfeld (2018, s/p) [11]:

Seus dispositivos são abrangentes e serão observados nas operações jurídicas envolvendo o direito público em geral. Entendem-se como tal as operações cuja tutela tenha como centro as autoridades administrativas, embora com fiscalização e participação de controladores externos e juízes. Em suma, os arts. 20 a 30 da Lei de Introdução tratam do direito público cuja aplicação primária seja administrativa. Está fora o direito penal, pois sua aplicação primária é judicial, não administrativa, ainda que nele atuem as autoridades policiais e penitenciárias vinculadas à administração pública, mas como coadjuvantes.

Tratando do segundo ângulo de observação, o ato administrativo “licença”, que faz parte da categoria de atos vinculados, pode ser alvo de “compromisso”, mas em nenhum momento, o artigo determina que essa possibilidade é restrita a essa categoria de atos. A menção à licença tem por intuito esclarecer que, mesmos os atos vinculados, podem ser alvo de “compromisso”. Acertadamente, a lei optou por não apresentar um rol de atos passíveis de compromisso, destacando, por sua vez, os requisitos para que o compromisso ocorra. Isso denota a amplitude da aplicabilidade.

No que concerne ao terceiro ângulo de observação, é possível firmar “compromissos” mediante provocação dos interessados ou de ofício, ressaltando que compete à “autoridade administrativa” essa tarefa. O termo “autoridade”, significa que os legitimados para firmar “compromisso” são os agentes públicos que possuem “poder decisório”, conforme previsto no artigo 1º, § 2º, inciso III, da Lei 9.784/1999, que disciplina o Processo Administrativo no âmbito federal.

Sobre o alcance da expressão e seus desdobramentos no tocante às autoridades judiciais e controladoras, Sundfeld (2018, s/p) [12] explica de forma precisa:

[…] o art. 26, tem aplicação mais focada do que outros, pois regula diretamente o exercício da competência apenas de autoridades administrativas, não, portanto, de autoridades controladoras e judiciais (“… a autoridade administrativa poderá … celebrar compromissos com os interessados…”). O objeto do compromisso administrativo pode ser qualquer “irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa” ligada às competências de autoridades administrativas, inclusive de direito ambiental e tributário, por exemplo. Digo que o preceito é mais focado só por seu objetivo ser regular a competência de transacionar dos administradores, não de controladores e juízes. Mas nem por isso o art. 26 deixa de ter efeitos indiretos sobre estes, pois impactará sim sua atuação na fiscalização e revisão de validade dos compromissos administrativos.

Ressalte- se que magistrados e controladores podem, de forma atípica, realizar atos de natureza administrativa, como por exemplo, atuação em atividade disciplinar, em organização de concurso público, atos sobre os quais incide, diretamente, o artigo 26.

 

Regulamentação formal e material do artigo 26 da NLINDB

O artigo 10 do Decreto 9.830/2021 regulamentou o artigo 26 da NLINDB. Os aspectos mais relevantes dessa regulamentação serão abordados a seguir. Para tanto, segue o texto normativo em sua integralidade:

Art. 10.  Na hipótese de a autoridade entender conveniente para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situações contenciosas na aplicação do direito público, poderá celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável e as seguintes condições:

I – após oitiva do órgão jurídico;

II – após realização de consulta pública, caso seja cabível; e

III – presença de razões de relevante interesse geral.

§ 1º  A decisão de celebrar o compromisso a que se refere o caputserá motivada na forma do disposto no art. 2º.

§ 2º  O compromisso:

I – buscará solução proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;

II – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecido por orientação geral; e

III – preverá:

a) as obrigações das partes;

b) o prazo e o modo para seu cumprimento;

c) a forma de fiscalização quanto a sua observância;

d) os fundamentos de fato e de direito;

e) a sua eficácia de título executivo extrajudicial; e

f) as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

§ 3º  O compromisso firmado somente produzirá efeitos a partir de sua publicação.

§ 4º  O processo que subsidiar a decisão de celebrar o compromisso será instruído com:

I – o parecer técnico conclusivo do órgão competente sobre a viabilidade técnica, operacional e, quando for o caso, sobre as obrigações orçamentário-financeiras a serem assumidas;

II – o parecer conclusivo do órgão jurídico sobre a viabilidade jurídica do compromisso, que conterá a análise da minuta proposta;

III – a minuta do compromisso, que conterá as alterações decorrentes das análises técnica e jurídica previstas nos incisos I e II; e

IV – a cópia de outros documentos que possam auxiliar na decisão de celebrar o compromisso.

§ 5º  Na hipótese de o compromisso depender de autorização do Advogado-Geral da União e de Ministro de Estado, nos termos do disposto no § 4º do art. 1ºou no art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, ou ser firmado pela Advocacia-Geral da União, o processo de que trata o § 3º será acompanhado de manifestação de interesse da autoridade máxima do órgão ou da entidade da administração pública na celebração do compromisso.

§ 6º  Na hipótese de que trata o § 5º, a decisão final quanto à celebração do compromisso será do Advogado-Geral da União, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 1997.

 

Conforme explicitado no artigo 10, incisos I e II, o “compromisso” a ser celebrado pela “autoridade administrativa” dependerá da oitiva do órgão de assessoramento jurídico e, caso seja cabível, da realização de consulta pública.

A consulta pública, prevista no artigo 31 da Lei 9.784/1999, poderá constituir um interessante instrumento de controle popular sobre os “compromissos” firmados, incentivando o exercício da cidadania. Não obstante a relevância, não há força vinculante, ou seja, o que for alvo de manifestação durante a consulta não gera obrigação para a autoridade pública.

O inciso III, por sua vez, exige fundamentação que demonstre a existência de interesse público relevante na celebração do “compromisso”.  Na mesma trilha, os §§ 1° e 2°, inciso III, “d”, destacam a necessidade de motivação, exigindo que sejam expostos os motivos de fato e legais que embasam o “compromisso”. A necessidade de contextualizar, de avaliar os aspectos práticos, as eventuais consequências, é extremamente relevante para a Administração Pública. Um exemplo que bem retrata essa relevância, é o “compromisso” firmado em casos repetitivos, seguindo uma cultura de precedentes administrativos, com necessária observância de princípios como o da impessoalidade para a sua validade.

Segundo Carvalho Neto (2014, pp. 306-307) [13] para que uma decisão administrativa seja impessoal, faz-se necessário observar, ao menos, três deveres fundamentais, que se inter-relacionam: a decisão deve conter fundamentação suficiente e adequada; decisões impessoais demandam ambiente processual para fins de legitimação, que rechaçam decisões tomadas sem racionalidade, imparcialidade e equilíbrio; e participação do interessado.

Um outro aspecto relevante da regulamentação concerne às vedações impostas em relação ao conteúdo do “compromisso”, presentes no § 2°, inciso II, quais sejam: 1. Não é permitida a “desoneração permanente de dever”, que pode ser retratada como uma renúncia de competência, vedada pela Lei 9.784/1999, em seu artigo 11. Um exemplo que pode ilustrar a questão, é o de que a “autoridade pública” não pode renunciar ao seu dever de investigar indícios de ilícitos atribuídos a servidor público; 2. Outra vedação presente no mesmo dispositivo estabelece que o “compromisso” não poderá conferir “condicionamento de direito reconhecido por orientação geral”. Cite-se como exemplo, condicionar o direito de interpor recurso administrativo ao pagamento de caução, comportamento vedado pelo STF, por meio da Súmula Vinculante n. 21 (BRASIL, STF, 2009) [14].

Há outros requisitos formais que devem ser observados, conforme o § 2°, inciso III, “a”, “b”, “c”, “e” e “f”, que preveem, respectivamente, quais são as obrigações das partes; o prazo e o modo para o cumprimento do “compromisso”; como se dará a sua fiscalização e observância; a sua eficácia de título executivo extrajudicial; e por fim, quais as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

No § 3°, há uma clara preocupação com o princípio da publicidade, ao estabelecer que o “compromisso” somente surtirá efeitos após a publicação, o que permitirá um controle social mais efetivo, permitindo aos cidadãos que conheçam e questionam eventuais ilegalidades.

Continuando a análise, o § 4° exige que o compromisso seja instruído com alguns documentos, quais sejam, o parecer técnico conclusivo do órgão competente sobre a viabilidade técnica, operacional e, quando for o caso, sobre as obrigações orçamentário-financeiras a serem assumidas.

Além do requisito citado, o § 4°, inciso I, determina a oitiva do órgão jurídico que se manifestará sobre a viabilidade do “compromisso” a ser celebrado. Pertinente a opinião de Peixoto (2021, p. 81) [15] sobre o momento da participação do órgão jurídico:

Pois bem, é obrigatória a oitiva do órgão jurídico, que deverá emitir parecer jurídico sobre a viabilidade jurídica do compromisso, com a devida análise da minuta proposta (art. 10, § 4o, II, do Decreto 9.830/2019). Pelo teor do mencionado decreto, a participação do órgão jurídico apenas seria obrigatória na parte final do procedimento de negociação, tendo em vista que ele deve elaborar apenas o parecer conclusivo, embora seja desejável a sua participação desde o início para impedir eventuais negociações que já tenham, desde o início, eventuais vedações legais. Embora a manifestação do órgão jurídico seja um requisito de validade, não há vinculação da autoridade jurídica. Em discordando, impõe-se que o administrador o faça de forma fundamentada.

Já o § 4°, inciso II, prevê que o parecer conclusivo do órgão de assessoramento jurídico tratará da viabilidade jurídica do “compromisso”, contendo a análise da minuta proposta. Em sequência, o § 4°, inciso III, dispõe que dentre os documentos que devem subsidiar a decisão está a “minuta do compromisso”, que conterá as alterações decorrentes das análises técnica e jurídica previstas nos incisos I e II. Exige-se, portanto, a manifestação em relação à minuta, o que é extremamente salutar. Ressalte-se que a oitiva do órgão jurídico não dispõe de força vinculante. A autoridade pode discordar do parecer, desde que fundamente.

O § 4°, inciso IV, determina que os autos do processo subsidiarão a decisão do “compromisso” serão instruídos com outros documentos que auxiliem na decisão final, como por exemplo, outros “compromissos” firmados em situações semelhantes.

O § 5° prevê que o “compromisso” deve ser acompanhado de manifestação de interesse da autoridade máxima do órgão ou da entidade da Administração Pública na celebração do compromisso. Isso ocorrerá nas seguintes circunstâncias: a) Quando houver necessidade de autorização do Advogado Geral da União e de Ministro de Estado, pois o litígio ultrapassa valores superiores aos fixados em regulamentos, conforme disposto no artigo 1°, § 4°, da Lei 9.469/1997. O Decreto 10.201/2020, em seu artigo 2°, § 1°, regulamenta a questão, impondo a necessidade de autorização quando os valores forem iguais ou superiores a R$ 50.000.000,00; b) Nos casos de celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) que envolvam interesse público da União e que sejam firmados pela União, conforme o artigo 4°-A da Lei 9.469/1997 e; c) Em outras hipóteses em que o compromisso seja firmado pela Advocacia-Geral da União.

Por fim, além da manifestação da autoridade máxima, nas hipóteses supramencionadas, a decisão final acerca da celebração do compromisso será do Advogado-Geral da União, que avaliará o interesse geral, atuando como a própria “autoridade administrativa”, de acordo com o § 6°.

No contexto das relações dialógicas, do fomento à consensualidade, o artigo 26 da NLINDB e sua regulamentação pelo artigo 10 do Decreto 9.830/2019, possuem a relevante missão de disciplinar e fomentar as autocomposições no âmbito do direito público, que devem ser norteadas por princípios como eficiência, impessoalidade, publicidade, exigindo transparência e a devida fundamentação quando da tomada de decisões.

O caminho é longo, estabelecer uma cultura negocial que atenda a todos esses requisitos é um desafio considerável para a Administração Pública, sobretudo no que concerne à explicitação dos motivos e na análise das consequências.  Mas, a superação da impositividade desmedida, da fundamentação frágil ou inexistente, e da pessoalidade na atuação, já conta com um disciplinamento normativo genérico, resta-nos acompanhar a sua efetivação por meio do cumprimento de todos os requisitos exigidos.

 

Notas e Referências:

[1] SILVA, Roberta Cruz da. Administração Pública Dialógica, Eficiência e Formalismo Moderado: em busca da efetivação da supremacia do interesse público sobre o privado por meio da consensualidade. In: Juridicamente. Compartilhando ideias e experiências. Disponível em: https://juridicamente.info/administracao-publica-dialogica-eficiencia-e-formalismo-moderado-em-busca-da-efetivacao-da-supremacia-do-interesse-publico-sobre-o-privado-por-meio-da-consensualidade/. Acesso em: 08 set. 2022.

[2] e [4] Para maior aprofundamento sobre a consensualidade no âmbito das agências reguladoras; das Ações Civis Públicas; e de outras possibilidades, vide: GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Art. 26 da LINDB – Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Revista de Direito Administrativo[S. l.], p. 135–169, 2018. DOI: 10.12660/rda.v0.2018.77653. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77653. Acesso em: 19 ago. 2022.

[3] FERRAZ, Luciano. LINDB autoriza TAC em ações de improbidade administrativa. In: Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-09/interesse-publico-lindb-autoriza-tac-acoes-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 set. 2022.

[5] e [6] VORONOFF, Alice; LIMA, César Henrique. Cinco desafios para a consensualidade administrativa – Por que a via consensual ainda é tão difícil? In: Jota. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/tribuna-da-advocacia-publica/cinco-desafios-para-a-c onsensualidade-administrativa-19072019. Acesso em: 19 ago. 2022.

[7], [9] e [15] PEIXOTO, Ravi. O art. 26 da LINDB como cláusula geral para a realização da autocomposição pela Administração Pública: uma análise dos limites e possibilidades. In: Civil Procedure Review[S. l.], v. 12, n. 3, p. 67–92, 2021. Disponível em: https://civilprocedurereview.com/revista/article/view/241. Acesso em: 20 ago. 2022.

[8] SEMINÁRIO promovido pelo IBDA aprova enunciados sobre a LINDB. In: Direito do Estado. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/noticias/seminario-promovido-pelo-ibda-aprova-enunciados-sobre-a-lindb. Acesso em: 25 ago. 2022.

[10] ANDRADE, Fabio Martins de. Comentários à Lei n. 13.655/2018. Proposta de Interepretação e Sistematização conforme. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

[11] e [12] SUNDFELD, Carlos Ari. LINDB: Direito Tributário está sujeito à Lei de Introdução reformada. Qual o âmbito de incidência dos novos dispositivos? In: Jota. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e- analise/artigos/lindb-direito-tributario-esta-sujeito-a-lei-de-introducao-reformada-10082018. Acesso em: 15 set. 2022.

[13] CARVALHO NETO, Tarcisio Vieira de. O Princípio da Impessoalidade nas Decisões Administrativas. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo/Faculdade de Direito. 2014. 335 f. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-01032016-125610/pt-br.php. Acesso em: 25 set. 2022.

[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Súmula Vinculante 21. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante. Acesso em: 11 set. 2022.

 

 

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Roberta Cruz da Silva
Doutora em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestre e Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora da Universidade Católica de Pernambuco (graduação e especialização); e da pós-graduação do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Autora e coautora de diversos artigos científicos e livros jurídicos. Pesquisadora do Grupo GEDA/UNICAP/CNPQ. Advogada.

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